Quem é a direita não-bolsonarista?
Nossa missão, hoje, é a seguinte. Entender como dois números podem ser simultaneamente verdade. De um lado, Datafolha. 61% dos eleitores brasileiros dizem que não votam em quem prometer anistia ou indulto para Jair Bolsonaro. Do outro, a avenida Paulista encheu, ontem, na passeata bolsonarista. 37 mil e seiscentas pessoas na contagem do Cebrasp da USP com a More in Common. Não foi a maior multidão que o time bolsonarista levou pra rua esse ano, tá? A manifestação pela Anistia, em 6 de abril, tinha 44 mil pessoas. Mas, olha, encheu rua. Muito diferente dos fiascos de Copacabana, em março, e da Paulista, em junho.
Então a gente precisa entender como dá para os dois números serem verdade? Como respondemos? Muito simples. A gente precisa entender o que pensa a direita não-bolsonarista. A gente precisa entender como separar os bolsonaristas dos não bolsonaristas. E, olha, dá pra fazer. Vamos lá?
Outros números que não são contraditórios mas parecem contraditórios. Pulso Brasil/Ipespe: 61% dos brasileiros desaprovam o governo Trump. Agora, vejam só, dessa mesma pesquisa: 61% dos brasileiros desaprovam o governo Lula. Datafolha de ontem, o mesmo que descobriu que 61% dos brasileiros não votam em quem prometer livrar a cara do ex-presidente. Pois 40% dos brasileiros consideram o governo Lula ruim ou péssimo e apenas 29% o veem como ótimo ou bom. A turma de pesquisa tem uma regrinha que costuma dar certo em quase todas as eleições. Governante que entra no ano eleitoral com 40% ou menos de aprovação perde. Se tem 45% ou mais está nas cordas mas com chances. Tranquilo só com aprovação de metade ou mais. Se Lula chega com esse tipo de aprovação em janeiro, a eleição vai ser uma batalha de vida ou morte pro governo, ladeira acima, dificílima. Tem exceção à regra? Sempre tem, mas são muito raras.
O que a gente faz com isso? Os números são péssimos para Bolsonaro. E, sim, o governo teve algumas vitórias importantes e melhorou de vida, melhorou de números, nos últimos dois meses. Mas a melhora ainda está longe do suficiente para entrar tranquilo na eleição. E o Bolsonaro ainda enche a avenida Paulista.
Bem, a gente tem um instituto de pesquisa parceiro aqui no Meio. O Instituto Ideia é um dos grupos padrão ouro das pesquisas de opinião. Pegue Ipsos/Ipec, pegue Datafolha, Quaest, o Ideia está lá junto, sempre com números muito similares. Ou seja, estão enxergando o mesmo retrato da sociedade. Então pedir à equipe do Ideia mergulhar nos seus números e me explicar como se organiza o eleitorado brasileiro. Vamos lá?
Eles dividiram em quatro grupos, dois que se compreendem como de esquerda, dois que se compreendem como de direita. Os lulistas são 17% de todos os eleitores. E tem a esquerda não-lulista. Outros 17%. Tem aí gente do PSOL, gente que queria Ciro Gomes, tem até gente tipo aqueles que dizem que Lula é neoliberal. Um monte de gente. Chega no segundo turno, todos votam no Lula. No total, 34% do eleitorado. Um terço. Os bolsonaristas, aqueles que dizem que Bolsonaro é seu líder, somam 12%. É isso. 12%. E tem a direita não bolsonarista. 26%. O total é 38%. 38 de direita de um lado, 34 de esquerda do outro. No meio estão uns 20% que não votam nas eleições, além da turma que está perdida, não liga pra política, não sabe.
A direita não-bolsonarista está de saco cheio de Bolsonaro e não quer Lula. É isso que todas as pesquisas estão dizendo. Mas ninguém fala disso. Por quê? Vamos lá: a militância de esquerda diz que não existe direita não-bolsonarista. Os políticos de esquerda falam a mesma coisa. É a estratégia política correta. Afinal, nas circunstâncias atuais, o melhor pra Lula é enfrentar um bolsonarista no segundo turno. Se tiver sobrenome Bolsonaro, melhor ainda. As chances do presidente vencer despencam se contra ele aparecer alguém que faz discurso contra Bolsonaro e contra Lula.
Ontem, pela primeira vez, tinha uma multidão bolsonarista na Paulista e não tinha nenhum governador-candidato no trio elétrico. Por quê? Porque os políticos de direita estão desorientados. Eles finalmente entenderam o que as pesquisas já estavam mostrando. Existe, na direita, uma resistência a Bolsonaro. Não é a mesma resistência que os eleitores de esquerda fazem. Mas essas pessoas podem até achar que o Supremo exagera, mas também acham que Bolsonaro aprontou e se, no fim, for punido, ele que se dane. Além do mais, as preocupações deste eleitorado conservador são muito diferentes das preocupações da turma bolsonarita. Isso não está muito claro para os políticos de direita.
Eles são os invisíveis do debate político. A turma que não tem voz nas redes sociais, a turma que aparece no agregado das pesquisas eleitorais mas não aparece separada numa só categoria. Esse conjunto de pessoas representa um quarto do eleitorado brasileiro, são mais que o dobro do número de bolsonaristas. Se a gente divide a direita do Brasil, fica assim. Um terço é bolsonarista e dois terços não é. Quer outra coisa. Está cansada da novela filho zero um, zero dois, zero três, zero quarto. Está cansada de gritaria em lives.
Por que Bolsonaro enche a Paulista? Ora, porque ele tem uma base sólida. Só Lula tem base maior. Por que 61% dos eleitores brasileiros não querem um presidente que anistie Bolsonaro. Por uma razão muito simples. Dois terços da direita está de saco cheio da família Bolsonaro e, francamente, quer que lhe apresentem uma alternativa. A questão é a seguinte: os políticos de direita vão ter coragem de erguer a espinha, falar que Bolsonaro deve pagar na Justiça pelo que falou, de que não é tolerável buscar punir o Brasil inteiro porque o ex-presidente tem um problema na Justiça? Porque olha aqui: é isso o que dois terços do eleitorado de direita quer ouvir. Enquanto um terço do eleitorado de direita quer o contrário.
É um desafio diferente para um político que queira o voto de três terços da direita? Claro que é. O prêmio de ir ao segundo turno vai pra quem souber manobrar nesse mar. Quem souber navegar bem, se alguém souber navegar bem, leva o Planalto de prêmio. Vamos entender as diferenças entre um grupo e o outro?
Deixa eu te contar como nasceu o Ponto de Partida – A Série. O PdP aqui do YouTube já traz análises a quente, mas alguns temas pedem mais profundidade. Por isso criamos a série: episódios maiores, produção de streaming, recursos visuais, olha, muito mais ricos.
O primeiro episódio, A Sociedade que o Algoritmo Criou, explica como os algoritmos de recomendação mudaram nossos relacionamentos — e como isso impacta a polarização e a desinformação.
Agora, lançamos mais três episódios sobre o conflito entre Israel e Palestina. Filmados lá. História, sociologia e contexto para entender o que realmente está por trás dessa guerra.
Se ainda não viu, fica o convite: assine o streaming do Meio e mergulhe nos temas que moldam o nosso tempo. E, olha, já estou preparando os próximos. Também vai ser filmado fora do país sobre um tema muito, muito caro a todos nós.
E este aqui, este aqui é o Ponto de Partida no YouTube.
O eleitor bolsonarista tem o seguinte perfil, de acordo com o Instituto Ideia. 52% são homens. 41% desse grupo vive na região Sudeste, 32% vive na região Sul. 41% são da classe B2, quer dizer, de 7 a 13 mil reais por mês. E 20% estão na classe A1. Isso é mais de 28 mil reais. Mais de metade tem ensino médio completo e um quarto tem ensino superior completo. 44% são evangélicos. Este é o eleitor de direita bolsonarista. Quase metade desses eleitores são brancos.
Agora lembrem sempre: essa turma representa um terço da direita. Não representa a maioria da direita.
O eleitor de direita não-bolsonarista é outro pessoal. Masculino, também, 52% são homens. Mas as semelhanças acabam aí. 36% do Sudeste e, vejam só, 22% do Nordeste. Classe econômica? C1, 45%. Ele é conservador, mas bastante mais pobre do que o bolsonarista puro-sangue. Ganha entre 4 e 7 mil reais. Em segundo lugar, 25%, estão caras de classe D. Um a dois salários mínimos. 20% deles recebem benefícios sociais. Ou seja, 80% não dependem do Estado. Escolaridade? 40% com Médio completo, 31% com Fundamental completo. E olha só: são católicos. A vida é uma batalha pra essa galera, tá?
E o que diferencia um grupo do outro? Cara, nenhuma pesquisa entrega isso. Mas o que um pensa e o outro pensa diferente? Estas são as perguntas mais importantes de se fazer. Tenho, no meu computador, uma penca de pesquisas, arquivos PDF com as melhores pesquisas dos melhores institutos. Então peguei todo esse material e dei pro GPT o3-pro, que é o melhor modelo de inteligência artificial para processar dados, fazer comparações, e fiz essa pergunta. Dadas todas as informações que temos à disposição, que crenças diferenciam um grupo do outro?
Os bolsonaristas defendem Donald Trump, atacam o Supremo Tribunal Federal e falam em valores cristãos. Se o Brasil se ferrar, tudo bem, se for para salvar Bolsonaro.
A direita não-bolsonarista fala em segurança pública, quer menos impostos, quer um governo sem escândalo de corrupção. O destino de Bolsonaro simplesmente não está entre suas preocupações.
Este é um cruzamento de dados de muitas pesquisas, todas deste ano, feitas pela melhor tecnologia de inteligência artificial. Não é a mesma coisa que uma pesquisa ampla focada no eleitorado da direita que, de saída, já se predisponha a separar quem é puro-sangue de quem não é apaixonado por Bolsonaro.
Mas deixa eu reiterar aqui: as pesquisas já são muito claras mostrando que esses dois grupos estão na direita e são diferentes. Elas já são muito claras em mostrar que tem um pedaço da direita de saco cheio da novela família Bolsonaro.
A bola está com os políticos de direita. Liderar um movimento é para quem tem coragem.