Anistia e a crise na direita
Tem um jogo muito importante acontecendo em Brasília que é opaco, pouco claro. É o jogo da direita. É o jogo de Tarcísio de Freitas e dos outros governadores que querem o Planalto, é o jogo do Centrão e da bancada bolsonarista. É o jogo da família Bolsonaro. Do desembarque do União Progressista do governo. Da anistia, da PEC da Blindagem, da revolta na Câmara, da tentativa de avançar contra o Banco Central, da fragilidade do presidente da Câmara Hugo Motta. Do julgamento de Bolsonaro à movimentação de Tarcisio pela anistia à eleição de 2026, tudo tem a ver com esse jogo. É um jogo no qual os próprios envolvidos estão fazendo apostas sem muita certeza do que é melhor para eles no médio e longo prazo. Mas não tem jeito, porque chegamos num ponto em que apostas precisam ser feitas.
Gente: este é um jogo de poder. Todo mundo nisso tem só dois objetivos: o primeiro, manter o poder que tem. O segundo, chegar ao início de 2027 com mais poder do que tem. A esquerda tem o jogo dela, mas é o que é. Já tem candidato à presidência, tem o poder federal nas mãos, precisa descobrir como aumentar suas bancadas no Senado e na Câmara. Para a direita é mais complicado.
Então vamos começar por algumas premissas.
A primeira é a seguinte: as redes sociais não são um espelho da sociedade brasileira. A gente, com muita frequência, acha que é. Mas, veja, os algoritmos das redes querem que o clima esquente. Querem o engajamento alto. E isso quem traz são os militantes mais engajados dos dois lados. A turma mais radicalizada. Quem grita, quem está pouco disposto a ouvir, a ceder. Quem quer cancelar. Quem ataca com verve, quem xinga. Isso é o debate nas redes.
A sociedade brasileira, a gente conhece o que ela pensa pelas pesquisas. As pesquisas dizem outra coisa completamente diferente. Dizem que a sociedade não quer mais saber de Bolsonaro e não quer mais saber de Lula. Dizem que a sociedade não quer anistia a Bolsonaro e aos generais. A sociedade quer virar a página e ter opções diferentes.
Isso está claro? Ótimo. Como é que se elege um presidente da República? Cada cidadão, um voto. Se Lula tiver dez e Tarcísio nove, Lula é presidente, não importa quão perto for. Todo mundo, rigorosamente todo mundo em instituto de pesquisa, acha que essa vai ser uma eleição apertadíssima. Vai ser um, no máximo dois pontos percentuais de diferença entre o vencedor e o perdedor. Como foi na eleição passada.
Agora, vem cá. E como se elege deputado federal? Outro jogo completamente diferente. Você vai lá e vota no seu deputado. Esse voto não é dele, é do partido ou da federação. Aí, soma todos os votos que o partido ou a federação receberam e vê qual o percentual daquela soma no estado. Por exemplo. 2022, PL, o partido do Bolsonaro, em Minas. O estado tem 53 deputados federais. Pega todos os eleitores, divide por 53, dá 211 mil votos por cadeira. Nikolas Ferreira, sozinho, recebeu quase um milhão e meio de votos. Isso não quer dizer só que ele foi o deputado mais votado do PL. Esses votos são, antes de tudo, do partido. Um milhão e meio de eleitores quer dizer que o PL elegeu só nos votos do Nikolas sete deputados. Sabe qual o tamanho da bancada do PL mineiro? Onze deputados federais. Desses onze, Nikolas é responsável por sete.
Vocês entenderam o que estou falando aqui? Deixa eu desenhar: o que é mais importante? Eleger presidente ou eleger deputados? Se for eleger deputados, você precisa de redes sociais. Se for eleger presidente, você precisa das pesquisas de opinião.
Pelo seguinte motivo: as redes só mostram os super-engajados, os radicais, quem grita, quem cancela, quem ataca. É isso que você precisa pra viralizar. O super-engajado é minoria no total da sociedade. Mas ele é o eleitor mais fiel que você vai ter. Ele te segue, ele te distribui, ele faz sua voz chegar longe, ele faz campanha, ele vota e carrega junto um monte de voto para você. É bom negócio ser um deputado radical que grita muito, que mobiliza eleitores, no tempo das redes sociais. O Nikolas é só um deputado entre todos os 513 da Câmara. Mas quanto mais desses deputados super-engajados você tiver no seu partido, maior a bancada que você terá na Câmara. O PL é o maior partido do Congresso, hoje, por causa de meia dúzia de radicais que levam junto um monte de gente do Centrão.
Agora, quanto mais radical seu partido for, mais você afasta a massa do povo brasileiro que não quer nem Bolsonaro, nem Lula. Acompanharam até aqui? Ótimo. Mas, vem cá, o que acontece se o PT for de Lula e pronto e a direita for com um único candidato que se pinta todo de bolsonarista e pronto? Bem, aí não importa o que a sociedade prefere porque, no segundo turno, vai ser um bolsonarista num lado e Lula no outro.
Registraram esse pedaço do jogo? Ótimo. Vamos traduzir então o que está acontecendo na direita neste momento.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Vocês já viram o episódio 2 da série Democracia — Uma História Sem Fim? O título diz tudo: O Julgamento do Século. E não é exagero. Pela primeira vez na nossa história, golpistas estão sendo julgados no Brasil. Sérgio Rodrigues, roteirista, Flávia Tavares, editora-chefe do Meio e apresentadora, e Ricardo Rangel, diretor do nosso streaming e responsável pela direção, contam essa trama a partir de depoimentos de nomes centrais: Maria Elizabeth Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar; Rafael Mafei, professor de Direito da USP; Adriana Marques, professora da UFRJ e pesquisadora em Defesa; General Fernando Soares, ex-chefe do Estado-Maior do Exército; e Joseli Camelo, ministro e ex-presidente do STM. É um registro essencial para entender o julgamento de Jair Bolsonaro e de seus aliados e o que ele significa para o futuro da nossa democracia. Assista no Meio Premium e entenda o que aconteceu até aqui e o que está por vir. Assine.
E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
A direita, na eleição presidencial, tem um de dois caminhos. Ou vai dividida, ou vai com um só candidato. Qual é o candidato mais forte de direita nas pesquisas? Tarcísio de Freitas. Mais forte do que Bolsonaro, até. Se Tarcísio for candidato, sai todo mundo junto. Mas, para conseguir isso, Tarcísio precisa que Bolsonaro diga: “meu candidato é Tarcísio”.
Por que Tarcísio precisa disso? Por uma razão simples: Valdemar Costa Neto. O presidente do PL. Valdemar precisa dos deputados radicais, bolsonaristas. Porque tenha o Planalto ou não, ele terá um partido imenso na Câmara se tiver aquela meia dúzia de radicais bolsonaristas. Uma bancada imensa quer dizer muito dinheiro de Fundo Partidário e Fundo Eleitoral. Quer dizer poder político. Então Valdemar está dizendo para todo mundo que seu candidato a presidente será escolhido por Bolsonaro. Porque, olha, mesmo que ele perca com Bolsonaro, com Bolsonaro ele terá muitos deputados. Então, pro Tarcísio ser o candidato unificado da direita e ter chance de chegar ao segundo turno, precisa de Valdemar. Valdemar precisa de Bolsonaro.
Bolsonaro tem duas preocupações. A primeira, quer se livrar da cadeia. A segunda, quer manter o poder na sua família. Então pronto. Tarcísio decidiu que vai fazer qualquer coisa por este apoio. Aí, meu camarada, se o preço é cair pra extrema direita, virar negacionista do golpe, dane-se. Ele paga o pedágio. Isso vai ser suficiente para Bolsonaro topar? É uma aposta que Tarcísio está disposto a fazer.
Quem são esses deputados que sequestram o país por seu radicalismo? Nikolas Ferreira e Domingos Sávio, do (PL?MG). Zé Trovão, Júlia Zanatta e Caroline de Toni, do PL?SC. Paulo Bilynskyj e Marco Feliciano (PL?SP). Bia Kicis, do PL?DF. Sóstenes Cavalcante e Carlos Jordy, (PL?RJ). Marcos Pollon (PL?Mato Grosso do Sul). E os gaúchos Zucco, do PL, e Marcel van Hattem, do Novo. Doze do PL, um do Novo. Entenderam a lógica do Valdemar? E olha que rolaram duas baixas importantes que vão custar caro, Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, que não poderão ser candidatos.
A coisa complica, tá? Porque, veja, os interesses do Centrão e os dos bolsonaristas convergem quando dividem poder, mas ao Centrão interessa uma Câmara calma, sem grandes barulhos, pra roubar em paz. O Centrão queria muito a PEC da Blindagem, como quer intervir no Banco Central pra deixar rolar a compra do Banco Master pelo BRB. Gente, o Centrão quer roubar sem chamar atenção. Os caras bolsonaristas têm a prioridade de dar golpe, e pra isso precisam radicalizar. Então tem uma hora que rola uma tensão muito grande. É por isso a pressão imensa sobre Hugo Motta, que não consegue conter a briga.
E o Brasil nessa? Olha, a grande sorte pro Brasil é a direita rachar. É Bolsonaro não acreditar que pode confiar em Tarcísio e apoiar ou Flávio, ou Michelle. Por quê? Porque aí a gente tem chance de uma direita não bolsonarista ir pro segundo turno. Fica um candidato bastante mais forte contra Lula, a esquerda não vai gostar. Mas aí o bolsonarismo é ferido de morte. O melhor pro Brasil é Bolsonaro se entregar à sua paranoia e só confiar na própria família. Vai lá, Jair.
Aí tudo depende muito da anistia. O papo é o seguinte: 55% dos brasileiros não querem a anistia. Os deputados bolsonaristas nunca cedem, são sempre radicais. O Centrão é diferente. O Centrão, quando um assunto vai pra manchetes de jornais contra a Câmara, tipo a PEC da Blindagem, a PEC das Praias, quando o assunto vai pra redes sociais, o Centrão não briga, o Centrão cede. O Centrão não gosta de confusão, não gosta que prestem atenção no que eles estão falando lá dentro.
Então o Centrão é o seguinte: o Centrão quer Tarcísio candidato, então pode até fazer o movimento de votar pela anistia se isso aumentar as chances. Mas o Centrão não quer comprar uma briga com o Supremo, tem medo do preço. E não gosta de barulho, se as redes agitarem muito, se as colunas dos jornais, os editoriais do Estadão, da Folha, do Globo vierem com virulência, essa anistia começa a ficar muito difícil de aprovar.
Vai ser o quê? Não sei. O jogo é esse. Tudo depende do que acontecerá. O trabalho de vocês, democratas de esquerda ou de direita? Gritar anistia, não.