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Lula se deu bem

Depois do desastre que foi a PEC da Blindagem, e dado o impasse do projeto de lei da anistia, o Congresso agora começa a se debruçar no projeto que vai isentar de imposto de renda os brasileiros que recebem até 5000 reais por mês, além de diminuir a alíquota de quem ganha entre 5 e sete mil e pouco. Quando isso passar, e vai passar, é um golaço para o Palácio do Planalto. Aliás, é mais do que isso. Se Lula ganhar a eleição no ano que vem, e essa vai ser uma eleição bastante disputada, dá para arriscar e dizer que se uma única política dele contou pra vitória, é essa. Quer entender por quê?

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Esta é uma Câmara dos Deputados de oposição. Então a coisa é muito difícil para eles. Fizeram de tudo para não votar essa isenção. Não querem, não querem porque é bom para o governo. Claro, eles todos vão tentar tirar uma casquinha, lembrar ao eleitor de que votaram a favor, mas é muito popular, é bom pro governo e é ruim pra direita. O que eles fizeram? Tentaram negociar. A gente apoia a isenção, vocês do governo nos ajudam na PEC da Blindagem e seguram a oposição à anistia. Alguns deputados de esquerda embarcaram nessa. Não adiantou.

A anistia enguiçou. É impopular, os deputados do Centrão preferem não tocar nesse negócio. Tem a pressão dos bolsonaristas. E aí enroscou. Pelo seguinte, o que o Centrão topa encarar é a diminuição das penas. Michel Temer, Paulinho da Força e Aécio Neves estão tentando chamar a coisa de Lei da Dosimetria. Diminui as penas máximas dos crimes contra a democracia. Resultado? A turma lá do 8 de janeiro vai ter uma redução tão grande que já pode ir pra casa. Os mandantes ficam presos, mas por pouco tempo. Jair Bolsonaro, por exemplo, teria a pena reduzida de 27 para 16 anos, o que quer dizer na prática que só ficaria preso uns três anos. É, pois é. Estará solto quando o próximo presidente estiver no meio do mandato. É um desaforo, mas do que adianta? O Centrão quer ajudar os caras, mas os bolsonaristas não querem ser ajudados. Eles só topam anistia total. Que o Centrão não quer entregar. Eles, que são brancos, que se entendam.

A Câmara dos Deputados, então, tentou negociar pra votar na isenção do IR. A PEC da Bandidagem morreu, a Lei da Anistia ou da Dosimetria empacou, e aí os excelentíssimos senhores parlamentares tiveram de lidar com o Imposto de Renda. Na prática, o bicho é o seguinte: você quer dizer que é contra quebrar o galho com o IR da classe média baixa? Pode dizer. Mas o governo vai fazer uma festa. Então, bem, então melhor não.

O problema não está resolvido, tá? Pega a questão da responsabilidade fiscal. Se o governo abre mão aqui de ganhar com impostos, precisa recuperar com impostos ali. A proposta do ministro Fernando Haddad é cobrar uma alíquota maior de quem ganha a partir de 600 mil por ano. A coisa vai aumentando numa rampa mais ou menos lenta. Aumenta um pouquinho pra esse pessoal, aumenta mais para quem ganha mais de um milhão, por aí vai. Tem uma série de medidas no meio. Tirar umas deduções aqui, incluir imposto em rendimentos de capital e dividendos. Isso é para que quem ganha com dinheiro investido entre na conta. Haddad diz que os super-ricos devem arcar com a maior parte da conta.

A Câmara quer dar a isenção para os mais pobres, mas hesita em cobrar dos mais ricos. Como esse projeto vai ficar de pé, no final? Bem, a gente não tem como saber ainda. Mas ele está andando. E, quer saber de uma coisa? É justo. O Brasil é muito desigual. Como boa parte do imposto que pagamos está no consumo, nas coisas que compramos, no supermercado, nas roupas, pobres já pagam relativamente uma parcela grande demais dos impostos que o governo arrecada. É hora de algum tipo de ajuste começar a vir.

Mas, você entende por que essa medida, sozinha, pode influenciar pesadamente na eleição presidencial do ano que vem? Bem, aí a gente precisa mergulhar nos números. Não nos números das tarifas. Isso é complicado e, cá entre nós, meio chato. Precisamos mergulhar num troço muito mais fascinante. Nos números que mostram quem é o povo brasileiro. Como ele se distribui. Quem vota em quem e por quê. Então vem comigo.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Antes da gente seguir, quero compartilhar uma novidade que eu estou super feliz em dividir. Um dos melhores filmes que o Meio já produziu, O Julgamento do Século, ganhou um epílogo. Depois da condenação de Bolsonaro e de seus aliados pela tentativa de golpe de Estado, a gente reabriu a sala de edição, refez a linha do tempo e costurou as peças que faltavam. Agora o arco fecha. Assine o Meio Premium e assista no nosso streaming. Você não vai se arrepender.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

O Brasil tem 213 milhões de habitantes. Dessa gente toda, aproximadamente 156 milhões são eleitores. Fica de fora, apenas, quem não foi obrigado a tirar ainda o título por ter cruzado os 18 anos. Hoje, quem ganha até 3000 reais por mês já é isento de imposto de renda. E, bem, essa turma já vota em Lula majoritariamente. Para eles, nada muda.

Muda para dois grupos. O primeiro é o que ganha entre 3 e 5 mil reais por mês. São quase 22% dos adultos brasileiros. Estamos falando de, aproximadamente, 34 milhões de eleitores de classe C. O segundo grupo importante é o que não vai ter isenção, mas pagará menos imposto. Quem ganha entre 5 e 7 mil reais por mês. Mais ou menos 7% dos adultos, ou 11 milhões de eleitores. Estamos falando de quase um terço dos eleitores, um corte entre a Classe C e a B menos, mais ou menos 45 milhões de pessoas. Números aproximados, mas que dão uma ordem de grandeza.

A gente tem muita, muita pesquisa pra entender quem essas pessoas são. Estou usando, aqui, números do Ideia, da Quaest, do Ipespe, do Ipec e da Atlas, principalmente nas pesquisas divulgadas de agosto para cá. Mas guarda a seguinte informação. Quem ganha até 2 salários mínimos tem a mais alta rejeição a Bolsonaro. Quem ganha mais de 5 salários mínimos tem a mais alta rejeição a Lula. Qual é o terreno em maior disputa? O brasileiro que recebe mensalmente entre 2 e 5 salários. Adivinha de quem estamos falando? Pois é.

O grupo com isenção total, hoje, se distribui da seguinte forma. 40 a 45% vai de Lula num segundo turno genérico. 30 a 35% vai de Tarcísio, Ratinho, ou quem for a oposição. E tem algo entre 20 e 25% destes que ainda não fizeram a cabeça mas podem ir pra qualquer um dos lados.

O segundo grupo, que vai ter o imposto diminuído, é ainda mais importante para Lula. Nessa turma, ele tem entre 35 e 40% de intenção de voto. O opositor tem entre 38 e 43%. Ou seja, tem mais apoio. Indecisos vão de 18 a 25%, dependendo da pesquisa.

Agora, esquece os números. Quem são essas pessoas? Moram, principalmente, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Vivem em cidades médias ou, principalmente, grandes. Têm um perfil, deixa eu trazer aqui o palavrão do qual a esquerda não gosta, têm um perfil empreendedor. Não são particularmente fiéis a nenhum grupo político, são mais conservadores, acreditam em trabalho. Acreditam em meritocracia, quem se esforça mais, merece mais. Defendem ordem, punição forte para crime, não gostam de programas focalizados de distribuição de renda. É. Esse pessoal desconfia de programas como o Bolsa Família. O valor, para eles, que levam uma vida muito dura e fecham um mês após o outro com sufoco, é o do trabalho.

Mas, olha só, gostam e querem um Estado de Bem-Estar Social. Esperam, do governo, que ofereça segurança pública, saúde pública e educação pública. E, não, não rejeitam a isenção ou mesmo a diminuição da alíquota do Imposto de Renda. Pelo contrário. Consideram que é um prêmio pelo seu esforço, que é real. Esses brasileiros são funcionários públicos de nível médio, são assalariados formais, pequenos empreendedores ou mesmo autônomos de renda estável. Motoristas de Uber aí no meio.

Isso aqui é um jogo, gente. Cada voto que um candidato tira do adversário, no segundo turno, vale por dois. Um a mais para si, um a menos para o outro. E estamos falando, aqui, de uma eleição que vai ser disputada voto a voto como foi a de 2022. Uma eleição que será decidida pela preferência de quem não quer nem Lula, nem Bolsonaro, que preferia outro. Quanto mais bolsonarista for o candidato no segundo turno, mais fácil para Lula, porque o antibolsonarismo entre os indecisos é maior do que o antipetismo. Quanto menos bolsonarista for o opositor, mais difícil a eleição.

Este não foi um bom governo. A turma de esquerda fica chateada, mas é verdade. É um governo sem marca, que fez pouca coisa. Chamou mais atenção para a política externa do que para a política interna e, nessa área, só agradou aos eleitores muito de esquerda. Todo o resto viu ali um presidente que gosta mesmo é de ditador amigo. A sorte de Lula é a contaminação da direita pelo bolsonarismo. E, ora, Lula, de burro, não tem nada.

Se ele terminar reeleito nessa batalha morro acima, terá sido por causa desta isenção. Ela tocou com um imenso benefício, um benefício justo, nos brasileiros que mais importam na decisão.

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