O Meio utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência. Ao navegar você concorda com tais termos. Saiba mais.
Assine para ter acesso básico ao site e receber a News do Meio.

O plano de Bolsonaro

Se você acha que ontem assistimos a vários depoimentos meio modorrentos com os interrogatórios de Jair Bolsonaro ou dos generais Augusto Heleno, Braga Netto e Paulo Sérgio, calma lá. Bolsonaro admitiu que conhece o documento que nós chamamos de minuta do golpe. Admitiu que estudou um Estado de Defesa ou de Sítio após a vitória de Lula. Tanto ele quanto Braga Netto, que foi seu vice, fizeram pouco da turma que acampou na frente dos quartéis e depois atacou as sedes dos Três Poderes.

PUBLICIDADE

É claro que ele não reconhece esses movimentos como golpistas. Mas registra essas admissões aí porque são novas e sugerem um pouco de qual será a estratégia da defesa.

Ali no meio da coisa, Bolsonaro falou até que é apaixonado pelo Heleno. Isso dá mostra de que o general sabe muita coisa e, neste momento, o importante é não criar um novo delator. Agora, vem cá, esse general Heleno é uma figura impressionante, né? Se você conversa com seus colegas de Exército, todos o respeitam. Quase todos o veem como muito preparado, muito inteligente. Pois é. Chegou lá no Supremo e o advogado logo disse que ele não responderia nem às perguntas dos ministros, nem às do procurador-geral da República. Tudo certo, é direito de todo réu. Só responderia perguntas feitas por seu advogado. E, assim, conseguiu ser o único depoente a trocar os pés pelas mãos. Tipo, na boa.

Em julho de 2022, o general falou, numa reunião ministerial gravada em vídeo, que depois da eleição ia ser tarde demais para dar soco na mesa, pra virar a mesa. O que todo mundo entende com esta afirmação? Que é melhor dar o golpe antes da eleição. O advogado perguntou, com toda cautela, se era para alguém interpretar aquelas frases como a vontade de fazer algo ilegal. O que me responde o general?

“Não havia oportunidade, o presidente, com a declaração dele, cortou essa possibilidade.”

Vamos ver. O senhor queria fazer algo ilegal, ministro? O presidente cortou essa possibilidade.

A gente via, na cara do pobre advogado, o sorriso amarelo. “Só para deixar claro, general, quando o senhor falou em virar a mesa, foi no sentido literal ou figurado?”

Figurado, claro. E assim, aliviados, ficamos sabendo que o general Augusto Heleno jamais teve a intenção de virar a mesa onde estavam sentados todos os ministros de Estado. Convenhamos. Seria pesada.

Outra pergunta maravilhosa do advogado. “Era possível reverter o resultado das eleições?” “Não, isso aí é quase impossível”, respondeu Heleno.

É. Pois é. Gente, depois que uma eleição acaba e os votos são contados, é quase impossível reverter o resultado. Vai ver é por isso que a virada de mesa tinha de acontecer antes, entende?

E isso porque Augusto Heleno é um general frio, calculista, estratégico, com a mente afiada. O general que eles costumam dizer que é meio tapadinho é o Braga Netto. Ele está preso. Depôs por videoconferência, de dentro de um quartel, no Rio de Janeiro. A cara é de uma tristeza só. Mas Braga Netto não meteu o pé na própria boca. Falou com clareza. Estava no veterinário com sua cadela quando soube do 8 de janeiro. “Aquilo me horrorizou”, ele disse. “Aquilo é vandalismo.”

Gosto do raciocínio dele. Muito. E aqui, falo sério: o que o general Braga Netto explicou é que “as nossas manifestações”, primeiro disse de direita aí explicou que prefere “conservadoras”, pois é, que as manifestações conservadoras são sempre ordeiras. Mas aquilo lá, no 8 de janeiro de 2023, não tinha nada disso. Aquilo era vandalismo.

O Bolsonaro bateu no mesmo tom. As manifestações conservadoras são ordeiras. Nós, quer dizer, eles lá, não fazem bagunça. São disciplinados. Mas sempre pintam uns “malucos”. Deixa eu repetir exatamente as palavras do ex-presidente.

“Tem sempre uns malucos ali que ficam com aquela ideia, de AI-5, intervenção militar, que as Forças Armadas, os chefes militares jamais iam embarcar nessa, porque o pessoal estava pedindo ali, até porque não cabia isso aí e nós tocamos o barco.”

Pois é. Esses caras passaram os últimos meses pedindo anistia pras vovós, pros pipoqueiro, pra tira que não fez nada demais. Agora são malucos, são vândalos. Não são direita de verdade. Você aí. Tem parente preso por conta do ataque aos três poderes? Tem pena da turma na cadeia após a invasão dos palácios? Bem, se não está claro deixa eu fazer com que fique: Jair Bolsonaro e os generais acabam de jogar todo esse pessoal debaixo do ônibus.

Para todo o resto, a coisa para deixar clara é outra: rolou uma freada de arrumação. O bolsonarismo apareceu com outra cara. E não só. Alexandre de Moraes também apareceu com outra cara. Vamos entender por quê?

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Sabe, a gente precisa conversar sobre que tipo de espaço existe para podermos falar abertamente sobre valores. Sobre o que é sermos brasileiros todos. Não os vermelhos de um lado e os amarelos do outro. Sobre quem somos em conjunto. Não estamos tendo essa conversa. Este é um ato de cidadania. Aqui no Meio a gente defende a liberdade de ouvir dois, três lados, para então fundamentar a construção de um pensamento crítico e que seja seu, de fato. Mas para isso a gente sabe, é preciso construir repertório. E o Meio Premium é ideal para isso. Reportagens exclusivas, newsletters especiais aos sábados e às quartas e streaming por apenas R$ 15 por mês. Assine. Te garanto que vai fazer a diferença nas suas conversas.

E este? Este é o Ponto de Partida.

Acho que nunca vimos um Alexandre de Moraes tão simpático. Por que ele não partiu para a pancada? O relator do processo não desafiou Bolsonaro. Não perguntou a ele sobre o Plano Punhal Verde e Amarelo. Não perguntou sobre as tocaias. Não perguntou sobre a declaração feita na véspera, pelo tenente-coronel Mauro Cid, de que Bolsonaro teria mexido na minuta golpista para deixar só a prisão do próprio ministro.

Mais do que ninguém, o ministro sabe que ao fim deste processo não basta condenar os golpistas. É preciso convencer a maior parte dos brasileiros de que o processo foi justo, de que os réus tiveram amplo direito de defesa. Aparecer atacando Bolsonaro, dar a impressão de estar de picuinha, tudo poderia atrapalhar. O ministro estava, fundamentalmente, preocupado com imagem tanto quanto com o julgamento.

E Bolsonaro tinha a mesma preocupação. Ele sabe o que os ministros do Supremo pensam. Ele sabe de todas as provas que a Procuradoria-Geral da República tem nas mãos. Então o que quis Bolsonaro? Por um lado, não poderia negar as provas. Por outro, precisava construir uma história que incluísse as provas e excluísse um golpe.

Que história é essa? Um, sua opinião é de que as urnas eletrônicas são frágeis e abriam espaço pra fraude. Dois, Lula venceu a eleição. Três, o PL entrou com um pedido relacionado a possível fraude no Tribunal Superior Eleitora. Quatro, o TSE respondeu afirmando que era litigância de má fé e impondo uma multa pesada. Cinco, junta os generais para ver o que mais pode ser feito legalmente. Por que os generais e não outros? Outra, porque os generais são militares, pensam como ele que foi militar. Seis, estudam estado de sítio, de defesa, têm umas ideias, escrevem. Sete, chegam à conclusão de que não havia mais nada o que fazer dentro da lei então pronto.

Ele precisou admitir um monte de coisa aí pelo meio, coisas que não estavam admitidas antes.

Qual é o buraco na defesa de Bolsonaro? São dois e enormes. O primeiro é a minuta do golpe. Ele o chamou de “considerandos”, os advogados todos de defesa estão falando do papel assim. É porque esse tipo de documento começa com essa estrutura: Considerando que o Tribunal fez isso, Considerando que tal coisa aconteceu. Os Atos Institucionais da Ditadura começavam assim. É um jeito de explicar, no cabeçalho de um documento legal, por que se toma uma decisão específica. Então o primeiro problema é que este documento existe, que ele foi escrito e ele descreve um golpe de Estado.

O segundo problema, ora, é que não cabe Estado de Sítio ou Estado de Defesa no entorno do Tribunal Eleitoral. Não tem como sustentar nem em sonho a legalidade de uma decisão dessas. Aí você tem essas conversas com os comandantes militares? Por que eles? Porque não com o advogado geral da União, o ministro da Justiça ou, ora, o presidente do STF? Por que não com o presidente da Câmara e o do Senado? Por que as pessoas com quem você está falando sobre medidas legais a respeito de uma eleição que você perdeu são os comandantes das três forças armadas?

Olha só: Bolsonaro admitiu pouco. Mas o que ele admitiu é suficiente para deixar os ministros juntarem as peças que eles já têm nas mãos. O presidente quis dar um golpe militar. Não deu porque o Exército não topou. Nessa toada, nem precisava do general Augusto Heleno em essência entregar tudo. Sabe como é. Ele não queria virar a mesa literalmente. Era no sentido figurado, mesmo. Queria melar o jogo como metáfora. Que jogo?

Aquele que leva todo cidadão brasileiro com mais de 16 anos, a cada quadriênio, ao livre exercício do seu direito de escolher coletivamente quem mandará no país. E não escolhemos o cara deles.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.