Tem espaço pra 3ª via?
Quais são as chances de haver um candidato de terceira via que chegue à presidência da República? A resposta vai variar, dependendo de para quem se pergunte. Pergunte a um militante de esquerda das redes sociais, por exemplo, e a resposta é a seguinte: chance zero. A política brasileira é isso aí. Ou Lula ou Bolsonaro.
Existe uma razão para a esquerda se abraçar a este cenário: é o melhor para ela. Lula está num momento muito ruim. Dados da última Quaest, divulgada na semana passada. 58% dos brasileiros preferem que Lula não concorra à reeleição. Ele é um candidato fraco.
Dados da última pesquisa do Instituto Ideia. 48% consideram que este governo é pior do que os governos anteriores de Lula. 52% consideram que seu governo está pior do que o de Bolsonaro.
Mas olha só, voltando pra Quaest: se 58% dos brasileiros preferem que Lula não concorra à reeleição, 62% preferem que Jair Bolsonaro também abra mão da sua candidatura. 44% têm mais medo de que Bolsonaro volte do que Lula volte. 41% têm mais medo de Lula ser reeleito do que da volta de Bolsonaro.
O melhor concorrente para Lula é Bolsonaro. O concorrente sobre o qual Lula vence com mais facilidade é Bolsonaro. A segunda melhor alternativa para Lula? Alguém muito identificado com Bolsonaro. Por que o discurso da esquerda acaba meio que virando algo sempre “toda direita é Bolsonaro”? Bem, a maioria dos pré-candidatos não ajuda muito, né? Quanto mais sobem em palanque com Bolsonaro, quanto mais fazem declarações em favor de Bolsonaro, mais confirmam mesmo essa impressão. Mas, mesmo para a turma que não fica de joelhos para Bolsonaro, como o governador paulista Tarcísio de Freitas, pra esquerda o discurso é sempre assim: “seria ótimo se não fosse bolsonarista, mas todo mundo é Bolsonaro”. Bolsonaro virou o Hitler daquela história de criança, um meme da internet, “todo mundo de quem não gosto é Bolsonaro”.
Para a esquerda, ter Bolsonaro, alguém com um sobrenome Bolsonaro ou, no mínimo, alguém que possa ser chamado de bolsonarista no outro lado é a melhor chance de eleger Lula. Do ponto de vista da sua estratégia, a esquerda está corretíssima.
E pro mundo bolsonarista? A mesma coisa. O bolsonarismo vive do antipetismo. Tire Lula, ou um candidato de Lula, da eleição e acabou Bolsonaro. Bolsonaro existe porque ele encarnou o antipetismo. Só que o problema é o seguinte: o bolsonarismo deixa de existir quando não houver mais Jair Bolsonaro. O PT vai seguir existindo sem Lula. Pode ser, até, que exista uma disputa na esquerda, talvez o PSOL tente se tornar o principal partido de esquerda do país. Tudo pode ser. Mas o PT é um partido político estruturado, com militantes em todos os municípios do país, com uma marca de décadas na estrelinha, com a CUT e o MST como braços relacionados. O PT não vai desaparecer. É o partido de maior sucesso e história mais sólida da democracia brasileira. Então a hipótese de não haver um candidato lulista na próxima eleição é zero. Eu iria além. A hipótese de não haver um candidato que represente Lula e o PT no segundo turno de 2030 é remotíssima.
Pois bem, quando o candidato do outro lado é identificado com Bolsonaro, Lula se torna mais forte. Quer ver uma das maneiras como esse processo se dá? Tarifas de Donald Trump. Sabe o que aconteceu com todos os líderes nacionais que entraram em confronto com Trump? Todos subiram vários pontos nas pesquisas. Aconteceu com Volodomyr Zelenski, na Ucrânia. Com Emmanuel Macron, na França. O Partido Liberal canadense estava na boca de ser posto pra fora do governo, os Conservadores já batendo os tambores da vitória e, igualzinho ao Brasil, o candidato da direita falou que a culpa das tarifas era do governo. Os liberais ganharam.
Vamos lá. Números da Quaest. 17% dos brasileiros têm Lula como seu líder. Eles declaram. 12% dos brasileiros têm Bolsonaro como seu líder. É o que dizem. Total, 29% dos brasileiros querem esta briga. Sobra quem? Sobram 13% dos brasileiros que são de esquerda mas não se consideram petistas. Sobram 22% dos brasileiros que se consideram de direita mas não são bolsonaristas. E soltam aqueles 33% que sequer se posicionam. Soma: 68%. Põe mais os 3% que não sabe, não respondeu, não entende, preferiam não e passa dos 70.
Sabe o que estes números querem dizer? Quase dois terços de nós somos reféns do um terço que adora Lula ou adora Bolsonaro. Então, vamos voltar à pergunta. Tem espaço prum candidato à presidência de terceira via? Claro que tem. E esse caminho é mais fácil pela centro-direita do que pela centro-esquerda.
Vamos deixar uma coisa clara, aqui: Jair Bolsonaro é nocivo. É incivilizado. É golpista. E é corrupto até dizer chega. Sim, o PT é um partido que governou desviando fortunas do dinheiro público. É só que Bolsonaro é a mesma coisa. Corrupto até o último fio do cabelo. É também um sujeito pusilânime, sem um pingo de caráter. As pessoas servem a Bolsonaro. Bolsonaro as abandona pelo caminho sem piscar. Os Bolsonaro vão pros Estados Unidos ferrar com a economia brasileira inteira, custar o emprego talvez de incontáveis brasileiros, pôr em risco mais de 10% das exportações do país, pra se beneficiar pessoalmente. Bolsonaro foi ferrar empresários que apoiaram ele. Pusilânime. Covarde. Egoísta. E o pior. Ele trouxe de volta o fantasma que sempre destruiu tanto a democracia quanto a economia do Brasil. Trouxe de volta o fantasma da ditadura militar.
Tem espaço para uma candidatura de terceira via? Se a esquerda tivesse a coragem de dizer, com clareza, o que é melhor para o Brasil, diria o seguinte: a eleição vai ficar mais difícil pra gente, mas, pro Brasil, o melhor é uma eleição sem Bolsonaro. Porque o melhor para o Brasil é uma eleição sem Bolsonaro.
Tem espaço? Tem. Mas é difícil. Qual é o caminho?
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
A gente já volta ao assunto. Mas uma pausa rápida: Você já deve ter ouvido muita coisa sobre o conflito entre Israel e Palestina. Mas gente tentando entender ambos os lados ao invés de defender com unhas e dentes um “vencedor”, isso… Isso eu tenho certeza que não tem por aí. Foi assim que surgiu a ideia dos novos episódios do Ponto de Partida – A Série. Milhares de pessoas já assistiram no streaming do Meio e os comentários que chegaram foram muitos. Teve quem dissesse que deveria ser material para ser visto até nas escolas. Teve gente que agradeceu por, pela primeira vez, ter entendido o contexto. E teve quem nunca imaginou aprender sobre os povos cananeus vendo um documentário. Olha, daqui fico feliz de saber que a série está cumprindo o papel dela. Se você ainda não assistiu, talvez seja a hora. Assine o streaming do Meio e tire suas próprias conclusões.
E este? Este é o Ponto de Partida.
O que é uma terceira via? Bem, é um candidato que rompa a polarização. Bolsonaro, tecnicamente, foi um candidato de terceira via. A polarização brasileira tradicional estava entre PT e PSDB. Bolsonaro e seu movimento vieram por fora, radicalizaram a política, criaram uma polarização pior, agressiva, na qual os fatos desapareceram por completo do debate brasileiro. Mas ele é a prova encarnada de que terceiras vias existe e podem ser viáveis. Uma terceira via, hoje, teria de vir pelo centro porque no poder está um partido de esquerda e o outro polo é a direita golpista. Vocês viram os números. Não tem eleitor de esquerda radical. Os eleitores que estão dando mole por aí mais fácil são aqueles 33% sem posicionamento entre esquerda e direita e os 22% que se identificam como de direita mas não são bolsonaristas. A terceira via, hoje, se acontecer, é de centro.
Então primeiro precisa haver um movimento de dois grupos, mais ou menos simultâneo. Um grupo é o de políticos de centro e centro-direita. Mais políticos assim precisam denunciar o bolsonarismo. Sim, este é um ato de coragem. Mas o Brasil precisa disso. E o momento é bom. A bancada ruralista está irritadíssima, por exemplo. É hora. Agora, existe um outro grupo que é o da elite econômica e intelectual. As pessoas que têm influência no debate público. Pessoas que já foram próximas de Bolsonaro precisam, igualmente, ou internamente, ou publicamente, começar a falar. Com esse cara não dá mais. Porque isso dá segurança a mais e mais políticos para que se afastem. Sem este movimento das elites brasileiras, punindo quem se curvar demais ao bolsonarismo, não acontece. É premiação mesmo, tá?
O bloco não-bolsonarista na população já existe. Alguém vai oferecer para este bloco uma alternativa? De novo, é uma questão de coragem. O prêmio é o Palácio do Planalto. O prêmio é este mesmo?
É. Pelo seguinte. Haverá um candidato bolsonarista na eleição do ano que vem. Mas se alguns partidos com força e gente influente se fecha cedo ao redor de uma candidatura, o resultado vai ser um primeiro turno disputado na direita, em 2026. Vamos puxar outro instituto de pesquisas, o Atlas Inteligência. Tem um estudo da Atlas que mostra o seguinte: é bem batalhado o primeiro turno, na circunstância atual, para um candidato mais centrista. Mas, se chega ao segundo turno, é só surfar.
Deveria ser lógico. Se a direita e o centro se coordenassem, ganham fácil a eleição do ano que vêm. A esquerda sabe disso. E vai seguir dizendo que não tem espaço para uma terceira via por esta razão. A família Bolsonaro também sabe disso. E está apavorada.
Ah, um último detalhe. Bolsonaro não terá mais poder de articulação, não falará mais com políticos, com ninguém a partir de novembro. Se bobear, até antes disso.