Está pintando Lula x Tarcísio
É muito interessante demais a pesquisa Quaest que saiu hoje cedo. Mais de 80% dos brasileiros sabem que Bolsonaro está sendo julgado. Quase 85% sabe que ele está em prisão domiciliar. 55% acham que a prisão é justa, 38% acham que não é. Quase 60% acreditam que, quando Bolsonaro entrou em vídeo no celular do filho, naquela última manifestação, fez isso para provocar Alexandre de Moraes. Só 30% acham que ele não tinha entendido que não podia. E olha só: 52% dos brasileiros acham que Bolsonaro participou da tentativa de golpe de Estado. E caiu para 10% o número dos que acham que ninguém tentou um golpe. Na Quaest, o único corte demográfico que é favorável a Jair Bolsonaro são os evangélicos. Eles representam 27% do Brasil. É só neste grupo, pouco mais de um quarto, que Bolsonaro encontra números favoráveis.
Faz umas semanas, fiz por aqui um Ponto de Partida dizendo que a liderança de Jair Bolsonaro havia entrado em declínio. Nenhuma bola de cristal, que aliás seria muito útil. Analistas políticos, vocês sabem, erram. Mas o que eu estava fazendo era ler as curvas de tendência das pesquisas. Nesse final de julho e princípio de agosto, uma linha importante foi cruzada. Segundo Ideia, Quaest, Datafolha, Ipsos-Ipec e Atlas, Jair Bolsonaro não é mais o candidato mais forte da direita no segundo turno.
No final de julho, a Atlas Inteligência via Lula 50,4% contra 49,6% Tarcísio, no segundo turno. Empate técnico. Início de agosto, no Datafolha, Lula 45% a 41% de Tarcísio. Lula 45% a 40% de Ratinho Jr. Ambos melhor posicionados do que Jair Bolsonaro nessa briga. Duas semanas depois, a Quaest fotografou um cenário um pouquinho diferente. Lula com 43% e Tarcisio com 35%. Lula com 44% e Ratinho com 34%. Mas, ainda assim, Tarcisio com oito pontos de diferença para o presidente, Ratinho com dez e, olha só, Bolsonaro a doze pontos de distância.
Aí alguém poderá dizer o seguinte: ah, mas isso se explica fácil. As pessoas sabem que ele não pode ser candidato. Não é por isso. É porque o brasileiro não quer ver Bolsonaro nem pintado de general melancia.
Pelo Datafolha, Jair Bolsonaro tem uma rejeição de 44%. É o número de pessoas que nem cogitam votar nele. É uma rejeição muito alta demais. Tarcísio é rejeitado por 17% dos eleitores. Ratinho, por 21%. Só isso já faz uma diferença imensa. Veja, não é porque as coisas sejam fáceis para Lula, não são, a rejeição dele é de 47%. Também muito alta. Mas tem uma diferença. Não tem cheiro de candidato de esquerda melhor posicionado do que Lula. Com Bolsonaro é diferente. Dois candidatos de direita estão melhores do que ele em todas as pesquisas.
E a rejeição de Bolsonaro tem muitos componentes. Segundo o Ipespe de julho, estar próximo de Donald Trump prejudica um candidato para 53% dos eleitores. Estar com Trump só melhora a aparência de um candidato para 32%. E aí você junta todos os outros dados que joguei no início. Jair Bolsonaro é golpista, o brasileiro médio sabe disso e esse brasileiro médio não quer golpe. Ponto.
Então vamos lá. Hoje, que estamos entrando na última semana de agosto em 2025, a cara está se firmando de que Tarcisio de Freitas será candidato à presidência da República. Isso tira Ratinho do cenário porque o presidente do seu partido, o PSD, diz para todo mundo que quiser ouvir: Gilberto Kassab considera Tarcisio o melhor candidato por lançar. O Novo pode lançar o governador mineiro Romeu Zema, não vai fazer qualquer diferença. De Goiás, Ronaldo Caiado quer muito ser candidato. Está cada vez com menos cara de que seu partido, o União Progressista, vai topar. Republicanos, União, PL e PSD devem ir de Tarcisio.
Tarcisio mudou o discurso. Presta atenção. Ele não fala mais de anistia. Ele não fala mais de tarifas. A coisa que ele continua fazendo é defender Bolsonaro. Está sendo perseguido e tudo o mais. O que deve estar acontecendo ali? Existe alguma dança silenciosa entre Tarcisio e o ex-presidente? Existe algum acordo? E isso nos leva a uma segunda pergunta.
Vamos partir do princípio de que, no ano que vem, o presidente Lula e o governador paulista Tarcísio de Freitas se encontrem, em outubro, numa disputa de segundo turno. Vai ser uma eleição muito apertada. Pois bem: tem eleitor que só vota na esquerda. Tem eleitor que só vota na direita. Que tipo de eleitor pode cogitar votar tanto em Lula quanto em Tarcisio? Pois é. A esquerda não suporta a turma do “uma escolha muito difícil”, mas foram eles que elegeram Bolsonaro em 2018 e Lula em 2022. Quem é esse pessoal? O que Lula precisa fazer e o que Tarcísio precisa fazer para conseguir os votos que decidirão a eleição?
A primeira coisa que todo mundo precisa entender é que o tempo para Jair Bolsonaro está correndo muito rápido. Há uma pressão imensa, sobre ele, para que defina quem é seu candidato. Bolsonaro desmonta sob pressão. E Bolsonaro é desleal. Todo mundo sabe disso. As gravações que ouvimos, do Malafaia, do Eduardo Bolsonaro, tudo é parte dessa pressão. Bolsonaro deve estar recebendo visitas e comunicados deste tipo numa quantidade imensa todo dia. Por um lado, é gente dizendo que ele precisa escolher alguém logo e que o melhor nome é Tarcisio. É o que as pesquisas dizem. Por outro está o fato de que Bolsonaro só confia nele e nos filhos. E a família está numa briga interna. Os filhos não querem Michele, o Flávio quer a candidatura, o Eduardo está lá de Washington e o Carlos do Rio fazendo acenos loucos querendo ser reconhecidos pelos sacrifícios que fazem pelo pai. E como essa gente tem ciúmes. Qualquer um Nikolas Ferreira que faz um pouco mais sucesso no jogo da direita nas redes, eles se corroem e se torturam e se desgraçam e se contorcem. Olha, se tem uma família que precisa urgentemente dum divã com um psicanalista freudiano bacana, classicão, são esses caras. Mas não vai, né? Sobra então puro suco de perversidade.
A não ser que o ministro Luiz Fux peça vistas, e interrompa o julgamento do golpe, Jair Bolsonaro estará preso em definitivo, em outubro. Laços em grande parte cortados do mundo. Não vai mandar mensagem pra ninguém. Poderá receber visitas, mas no máximo mandará cartas escritas. Sem áudio, sem vídeo. E bem mais que a metade dos brasileiros acham que é merecido. Então Tarcisio abandonou as pautas impopulares menos uma. Ainda joga pra ter o apoio de Bolsonaro. Por que o apoio não veio? Pelo motivo que o Eduardo deu na gravação que o ministro Alexandre soltou, pelo motivo que o Flávio deu numa entrevista à Folha: ou seja, ele não consegue confiar que alguém sem o sobrenome Bolsonaro dará a anistia. E, se der, que quando o Supremo declarar a anistia inconstitucional, vai comprar a briga.
E, olha, é bastante possível que Bolsonaro esteja certo em desconfiar. Sabe por quê? Porque a anistia é impopular. Altíssimas chances de, um presidente de direita que não tenha o sobrenome Bolsonaro chegue lá e, ao ouvir que o STF não deixou, diga só “poxa vida, eu tentei, não deu, agora vamos adiante”.
Então quem define essa eleição? Dois grupos.
Um é aquele do qual eu faço parte, que a Quaest classifica como “liberais sociais”. Representamos 5% dos eleitores. Somos muito urbanos, em geral nível superior, e não temos qualquer dificuldade de votar na direita ou na esquerda. A cabeça liberal é por natureza plural. Deste grupo, quase 70% votou em Lula, em 2022. Por quê? Dos nove grupos de eleitores em que a Quaest divide o país, é o único para o qual o item número um nos critérios de voto é democracia. Pró-privatizações, pró-programas sociais. É uma turma bem no meio, mesmo.
O outro grupo também corresponde a 5% do eleitorado. Outros 5%. São os precarizados. Já não recebem bolsa família, majoritariamente homens, autoemprego, ainda não alcançaram a classe média. Sonho de empreender. Todo dia é uma batalha. Dependem exclusivamente de si mesmos e isso, simultaneamente, é um orgulho e uma tensão.
Lula leva esses votos se mantiver institucionalidade, se parar de ter ruído identitário no governo, se conseguir fazer avanços na segurança pública. O plano de tirar quem ganha até cinco mil do Imposto de Renda ajuda. Os precarizados esperam, principalmente, fôlego econômico. Então isso quer dizer, também, que precisa segurar a inflação, precisa então ser fiscalmente responsável. Olha, se a gente compara o que saía do Palácio do Planalto no ano passado e o que sai hoje, uma coisa é clara: eles entenderam exatamente o que precisam fazer. A gente nem ouve mais falar de Janja e Anielle. Tem motivo, tá?
A defesa de Bolsonaro atrapalha Tarcísio com os sociais-liberais, mas não com os precarizados. Ele está fazendo um cálculo. Esses gestos, esses discursos, a um ano da eleição, podem ajudá-lo a trazer o apoio de Bolsonaro para consolidar uma candidatura única de direita. Também evitam que seja percebido como traidor pelos eleitores que costumam votar na direita, coisa que atrapalhou gente no passado. Provavelmente Tarcisio tem a esperança de que se fale pouco de Bolsonaro na campanha. Mas não vai acontecer, né? A campanha de Lula vai repetir o tempo todo que Tarcisio é Bolsonaro e o próprio governador está produzindo muitos vídeos para reforçar isso. O que Tarcisio precisa fazer? Bem, ele precisa de um discurso de segurança porque é o ponto fraco da esquerda, falar de manter programas sociais e trazer uma conversa sobre responsabilidade de gestão e contra corrupção.
Não basta os discursos, tá? Se a economia estiver bastante bem, os precarizados votam em Lula. Se estiver mal, votam pra mudar. Os sociais-liberais vão por outro caminho. Se ainda tiver muita pressão do governo americano sobre o Brasil, ameaças de golpe, isso fortalece a intenção de voto em Lula. Se Trump esquecer, se Bolsonaro estiver esquecido, a postura pró-petróleo, contra responsabilidade fiscal, pode tirar votos de Lula.
2026 é logo ali. A eleição vai ser bem difícil.