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Os maquiadores, Erika e Lula

A deputada federal Erika Hilton precisa provar que paga por fora, a seus dois assessores, pelos serviços que lhe prestam de maquiagem. Não é difícil. Basta mostrar os depósitos, os pix. E pronto, resolve-se o problema. Se não há pagamento, é só o bom e velho patrimonialismo. Mais uma pessoa, uma política profissional, usando o que é público para um benefício privado.

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Mas toda a reação a respeito da história dos maquiadores da deputada dizem muito sobre comunicação política digital. E acho que, aqui, vale juntar a entrevista que o presidente Lula concedeu ao podcast Mano a Mano.

Acho que nunca vimos o presidente falando com tanta clareza sobre sua visão desses aparelhinhos, aqui. “Por que que você acha que não uso celular?”, ele pergunta pro Mano Brown e pra Semayat Oliveira, que são os entrevistadores. “É só xingamento”, ele diz. Lula descreve um dia, ele e a primeira-dama indo para o aeroporto, ele olhando pela janela. Isso de manhã. “As pessoas correndo fazendo ginástica, todo mundo com o celular na mão. Eu fiquei pensando, para que que uma pessoa tem que fazer ginástica com o celular na mão? Será que ela não pode prescindir meia hora, uma hora de um celular?”

Eu não sei o que as pessoas estavam fazendo enquanto corriam. Mas eu corro com o celular. Hoje de manhã, por exemplo, corri ouvindo o presidente Lula no podcast do Brown. Tem gente que prefere ouvir música. Já corri muito com walkman. E, olha, o walkman não dava um monte de estatísticas sobre a corrida naquele dia.

Lula diz que não quer chamar de redes sociais, prefere chamar de redes digitais. Rede digital é a internet toda. Rede digital é, igualmente, a rede de telefonia celular. Afinal, não é mais analógica, portanto é digital. Existem redes digitais, é um termo genérico para muita coisa. Claro, uma rede social é também digital. Nós usamos o termo rede social para sermos precisos, para distinguirmos de outras redes digitais. Mas diz muito sobre o presidente que ele não entenda muito a diferença entre uma rede digital e uma rede social. Lula não tem celular. Não compreende por que uma pessoa correria com um celular. No meio da revolução digital, o presidente do Brasil não tem uma vida digital. Ou seja, tudo o que ele sabe, sabe porque lhe explicaram. Não tem como avaliar se estão certos ou errados. Acha, na sua cabeça, que no mundo da internet a direita é vilã, a esquerda é mocinha. Possivelmente acredita nisso e não tem como construir uma opinião própria. Ele desconhece algo que é central na maneira como vivemos hoje em dia.

A esquerda se acostumou muito com esse discurso de que nas redes sociais só tem xingamento. E é aí que entramos nos maquiadores da deputada Erika Hilton. Uma pessoa, no X, publicou a informação. O site Metrópoles foi lá, checou se os dois assessores existiam. Existem. Estão, realmente, alocados no gabinete. Foi ao perfil de ambos no Instagram. Que tipo de conteúdo existe lá? Maquiagem, maquiagem, maquiagem. A maneira como se apresentam em público? A maneira como esperam ser reconhecidos na vida digital que todos temos inclusive Lula? Como maquiadores. E, de vez em quando, mandam recadinhos. Quem quer mandar beijos para Erika? Deusa. Magnífica. Tudo ótimo.

A deputada não gostou da cobrança. Fez publicar uma resposta por escrito, nas suas redes. Começa assim: “Não, meus amores, eu não contrato maquiador com verba de gabinete. Isso é simplesmente uma invenção.”

Vejam só, o tom desse “não, meus amores”, sou eu quem está dando. É texto escrito. Talvez, na cabeça da deputada, o tom fosse de afeto. De espanto. Em texto escrito o que passa, na boa? É pura arrogância. Na melhor das hipóteses, impaciência. Como ousam sugerir uma coisa dessas? Ela segue:

“O que tenho são dois secretários parlamentares que, todos os dias, estão comigo e me assessoram em comissões e audiências, ajudam a fazer relatórios, preparam meus briefings, dialogam diretamente com a população e prestam um serviço incrível me acompanhando nas minhas agendas em São Paulo, em Brasília, nos interiores e no exterior. E sim, conheci eles como maquiadores, identifiquei outros talentos e os chamei para trabalhar comigo. Quando podem, fazem minha maquiagem e eu os credito por isso. Mas se não fizessem, continuariam sendo meus secretários parlamentares.”

Esses camaradas são maquiadores profissionais. Não fazem maquiagem por crédito. Fazem por dinheiro. São pagos por isso. Se pago um salário mensal para um marceneiro para que ele organize minha agenda e pegue recado quando alguém liga, aí peço por favor que ele faça uma mesa, ele a fará. Posso dizer que é meu assistente pessoal, que às vezes peço uns móveis, mas ele os faz por favor. Porque gosta de mim. E sempre digo que aquela cadeira ali foi o Rubens quem fez. Dou crédito. Me deu de presente. Mas quem estamos enganando, não é? O Rubens vai fazer móveis quando os peço porque pago um salário, porque trabalha para mim. Não é porque sou simpático.

Erika mandou um “meus amores” impaciente, disse que os maquiadores pagos por seu gabinete fazem maquiagem no tempo de folga em troca de crédito, e aí um perfilzão grande desses da esquerda indicou o perfil do coitado que apontou, com toda razão, o patrimonialismo de uma deputada federal. Sabe como funciona, né? Esse aqui está atacando nossa deputada. A extrema direita malvada. Soltem os cães em cima dele. Que a fúria do cancelamento se abata sobre ele que ousou questionar uma parlamentar eleita. Quem, afinal, o sujeito acha que é para fazer perguntas? Cidadãos podem questionar a lisura da direita, da esquerda, jamais.

A gente precisa conversar sobre o artigo 37 da Constituição Federal.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Sabe, a gente precisa conversar sobre que tipo de espaço existe para podermos falar abertamente sobre valores. Sobre o que é sermos brasileiros todos. Não os vermelhos de um lado e os amarelos do outro. Sobre quem somos em conjunto. Não estamos tendo essa conversa. Este é um ato de cidadania. Aqui no Meio a gente defende a liberdade de ouvir dois, três lados, para então fundamentar a construção de um pensamento crítico e que seja seu, de fato. Mas para isso a gente sabe, é preciso construir repertório. E o Meio Premium é ideal para isso. Reportagens exclusivas, newsletters especiais aos sábados e às quartas e streaming por apenas R$ 15 por mês. Assine. Te garanto que vai fazer a diferença nas suas conversas.

E este? Este é o Ponto de Partida.

“A administração pública de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”

Esse “impessoalidade” aí quer dizer o seguinte: você não pode usar recursos do Estado, e isso inclui a mão de obra dos servidores comissionados, para promoção pessoal de autoridades. Não pode nomear um servidor para desempenhar tarefas alheias ao interesse público, ou usar horas de trabalho pago pelo erário em benefício privado. Deixa eu ser muito claro, aqui. Não, deputada, não pode fazer sua maquiagem às vezes alguém que recebe salário para ser seu assessor parlamentar.

Entendi que a senhora acha que não tem nada demais. Mas tem. Sua maquiagem é pessoal. O interesse público precisa de seu cérebro, precisa de sua capacidade de expressar ideias, e não precisa que a senhora esteja bonita. O deputado Nikolas Ferreira tem, no gabinete, uma pequena máquina de produção publicitária. Enquanto estiverem trabalhando para produzir conteúdos que digam respeito à atividade parlamentar, tudo ótimo. No momento em que estão promovendo politicamente o deputado, não pode, pela mesma razão.

O problema da mensagem “meus amores” de Erika é que está lá, dito: “Quando podem, fazem minha maquiagem, e eu os credito por isso.” A não ser que estejam sendo pago por fora, do bolso da deputada, isso é desvio da função e viola a Constituição. Puro suco de patrimonialismo brasileiro. E vem com a típica arrogância de todo patrimonialista, de direita e de esquerda. Eu, daqui de cima do Olimpo, olho aí pra baixo. Não venham reclamar dessas bobagens. Não ousem me questionar. Eu tenho boas intenções e ponto.

Lula não entende vida digital. Então, na cabeça dele, redes sociais são só xingamento. O que ele talvez não saiba é que o xingamento não vem só da direita. Porque a maneira como com muita frequência a esquerda se defende, no digital, é atacando. Atacando com dentes afiados, em ondas de cancelamento que muitas vezes destróem a vida de pessoas. A esquerda não é inocente.

Agora, bolsonarista não pode reclamar de maquiador de deputada de esquerda não, tá? Tem poucas famílias que parasitam o Estado brasileiro há décadas como a família Bolsonaro. Quem paga caseiro com salário público, usa apartamento funcional de garçoniere, e constrói fortunas tirando um pedaço do salário de seus assessores de gabinete não tem qualquer moral para olhar no olho de Erika Hilton e criticá-la por isso.

Nessa armadilha do patrimonialismo em que Erika se enfiou, o Centrão inteiro é profissional faz anos e Jair, Flávio, Eduardo, Carlos, Jair Renan e Michelle têm título de cátedra, honoris causa, com direito a se espreguiçarem na poltrona. Não estão sozinhos. Vai lá na rede do Nikolas Ferreira. É só de debate público que ele fala, ou tem muita promoção pessoal? Pois é. Vai ser difícil encontrar deputado com moral para criticar Erika nessa aí.

E isso, sabe, não é coisa que a gente deveria celebrar.

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