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Gênero e voto

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No Brasil, o eleitorado é cada vez mais feminino e rejeita candidaturas radicais da direita em maior proporção do que os homens

Presidentes brasileiros, desde a redemocratização, foram eleitos com proporção semelhante de apoio do eleitorado masculino e feminino — inclusive Dilma Rousseff, única mulher eleita presidente da República no período. Mas isso vem mudando a partir das eleições de 2018, com reflexos também nas eleições municipais desde então.

A extrema direita tem chegado ao poder em muitos países apoiada cada vez mais por um eleitorado masculino e jovem. No Brasil, entretanto, o eleitorado é cada vez mais feminino e vem rejeitando posicionamentos e candidaturas da extrema direita em maior proporção do que os homens. Essa tendência claramente ameaça a perspectiva de crescimento absoluto de uma política mais radical de direita.

Homens jovens desencantados

Pesquisas recentes nos EUA apontam uma debandada de homens jovens do Partido Democrata. Embora as sondagens mostrem que os democratas têm um desempenho abaixo do esperado entre eleitores de 18 a 29 anos durante o ciclo eleitoral, tudo indica que praticamente a totalidade dessa queda se concentra entre os homens jovens. A uma semana do início das eleições norte-americanas, Trump lidera (58% x 37%) nesse grupo de eleitores.

Essa faixa etária é um importante apoio ao novo líder da extrema direita francesa, o jovem Jordan Bardella, e foi fundamental para a eleição do argentino Javier Milei.

Pouco se conhece sobre as razões pelas quais homens jovens estão optando prioritariamente por políticos e candidaturas da extrema direita.

Muito se tem reportado sobre o papel das plataformas digitais e das redes sociais em proporcionar um maior contato direto e capilar desses jovens com lideranças políticas — novas ou repaginadas — e como esses candidatos têm recrutado seus eleitores. Mas pouco se conhece ou se tem explorado sobre as razões pelas quais homens jovens estão optando prioritariamente por políticos e candidaturas da extrema direita. O que dizem os eleitores nesses países sobre o que eles estão vivendo e suas motivações para o voto?

Muitos estão em contextos que sofreram profundamente com a desindustrialização e registram as maiores taxas de desemprego das últimas décadas. Um cenário aliado a índices altíssimos de violência urbana e insegurança em geral, além de descrença e desesperança com relação ao futuro do planeta e das cidades onde vivem com enchentes e desastres naturais.

Muitos desses jovens crescem em contextos onde lhes é prometido prosperidade e segurança e lhes é entregue precarização total das condições de vida e de trabalho, bem como uma total falta de visão de futuros possíveis. “Antes era bom, agora é terrível”, acreditam. De quem é a responsabilidade por tamanho desencanto? A política e os políticos que nos trouxeram até aqui. “Queremos acabar com o status quo e é por isso que muitos dos meus amigos estão votando na direita”, dizem os eleitores jovens em alguns desses países.

Mas o que acontece quando o ressentimento nasce do destronamento e do direito perdido? O rancor e a raiva não se transformam em valores morais refinados como na autoabnegação cristã e no amor ao próximo; em vez disso, permanecem como rancor e raiva. Para aqueles que se sentem “deixados para trás”, os valores tradicionais forneceriam proteção contra os deslocamentos e perdas que vivem nas sociedade contemporâneas. É o que a socióloga Christina Vital vai chamar de “retórica da perda” e a cientista política Flavia Biroli de “moralização das inseguranças”. A promessa de recuperar um mundo que não existe mais – mas que sempre existiu para uma parcela da população – cria uma base extraordinária para o autoritarismo: um mundo estável, seguro, homogêneo, organizado por valores cristãos e patriarcais.

Uma moralidade judaico-cristã que nascia antes como a vingança dos fracos, nas palavras da filósofa e cientista política Wendy Brown, hoje é ressignificada, manipulada como vingança ou ressentimento dos fortes. Ou daqueles que um dia foram — ou pareciam — fortes.

Esse é um dos elementos que estão na base desse eleitorado que opta por um voto de protesto, ou de mudança, escolhendo políticos que no fundo acabarão com a política ou, pelo menos, acabarão com a democracia e suas instituições tal qual as conhecemos a partir de suas inúmeras medidas anti-democráticas já demonstradas — como Jair Bolsonaro no Brasil, Donald Trump nos EUA, Javier Milei na Argentina e Viktor Orbán na Hungria.

Eleitorado cada vez mais feminino no Brasil

Ao mesmo tempo, no Brasil, o eleitorado tem se tornado cada vez mais escolarizado e mais feminino. Como têm votado essas mulheres e o que isso indica?

A partir de 2002, o número de mulheres registradas como eleitoras superou o de homens no Brasil, e desde 2018 elas são maioria em todas as faixas etárias, inclusive entre 16 e 17 anos, em que o voto é facultativo. As mulheres eleitoras também superam os homens em todos os estratos de escolaridade mais alta — a partir do ensino médio completo — e são maioria entre analfabetos. Como destaca o cientista político Jairo Nicolau no livro O Brasil Dobrou à Direita, estudo de 2018 que fez uma radiografia do eleitorado, isso “reflete uma característica da expansão do ensino fundamental e médio no Brasil nas duas últimas décadas: as meninas têm melhor desempenho escolar e uma menor taxa de evasão escolar do que os meninos”.

Recusa a posturas violentas e extremas e essencialmente preocupação com as questões relacionadas ao cotidiano são os vetores que têm orientado o afastamento das mulheres de candidaturas de extrema direita.

Recusa a posturas violentas e extremas e essencialmente preocupação com as questões relacionadas ao cotidiano — esses são os vetores que têm orientado o afastamento das mulheres de candidaturas de extrema direita numa proporção maior que os homens. Além de um cansaço com o excesso de autoritarismo e intolerância em posicionamentos e comportamentos de lideranças da extrema direita, existe uma recusa à propagação de violências — aceitas ou promovidas — por propostas apresentadas e implementadas por essas lideranças. São exemplos a tentativa de criminalização de mulheres que já tenham sido violentadas e que optariam por realizar um aborto, políticas de maior punição e encarceramento e incentivo ao porte de armas.

A experiência cotidiana tem estado também, com muita força, na base da argumentação das mulheres tanto para a justificativa de voto como para a avaliação de políticos e governantes. Seja em elementos muito diretos e imediatos, como ações e políticas de cuidado básicas que garantam educação de qualidade para seus filhos e familiares, segurança nas cidades, acesso a uma alimentação adequada e atendimentos de saúde, até em expectativas para o futuro especialmente em três dimensões — para o país, para sua situação laboral e de empregabilidade e para situação econômica de sua família. Tanto entre mulheres eleitoras mais progressistas quanto entre as mais conservadoras, essas são dimensões e questões centrais que têm aparecido a cada pleito eleitoral nos últimos anos e que seguiram presentes nas últimas eleições municipais deste ano.

A resistência feminina pode ser um freio de contenção para evitar a força demasiada do extremismo — ainda que haja uma afinidade estreita entre a extrema direita e o eleitorado masculino, especialmente mais jovem. Uma correlação observada e comprovada a cada ciclo eleitoral pelo menos desde 2016 (com a eleição de Trump nos EUA), mas que ainda está para ser mais bem analisada se quisermos evitar que lideranças políticas anti-democráticas cheguem ao poder.


*Ana Carolina Evangelista é cientista política com mestrado em relações internacionais pela PUC-SP e em gestão pública pela FGV-SP. É pesquisadora e diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Faz cobertura eleitoral desde 2018 com colunas na 'piauí' e no 'UOL'.

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