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Alexandre, Magnitsky e picanha barata

Os Estados Unidos incluíram o ministro Alexandre de Moraes na lista de Estrangeiros Especialmente Designados pela Lei de Responsabilização Global por Direitos Humanos Magnitsky. Neste momento, de forma meio infantil até, os bolsonaristas estão eufóricos. E acho que a gente tem de falar isso. Da sua parte, o ministro está dizendo que não liga. E tudo bem. Mas o problema é grande, é sério, e precisa ser compreendido. Porque desorganiza de vez todo o sistema democrático internacional. E não foi só isso que a Casa Branca fez. O presidente Donald Trump também impôs a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros. A lista de exceções é tão grande que, no fim, é quase como se não tivesse tarifa nenhuma. Sobraram de importante só café e carne. Ou seja, café bom e carne boa vão ficar mais baratas aqui. Quer dizer, o agro se ferrou e Lula vai poder dizer que tem picanha mais barata para todo mundo. Olha, ler a ordem executiva explica muita coisa sobre Trump.

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Então vamos lá. Quais são as perguntas que temos de responder. Um: o que realmente incomoda Donald Trump a respeito do Brasil? Dois: o que os bolsonaristas não entendem? Três: Qual o real prejuízo para o Brasil? E, por último, quatro: qual o prejuízo para os Estados Unidos?

Existe um debate nas redes sociais, e mesmo na imprensa, sobre o que incomoda o presidente Donald Trump. Tem uma turma que diz que o problema de Trump na verdade nada tem a ver com Jair Bolsonaro. Que o lobby de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo não teve qualquer influência. Que a questão é Lula, que a questão são os Brics, que o problema é nosso presidente adorar ficar jogando bravatas contra o dólar.

Vamos lá, gente: a política externa brasileira é antiamericana. Como Lula tem as mãos atadas na política aqui dentro, já que o Congresso está muito à direita, o espaço de ele ficar de blablablá populista pra esquerda é na política externa. Lula fica desafiando os americanos em tudo quanto é fala sua e isso, evidentemente, não tem faz amigos, cria atritos e tudo o mais. Mas, olha, esse Lula aí já falava as mesmas coisas e tinha boa relação com George W. Bush, com Barack Obama e com Joe Biden. Não foi Lula que mudou, foram os Estados Unidos. Não há qualquer indício de que o problema seja com as bravatas do presidente Lula.

Por outro lado, leia-se a ordem executiva assinada por Donald J. Trump. O que ele cita como razões? A perseguição da Justiça brasileira ao ex-presidente Jair Bolsonaro, a perseguição da Justiça brasileira a Paulo Figueiredo, as prisões de brasileiros ligados à tentativa de golpe de Estado por aqui e, claro, no centro de tudo isso, o ministro relator destes processos todos no Supremo. Alexandre de Moraes.

É preciso gastar muito esforço retórico e se basear em fontes desconhecidas para dizer que a culpa é de Lula. É preciso, fundamentalmente, ignorar aquilo que o próprio Trump já disse mais de uma vez. Ele citaria Paulo Figueiredo em seu decreto por que, se o neto do ditador não tivesse influenciado esta decisão? Ele insistiria em falar que o problema é Bolsonaro por que, se o julgamento de Bolsonaro não estivesse na sua cabeça o tempo todo?

E tem outra. Na segunda-feira, o secretário de Estado Marco Rubio disparou contra a Colômbia. Por quê? Porque o ex-presidente Alvaro Uribe foi condenado pela Suprema Corte. Gente. É claro que o problema do governo Trump é a ideia de que ex-presidentes possam ser condenados pela Justiça de seus países. E esta não é só a avaliação de quem lê tudo o que Trump e Rubio têm escrito. É a avaliação, também, da Eurasia, possivelmente a mais respeitada agência de análise de geopolítica. Em outras palavras, Trump tem medo do futuro.

Então vamos falar de Magnitsky e de bolsonaristas.

Então, vem cá? O que os bolsonaristas não entendem? Eles criaram um fetiche tão grande com essa coisa da Lei Magnitsky que, agora que saiu, estão todos eufóricos. Mas deixa eu falar uma coisa pra vocês: a montanha pariu um rato. A vida do ministro Alexandre de Moraes vai ficar um cadinho mais complicada. Vários bancos, aqui no Brasil, terão constrangimentos. Só que veja bem: isso não vai mudar nada. O ministro não vai julgar diferentemente, os pares do ministro não vão mudar nada em seus votos. Na verdade, vai é aumentar a pressão sobre o ministro Luiz Fux para que vote com seus pares. Essa pressão é inútil. O máximo que pode acontecer é o rigor do Supremo aumentar. Não deveria, tá? A Justiça não devia mudar em nada sua avaliação do caso. Mas, aqui no mundo real, pode acontecer.

Agora, quem é que vai sofrer com as tarifas? O decreto do presidente Trump listou um monte de exceções. O petróleo e o aço, por exemplo, foram liberados. São um pedaço enorme das nossas exportações para lá. Ao todo, 44% de tudo que a gente vende para os Estados Unidos vai ficar como está. O que sobra representa menos de 7% de todas as exportações brasileiras. Sabe que pedaço da economia não teve quase nenhuma colher de chá? A agroindústria. O suco de laranja vai seguir tranquilo. A celulose também. Fora isso, café e carne se ferraram. Exportação de madeira? As madeireiras se ferraram. Um quarto das exportações que vão sofrer com as sobretaxas vêm do agro. Pode ser que uma nova regra crie mais exceções. Mas, até lá, aqui no Brasil, vai ter carne mais barata e vai ter café de qualidade mais barato. Pra campanha eleitoral de Lula, a notícia é boa, tá? Porque a maior cobrança de promessa não cumprida era a picanha cara. Pois é. O agro, pesadamente bolsonarista, é uma das maiores vítimas de Eduardo Bolsonaro.

E aí sobra a Lei Magnitsky. Até hoje, a maior parte das pessoas enquadradas vivem em ditaduras. Arábia Saudita, Rússia, China, Venezuela. Quase todos os enquadrados são gente ali naquele bolo. Mas tem gente em democracias. Ou são responsáveis por crimes de alta violência ou por corrupção crassa. Nunca os Estados Unidos enquadraram nessa lei um juiz de uma democracia. Veja, eu considero que Alexandre de Moraes é excessivamente punitivista. Mas todas suas decisões são amparadas pela legislação brasileira, tá?

Hoje, quando os americanos incluem alguém na Lei Magnitsky, é quase automático que União Europeia, Canadá e Reino Unido espelhem as sanções. Isto não acontecerá com o ministro Alexandre. Na verdade, vai ser a primeira vez que Washington aplica esse tipo de punição a alguém de forma isolada. Dá pra ir além. É a primeira vez que Washington pune com sanções econômicas um juiz que atua pelas leis de seu país numa democracia. Isto é inédito na história da democracia americana.

Sim, sei que os bolsonaristas puro sangue consideram que Alexandre está violando a Constituição e tudo o mais. Só que não está. A gente pode não gostar do julgamento do juiz, pode achar que ele não deveria poder suspender certos direitos, mas isso é discordar da decisão. Ele tem o poder legal de fazer o que faz. Ele está dentro da lei.

Agora os americanos dispararam esse ataque. Moraes vai perder seus cartões de crédito com bandeiras americanas. MasterCard, Visa, American Express. Não vai poder usar os serviços pagos de empresas americanas. Quer dizer, pode usar o Google, pode usar o que for de graça. Mas não pode ter uma conta paga de Gmail. Os bancos nos quais ele tem conta, o Banco do Brasil, vão ter de trabalhar com uma certa cautela. Moraes não pode operar com dólar.

Só que, vejam, se a moda pega e os Estados Unidos começam a punir inimigos políticos, o mundo não vai se sentir seguro de usar a infraestrutura americana. O resultado não é que Alexandre de Moraes vai ser punido. O resultado é que precisaremos de uma bandeira nova de cartão de crédito que não seja controlada por Washington. Que precisaremos de uma infraestrutura de tecnologia que não dependa de Washington. A China vai adorar, tá? A Europa, também.

Muita gente está celebrando, achando que Washington tem um poder imenso. Tem, claro que tem. Mas é muito menos poder do que tinha dez anos atrás, uma fração do poder que tinha nos anos noventa. E esse tipo de coisa, com ou sem Trump, diminui mais o tamanho dos Estados Unidos. A vida de Alexandre de Moraes vai piorar? Vai. Bastante. E os Estados Unidos vão concretamente começar a diminuir. Não é por esse ato, tá? É pelo todo. É o sinal que Donald Trump está mandando para o mundo com muitos pequenos atos de que o mundo não deve contar com os Estados Unidos. De que a ação americana pode ser errática, surpreendente, e pode atingir qualquer um. A força americana vem de ser um país previsível. Quando deixa de ser, o mundo vai atrás de uma nova ordem. Criar uma infraestrutura financeira sem os Estados Unidos demora tempo. Mas todo mundo terá incentivo para adotá-la com o tempo, porque todo mundo precisará de um plano B.

Para quem torce pela democracia, a notícia é ruim. Mas esse é o mundo que temos.

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