Trump ferrou muito Bolsonaro
Olha, Bolsonaro se ferrou muito com Donald Trump. Muito. Eu sei, eu sei, Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo estão desesperados, nas redes sociais deles, dizendo que é tática de negociação, que Trump quer humilhar Lula e tudo o mais. E, olha, eles podem estar certos. O problema é o seguinte: eles não sabem. E, nesta toada, eu tenho aqui uma pesquisa nova, uma pesquisa inédita do Instituto Ideia feita a pedido da gente, aqui no Meio. Uma pesquisa que tenta responder à seguinte pergunta: o que diferencia a direita bolsonarista da direita não-bolsonarista, no Brasil. Porque entender isso é chave para qualquer político de direita se posicionar, pragmaticamente, hoje.
Mas vamos começar com Bolsonaro, com Jair Bolsonaro, e por que ele se ferrou muito. Vejam, Lula e Trump vão falar. O governo brasileiro vinha tentando abrir um canal de diálogo com a Casa Branca desde a posse de Trump e principalmente depois que vieram as tarifas e a Magnitsky. Não conseguia. Portas fechadas. Trump abriu uma porta. Eduardo Bolsonaro explica que o objetivo é cercar Lula, deixá-lo sem escolhas e obrigado a dar a anistia total. Sem quaisquer restrições. Por quê? Não sei. O filho Zero Três não explicou bem como ter uma conversa obrigaria Lula a qualquer coisa, até porque Lula não tem esse poder. Quem pode dar anistia é o Congresso, quem pode voltar atrás é o Supremo, e Lula não manda nem num, nem noutro.
O Itamaraty determinou que a conversa será por videoconferência ou telefone. Isso quer dizer que será uma conversa privada. Ou seja, aquela humilhação do presidente sul-africano, do presidente ucraniano, no Salão Oval, não vai rolar. Mas, olha, mesmo que a conversa fosse pessoalmente, não ia rolar mesmo. Ou alguém aqui acha que Lula iria despreparado? De diplomatas a publicitários, todo mundo teria dado pitaco sobre como reagir. O truque de Trump é conhecido. O que faria é dar oportunidade, a Lula, de falar com eleitores indecisos e aumentar sua popularidade. Gente, os ataques de Trump são bons para Lula. Podem ser ruins para o Brasil. Mas, eleitoralmente, só fazem bem a Lula.
De toda forma, qual o resultado possível desta conversa? Qual o pior resultado que qualquer um pode imaginar? Vamos lá. Uma meia dúzia de ministros de Estado tomam uma Magnitsky na cabeça, uma meia dúzia de ministros do Supremo e, vamos lá, os presidentes da Câmara e do Senado. Primeiro: isso não é novo. Esse risco já existia. Ele já estava precificado. E tem mais: estar sob sanções americanas põe políticos numa posição muito difícil. Eles não podem parecer covardes. Precisam enfrentar. Ou seja, piora pra Bolsonaro.
Então a pior coisa que pode acontecer já era a pior coisa que podia acontecer. Vejam, o Brasil já está em seu pior momento diplomático com os Estados Unidos desde o dia em que Joaquim Nabuco assumiu o cargo de primeiro embaixador brasileiro em Washington. Então, para Lula, politicamente, a verdade é que o risco é zero. Nada do que pode acontecer já não era algo que podia acontecer.
E, aí, existe outra hipótese. Trump está com problema de popularidade, tem umas negociações comerciais bem complexas envolvendo Europa, Reino Unido e China, tem a Guerra na Ucrânia e seu plano de fazer a paz lá pra ter um Novel, o Brasil é uma distração. O Brasil não é tão importante assim. E Lula tem o que oferecer, tá? Ele pode sair da briga por regulação das redes sociais. É claro que vai voltar, caso seja reeleito, mas essa é uma briga já bastante difícil e suas prioridades no Congresso são de oferecer benesses econômicas para eleitores. Pode oferecer, também, acesso às terras raras da Amazônia. Quer dizer, se Lula dá algo a Trump que ele pode vender como vitória, e Trump tira a pressão, veja, acabou pra Bolsonaro.
Ou seja, na pior das hipóteses, fica tudo exatamente como está. Em qualquer hipótese melhor do que o pior cenário, Bolsonaro se ferrou muito. Não esqueçam do seguinte: a direita errou muito feio ao juntar a PEC da Blindagem com a Lei da Anistia. Porque, ao fazer isso, conseguiu mobilizar o Brasil anti-Bolsonaro de um jeito que nunca tinha conseguido fazer. É por isso que o Senado foi desesperado derrubar a PEC da Blindagem. É por isso que Paulinho da Força sumiu. É por isso que Tarcísio sumiu. Ninguém está falando de anistia essa semana. Porque, gente, as ruas do Brasil encheram. Os políticos estão com medo de tocar nesse troço de anistia. A única força que Bolsonaro tem vem de Trump. Se ele pula fora, acabou.
E, aí, tem a outra coisa a levar em conta. Ora, o eleitor. E não qualquer eleitor. O eleitor de direita. O eleitor de direita está bem dividido.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
As análises do Ponto de Partida fazem diferença na sua vida? Olha, eu espero que sim porque aqui desse lado tem um trabalho intenso de investigação, checagem e conversas mil até as minhas análises chegarem até você. E como aqui no Meio a gente acredita na importância do debate construtivo, esse método e rigor se estendam a toda nossa produção. Apoie o jornalismo que organiza o mundo em matérias especiais, programas e documentários originais. Assine o Meio Premium e acesse nosso streaming, matérias especiais em duas newsletters exclusivas e faça parte de uma comunidade que não para de crescer. Só 15 reais por mês. A gente conta com o seu apoio.
E este? Este é o Ponto de Partida.
A gente está aprofundando muito nossa relação com o Instituto Ideia e tem razão pra isso. Vejam, a gente acha que tem algumas perguntas que as pesquisas não estão fazendo. Se não fazem, a gente não compreende algumas coisas. Faz tempo que nos acostumamos a dividir a sociedade brasileira, os 213 milhões de brasileiros, em dois blocos. Tem a direita, tem a esquerda. E aí as pessoas ficam falando bobagem. Não existe direita democrática, coisas assim. Não é verdade. Um dado que a gente já tinha, pelo Ideia, é esse: 12% dos brasileiros se consideram bolsonaristas. E 26% dos brasileiros se consideram de direita, mas não bolsonaristas. Quer dizer, a direita corresponde a 38% da população. Um terço é bolsonarista, dois terços não são. Mas no que são diferentes?
Eles são iguais no seguinte: conservadorismo cultural. Ambos os grupos acreditam que armar a população diminui a criminalidade. Ambos acham que o STF é injusto. Desconfiam do Supremo. E, sim, ambos consideram que casais do mesmo sexo devem ter os mesmos direitos civis de casais heterossexuais. Estão na mesma página.
Mas olha aqui que interessante. 68% dos bolsonaristas acham que Bolsonaro não deve cumprir pena como qualquer cidadão. Quase 70%. Pergunta pra direita não-bolsonarista e o que eles dizem? Só 36% desses acham que Bolsonaro não deve cumprir pena. Olha como é gritante a diferença. O brasileiro de direita acha que o STF é injusto. Só que, uma vez tendo sido condenado pela Justiça, o não-bolsonarista de direita se vira e fala, olha, a Justiça condenou. É isso. Cumpre a lei. O bolsonarista, não. Dane-se o Supremo.
Donald Trump caiu em cima do Brasil com tudo. 57% dos bolsonaristas dizem: isso aí. Viva Donald Trump. Só 17% dos não-bolsonaristas acham a mesma coisa.
E não esqueçam de um elemento fundamental, aqui: dois terços dos eleitores de direita são não-bolsonaristas. Um terço é bolsonarista. Ideologicamente, sabe qual a diferença entre um e outro? O grupo maior, de dois terços, é conservador. O menor, de um terço, é reacionário. Um não gosta que a sociedade mude muito. Quer manter as coisas como estão. Acredita em valores tradicionais. O outro quer uma ruptura com a legalidade.
Quer ver uma última diferença? Os bolsonaristas gostariam que as leis brasileiras seguissem princípios cristãos. Os não-bolsonaristas têm muitas dúvidas sobre isso.
Olha, para qualquer um que estude ideologias políticas, esses dois grupos são como água e vinho. É um erro crasso de políticos de direita tratá-los todos como se fossem reacionários. Dois terços deles não são. Nitidamente não são. São algo muito diferente: ordeiros, gente que deseja que a lei se cumpra para todo mundo. Para eles e para os outros. São conservadores.
Só 17% da direita não-bolsonarista acha que o ex-presidente deve escapar de cumprir a pena para a qual ele foi condenado, tá? Preciso repetir que estamos falando de dois terços de todo o eleitorado de direita? Não, né? As pesquisas já mostravam isso, que essa pauta não era popular. O que elas não conseguiam fazer, e por isso pedimos pro Ideia incluir em seu levantamento, é como isso funciona dentro da direita.
Esse aceno de Donald Trump para Lula é o pesadelo para Bolsonaro por causa disso. Tudo o que Bolsonaro tem, realmente, é Donald Trump. Se acontecer de Trump tirar o pé do acelerador, gente, vai ficar muito difícil. Ele é um homem de 70 anos de idade com uma saúde muito frágil e, se formos falar honestamente, um homem movido pelo medo. Foi condenado a 27 anos de prisão. Isto quer dizer que, na prisão domiciliar em que está, Bolsonaro já viveu seu último dia de liberdade em vida.
Porque, se tudo seguir como está seguindo, Bolsonaro terminará como o ditador argentino Jorge Rafael Videla. Morrerá preso.