Lula sobe, Tarcísio desce
Na terça-feira à noite, o governador paulista Tarcísio de Freitas publicou um vídeo nas suas redes. Pediu desculpas públicas pela piada que tinha feito. Enquanto pessoas morrem em São Paulo, ele dizia que ia se preocupar com bebidas contaminadas quando chegasse à Coca-cola. Afinal, o governador não bebe. Nesta quarta-feira pela manhã, saiu a nova pesquisa Quaest. A avaliação do governo Lula chegou ao mesmíssimo ponto em que estava em janeiro deste ano. Com uma diferença importante. Em janeiro, a desaprovação vinha subindo fazia seis meses e, a aprovação, caindo. Agora é o contrário. A reta está subindo. Se esta tendência continuar, Lula começará o ano eleitoral com mais gente aprovando seu governo do que desaprovando.
Pois é. Em um mês, o jogo mudou por completo. Apenas um mês atrás, Tarcísio era visto como pule de dez para unificar a direita como candidato único da oposição. Agora está tendo de pedir desculpas públicas. Esses jogos não são separados. Se Lula sobe e Tarcísio cai, não é coincidência.
Então vamos começar com o governador de São Paulo. Antes de tudo, vamos trazer aqui uma coisa óbvia que esquecemos com facilidade. Política é performance, política é teatro. Lula, que é um dos políticos mais experientes do país, tem pleno domínio de dois personagens. O Lulinha Paz e Amor e o Lula combatente dos trabalhadores. Ele usa estes personagens de acordo com o momento. Quando está em baixa e precisa cerrar as fileiras da base, adota o combativo, o populista, o somos nós contra eles. Quando está em alta e precisa se aproximar do Centro, vem o Lula sorridente, pacificador, promotor da união. Não tem nada de errado com essa performance, tá? Podemos gostar mais de um personagem do que do outro, mas política se faz assim, mesmo.
Tarcísio de Freitas tem, também, dois personagens. Ele só não tem a mesma experiência de Lula para migrar de uma perfomance para a outra com sutileza. E não sabe, muito menos, fazer o cálculo do momento de migração. Não, não estou dizendo que Lula vai de um personagem ao outro sempre no momento certo. É só que Tarcísio erra muito mais. Mas quais são os personagens de Tarcísio? Ora, um é o bolsonarista puro-sangue, o outro é o sujeito da direita moderada. E o que Tarcísio fez, entre o final do primeiro semestre e o segundo foi dar um cavalo-de-pau e, da versão moderada, incorporar o sujeito raivoso de repente.
O que acontece quando essa virada é repentina? Ora, parece artificial. No caso de Tarcísio, ficou óbvio qual era seu objetivo. Receber a bênção de Jair Bolsonaro como candidato da direita. Ele queria provar lealdade. O público bolsonarista ultra-leal gostou. Mas esse mundo não chega a 15% do eleitorado. E a sociedade brasileira não quer anistiar Jair Bolsonaro. Mesmo entre os eleitores de direita, uma parcela importante não quer perdão.
O Maurício Moura, CEO do Instituto Ideia, levantou essa bola no Central Meio da última segunda-feira. Para dois terços dos eleitores de direita, a vida é dura. A relação com a polícia e com a Justiça é cruel. São brasileiros que vivem num mundo em que prisões arbitrárias, ou por muito pouco, acontecem. Todo mundo conhece uma história. Prisões que se estendem sem julgamento são habituais. Se não é alguém da família, é um vizinho, o irmão de um colega de trabalho. Bolsonaro teve os melhores advogados, um julgamento televisionado.
Um terço da direita é bolsonarista, dois terços não são. Aquele um terço é mais rico, mais branco, e teve acesso a mais educação do que os outros dois terços. A vida, para o eleitor realmente bolsonarista, é mais fácil pelo simples fato de que eles pertencem à elite. Mas a maioria da direita não é assim e, para ela, Bolsonaro teve um tratamento muito melhor do que qualquer um dos seus teriam. E, olha, são conservadores. Foi julgado culpado, que cumpra a pena. Tarcísio fez o papel que agrada o um terço partindo do princípio que os dois terços viriam juntos. Não vieram, pelo contrário. Aí, quando fez graça de quem morreu, falando que ele não bebe, não é problema seu, o que foi que Tarcísio lembrou? Gente, estava por toda parte em todas as redes sociais. Lembrou o “Não sou coveiro” do Bolsonaro durante a pandemia.
Aí começou a juntar um monte de gente falando: o PCC por aí, delegado sendo assassinado em São Paulo, gente morrendo por bebida manipulada por criminosos, e o governador longe de São Paulo, longe do trabalho, batalhando pra tirar Jair Bolsonaro da cadeia. Pegou mal. Quando mandou sua versão do “não sou coveiro”, as redes gritaram. Eleitores de direita gritaram. As pesquisas diárias, os trackings, guinaram pra baixo imediatamente.
Resultado: Tarcísio acuado, pedindo desculpas. No mesmo dia em que Lula está celebrando a pesquisa Quaest.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
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E este? Este é o Ponto de Partida.
Em números grosseiros, guarda aí na sua cabeça uma divisão do eleitorado que é mais ou menos assim: 35% vota na direita, 35% vota na esquerda, e 30% fica no pêndulo. Destes 30%, 20% nem sai de casa pra votar. Então o que conta mesmo são os 10% de brasileiros capazes de votar tanto na direita quanto na esquerda. Não é exatamente assim, mas é mais ou menos assim.
A lição desses números é a seguinte: quem está no Centro não faz o seu presidente porque não tem tamanho. Estamos falando de 10% do eleitorado, só. Mas quem está no Centro é quem decide o próximo presidente. Porque Direita e Esquerda têm tamanho, têm volume de eleitores, para botar cada qual um candidato no segundo turno. A partir daí, são forças iguais. Quem desempata é quem não gosta de nenhum dos dois candidatos e vota no que lhe parece menos pior.
Segundo a Quaest que saiu hoje, 49% dos eleitores desaprovam Lula. 48% aprovam. Na margem de erro isso é empate. Os números são iguais. E não importam. Os números que importam são outros: onde mudou? Onde tem mudado nos últimos meses? Pois bem, entre os eleitores de esquerda, os números da aprovação de Lula são quase uma reta lá em cima, durante quase todo o primeiro semestre. Os números da desaprovação de Lula são quase uma reta, também lá em cima, para os eleitores de direita. Alguma surpresa? Nenhuma. Eles mudaram naqueles 30% de eleitores no Centro. Regionalmente, Lula é aprovado no Nordeste, é reprovado no Sul, no Norte e no Centro-Oeste. Onde que a desaprovação está caindo e a aprovação subindo? No Sudeste. Onde vivem mais brasileiros. Onde a classe média baixa e periférica das grandes cidades vive. Lula é reprovado pelos jovens. Os jovens são de direita. É aprovado pelos velhos. Quem tem mais de 60 gosta de Lula. Onde a reta de aprovação cruzou a de desaprovação e se tornou dominante? Na faixa entre 35 e 59 anos. Nos brasileiros de meia idade, nos brasileiros com filhos, batalhando para pagar as contas. Justamente na faixa que não tem tempo pra bobagem. A vida é prática, é clara, e se mede na quantidade de dinheiro que está no bolso.
O ponto aqui, se não ficou claro, é que Lula está subindo nos lugares certos para ele. Ele está crescendo exatamente no núcleo de brasileiros cuja opinião importa porque são eles que, preferindo outros, vão dar no segundo turno os votos decisivos.
Sabe, o professor Marco Aurélio Rudiger, da FGV, falou uma coisa bastante interessante no Central Meio de hoje. Em 2018, o bolsonarismo era representado por Jair Bolsonaro nas eleições mas tinha, de um lado, Paulo Guedes e, do outro, Olavo de Carvalho. Eu sei que um bocado de gente não gosta de nenhum dos dois. Só que, juntos, Guedes e Olavo davam uma história. Davam uma visão de Brasil, um diagnóstico dos seus problemas, e uma lista de soluções. Eles faziam com que Bolsonaro representasse uma coisa maior do que ele. Hoje, qual é a pauta do bolsonarismo? É tirar da cadeia Jair Bolsonaro. Qual o plano do bolsonarismo para o Brasil? É usar os Estados Unidos para punir coletivamente todos os brasileiros até Bolsonaro ser solto.
Lembrem, pessoal: bolsonaristas puro-sangue são só um terço da direita. Os outros dois terços têm outras preocupações, com segurança, com economia, com ascensão social. O futuro de Jair, francamente, não está entre suas prioridades. Se a bandeira que Tarcísio tem para fazer tremular é a promessa de que, em seu governo, o chefe será um homem livre, olha só em volta o que está acontecendo. Olha para como as redes estão reagindo. Olha para onde as pesquisas estão apontando.
Há um mês, no dia 7 de setembro, Tarcísio de Freitas subiu o trio elétrico para xingar ministros do Supremo, mostrar os dentes com raiva, e fingir que era Jair. No dia 8 de outubro Tarcísio estava perante um celular, gravando um vídeo no qual pedia desculpas por ter se comportado mal como governador. Claro, claro, outro assunto. Estava falando de metanol. Mas, olha, uma coisa tem tudo a ver com a outra. Lula agradece.