O que Bolsonaro não diz
Deixa eu falar uma coisa pra vocês. Jair Bolsonaro podia ter ganho a eleição de 2022. Se a eleição fosse uma semana depois, ele provavelmente teria ganhado e seria presidente neste exato momento. Presidente legítimo. Bolsonaro acredita que Carla Zambeli lhe custou a eleição. Olha, eu acho que ele tem razão. Aquele ataque com arma na mão pela Alameda Santos, em São Paulo, dá uma assustada naquele eleitor que quer ordem e não anarquia. Mas a gente já chega a esse ponto. Hoje gostaria de falar com você que é de direita mas não é bolsonarista. Todo mundo é bem-vindo, claro. Mas gostaria, muito, de conversar com você que está com algumas dúvidas sobre o processo que está ocorrendo agora.
Eu não sou conservador, mas também não sou socialista. Sou liberal. Estou no meio do caminho entre um e outro. Votei em Lula no segundo turno da última eleição, mas realmente não queria. Olha, entendo completamente quem realmente gostaria de mudar o disco, botar o Brasil numa outra direção. Entendo, da mesma forma, quem se indigna com o fato de que descobrimos um monstro de corrupção nos governos Lula e isso não foi devidamente punido. Tamos juntos. Eu também gostaria, muito, de um futuro sem Lula ou Bolsonaro. Com uma nova direita e uma nova esquerda, olhando pra frente.
Tem algumas coisas que vocês têm ouvido. Uma é de que vivemos numa ditadura do Supremo, numa ditadura de toga. Outra, que Jair Bolsonaro é perseguido. Vocês também ouvem muito que não houve golpe. O pessoal até fala, ironizando, né? “Gópi? Que gópi?” Pipoqueiro não dá golpe. Essas coisas. É sobre isso tudo que quero conversar. A gente precisa começar com alguns conceitos. Mas, antes disso, eu queria falar sobre os comentários que vocês vão ver aqui embaixo deste vídeo. Vocês vão ver dois tipos de comentário aparecendo muito. Um é duma turma de esquerda que vai dizer o seguinte: “lá vem o Pedro falando que existe direita limpinha, mas isso não existe”. Ignorem essas pessoas. Na verdade, elas querem impedir que se organize uma direita não-bolsonarista. No mundo ideal deles, a direita nem existiria. Mas essa direita democrática existe, ela é maioria, só não conseguiu ainda se organizar. Pra gente olhar pro futuro, essa organização é fundamental. Aí, do outro lado, vai vir a turma do “ditadura do Supremo”, do “que gópi?”. Ignorem também. Sabe por quê? Porque os bolsonaristas querem a mesma coisa que a esquerda. Querem que a maioria dos brasileiros conservadores, aqueles que querem um novo caminho, um futuro ordeiro e sem confusão, não se organizem.
E como é que a gente diferencia o conservador democrático do reacionário bolsonarista? Vamos começar. O conservador acredita numa ordem social baseada em tradições. Tem regra pra viver, tem uma ética pra respeitar, quem anda na linha vai ter uma boa vida. O conservador quer virar adulto, casar, formar família, crescer na vida. O reacionário tem outra cabeça. Ele acha que o mundo é terrível, que estamos todos decadentes e precisamos voltar prum passado no qual tudo era muito melhor. O conservador respeita autoridade. Respeita os mais velhos. O reacionário se impõe, fala alto, só ele pode mandar. O conservador é otimista com o futuro porque acredita na própria capacidade de trabalho. O reacionário é pessimista. A gente podia ir longe, aqui. Mas me parece que o principal já foi dado. A grande diferença está entre ordem e confusão. O conservador, conservador mesmo, gosta de ordem e gosta de respeito à ordem. O reacionário gosta de confusão, ele precisa se impor. Sabe aquele tipo de sujeito que sempre que chega num lugar começa a armar confusão? Enquanto não for ele quem manda, nada nunca está bom? Já perceberam que, sempre que Bolsonaro aparece, começa rápido a ter confusão, ele começa rápido a berrar? É isso. O conservadorismo fala com a voz baixa, respeito e é assim que todos reconhecem sua autoridade. O reacionarismo berra.
E esse é um ponto importante porque é assim que nós entendemos o que uma democracia é. Gente, democracia é um acordo. Nós decidimos, juntos, que não vamos ter um ditador. E tomamos essa decisão cientes de que teremos diferenças. A gente vai discordar. Porque alguns de nós seremos conservadores, alguns seremos socialistas, e alguns seremos liberais. Então a gente precisa ter um pacto, algum tipo de acordo. O primeiro e mais importante é respeitar as regras do jogo. O problema do Bolsonaro é que ele não respeita as regras do jogo. Como assim? Vem comigo.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Dois segundinhos aqui pra eu vender meu peixe. Sabe, realmente acho divertido quando, às vezes no mesmo vídeo, vem um “ele é comunista” e um “ele é bolsonarista”. Não é à toa que somos atacados pelos dois lados. A gente não joga em cima do muro. O Meio preza pela liberdade. Liberdade para discordar. Para ouvir direita e esquerda. Para pensar diferente mesmo que as pessoas tenham congelado na polarização. O Meio é lugar de conversa. É onde você se informa sobre política, economia, cultura, tecnologia e atualidades ouvindo diferentes pontos de vista de gente que trabalha com fatos, com números, com análises qualificadas. Temos streaming com filmes que não repetem o que está por aí e te fazem saber mais e pensar diferente. Nossa Edição de Sábado mergulha em debates atuais para você saber como opinar sem replicar discurso. O Meio Político é um conteúdo especial semanal para entender o cenário em Brasília e o que está rolando no cenário político. Quem assina o Meio Premium ainda tem acesso aos nossos cursos, com grandes nomes explicando política, história, inteligência artificial e muito mais. Vem conhecer o Meio Premium. Caso você não goste, o que eu duvido, o cancelamento é zero burocracia. Leia. Assista e compreenda o que é essencial para sair das bolhas.
E este? Este é o Ponto de Partida.
Vocês sabem que Donald Trump também reclamou, em 2020, dizendo que as eleições tinham sido fraudadas, né? Perdeu, não gostou de ter perdido, aí disse o quê? É impossível eu ter perdido então os outros caras lá roubaram a eleição. Mas talvez você não saiba que a principal queixa dele era com cédulas de papel. O que o Trump queria era uma eleição digital. Engraçado, né? Porque o problema de verdade não é o método de votar. O problema é o resultado da eleição. Eles falam em fraude quando perdem. Se o voto foi eletrônico, não importa se a gente está fazendo voto eletrônico faz trinta anos e nunca ninguém reclamou. Diz que vai ter fraude. Não importa se, lá nos Estados Unidos, eles estão fazendo voto de um mesmo jeito faz sei lá quantas décadas. Dessa vez não valeu. O problema é com o sujeito que não respeita as regras. As regras são iguais pra todo mundo. Se valeram pra Bolsonaro ganhar em 2018, valem pra ele perder em 2022.
Quando a gente compara o ex-presidente com o Trump, o que importa não é que estejam reclamando de dois sistemas de voto diferentes. O que importa é que eles não aceitam as regras do jogo. E a única maneira de a gente conseguir conviver, quando a gente vive numa democracia em que tantos discordamos uns dos outros, é se baseando em um pacto: a gente vai jogar com as mesmas regras. Todos juntos.
Mas vejam como é o Bolsonaro. Reconhece a eleição quando ele ganha, diz que foi fraude quando perde. Em 7 de setembro de 2021, foi lá na Paulista e disse que não ia respeitar mais decisão do STF. Olha, Justiça erra, tá? Às vezes, a gente não gosta da decisão de juízes. A gente tem o direito de não gostar. Mas isso também faz parte do acordo, do pacto. A gente reclama da decisão de juiz mas a gente aceita. Se um presidente diz que não vai mais aceitar decisão de juiz a não ser que goste da decisão, ele rompe o acordo coletivo de todos nós. Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer, todo mundo lidou com decisão de juiz da qual não gostava. Só um disse que é preciso atacar a Justiça.
Isso aqui não é um elogio à Justiça brasileira. Juízes têm salários altos demais, têm férias demais e também prendem demais. A gente pode criticar a Justiça sempre. Mas, de novo, regras do jogo: juiz decide, a gente obedece. Por quê? Porque ordem é importante. A gente não quer o caos. A gente não quer cada um por si. A gente quer paz e paz só existe quando as regras são iguais pra todos. E o que não pode, não pode.
Democracia é respeitar o acordo. É agir dentro da ordem. Bolsonaro é o contrário disso. Vocês lembram que ele dizia, quando era presidente, que queria botar na Polícia Federal delegado que não investigasse os filhos dele? Ou os aliados? Gente, esse cara não segue nenhuma regra. Ele é um desordeiro. E isso combina com a coisa do sujeito que não fala, só berra, né?
E aí tem aquela coisa. O sujeito só berra, não obedece nenhuma regra, vira o tabuleiro com as peças todas postas, e aí reclama que está sendo perseguido. Esse comportamento é de criança mimada. E esse cara devia ser líder.
Sabe o golpe? O que o Bolsonaro queria era cercar o prédio do Tribunal Superior Eleitoral com o Exército, prender todo mundo que estava lá, e botar uns generais no comando do Brasil para que o reencaminhassem pra presidência sem ser eleito. A gente sabe disso porque tem um documento escrito explicando todo o plano. Esse documento foi encontrado na casa do cara que era ministro da Justiça dele. E tem mais, o homem que era o comandante do Exército e o homem que era o comandante da Aeronáutica falam que Bolsonaro mostrou esse plano pra eles e eles disseram não. Uma das coisas coisas que os comandantes falaram pra Polícia Federal é que um deles chegou a dizer que ia ser obrigado a prender o presidente se ele ficasse insistindo. Não é como se Bolsonaro não soubesse que estava querendo romper a democracia. O comandante do Exército comunicou a ele disso. Aí, a turma do Bolsonaro escreveu dentro do Palácio do Planalto um plano pra matar o Alexandre de Moraes, o Lula e o Alckmin. Matar mesmo. O general que escreveu esse plano dentro do Planalto falou isso para os juízes. Está gravado em vídeo. E como os celulares têm GPS, a gente sabe que soldados com treinamento especial fizeram a tocaia acompanhando o Alexandre para cumprir o plano. Só não aconteceu porque, sem o apoio do comando do Exército, abortaram a missão no último momento.
Isso tudo é crime. Existe lei contra isso. Eles tentam criar uma confusão, mas olha: planejar assassinato não pode, cercar o tribunal que cuida da eleição não pode, prender juiz não pode sem um outro juiz dar a ordem. O golpe foi planejado, Bolsonaro tentou convencer os generais do alto comando e eles não toparam. Ainda assim, parte do projeto do golpe foi posto em prática. Demos sorte porque não funcionou.
No mundo do Bolsonaro, o jogo só vale quando ele ganha. E ele parte pra berrar e bater quando perde. Todos conhecemos gente assim no nosso tempo de colégio, né? Bolsonaro é um desordeiro. Não é conservador. É outra coisa.
O que Bolsonaro quer é a ruptura. Ele está apostando em criar um clima de confusão máxima porque tem provas demais de que ele tentou o golpe. Ele quer o caos. Quer punir todos os brasileiros e tem uma pequena rede de apoiadores que, cegamente, vai segui-lo até o fim. O problema é que ele quer nos arrastar junto.
Ouvi o seguinte de um político de direita, esses dias: “Bolsonaro quer destruir o país mas a gente não pode falar isso porque afasta eleitores”. Será que afasta mesmo? São vocês e a opinião de vocês que pode mudar o rumo dessa história.