O poeta não morreu e está nas telas

Algumas pessoas encaram a morte com desespero, outras com revolta, outras com resignação. Mas existem aquelas que a encaram com uma explosão criativa. Um dos melhores exemplos desse último caso está registrado no documentário Cazuza: Boas Novas, de Nilo Romero e Roberto Moret, destaque entre as estreias desta quinta-feira. Lançado como vocalista do Barão Vermelho, grupo pioneiro da onda rock brasileiro dos anos 1980, Cazuza viva um bem-sucedida carreira solo quando, no início de 1997, descobriu que havia contraído Aids, o que na época equivalia a uma sentença de morte. Em vez de se deixar vencer pela doença, o cantor foi mais fundo na música, lançou seus dois álbuns de maior sucesso, Ideologia (1988) e Burguesia (1989) e o disco ao vivo O Tempo Não Para, que vendeu 1,8 milhão de cópias. Continuou nos palcos enquanto a saúde aguentou, assumiu publicamente a doença em 1989 e morreu em julho de 1990. Com imagens de época e depoimentos, o documentário de Romero e Moret compreende exatamente o período de intensa produção e apego à vida entre 87 e 89. Um belo tributo a um artista notável.
A morte sem melodrama é também tema de Uma Bela Vida, mais recente filme do greco-francês Costa-Gavras, um dos maiores cineastas de todos os tempos. Aos 92 anos, ele nos conta a história do filósofo Fabrice Toussaint (Denis Podalydés), que recebe um diagnóstico inconclusivo de tumor e procura ajuda do médico Augustin Masset (Kad Merad), especializado em cuidados paliativos, o tratamento que se dá a pacientes à beira da morte. Masset tem uma ideia: bota um jaleco no filósofo e o leva incógnito para as consultas e grupos de apoio, onde Toussaint descobre as diversas histórias e reações diante do inevitável. Do motoqueiro que faz uma reunião de Halley Davidsons à cigana que organiza uma festa de despedida, passando pela matriarca que deseja manter em sigilo a morte iminente. Célebre pelo cinema político dos anos 1960/70 Costa-Gavras nos entrega sua obra mais poética.
Também da França vem o drama “para cima” Entre Nós, o Amor, de Morgan Simon. A trama gira em torno de Nicole, uma mulher madura que, com um eterno sorriso e uma certa patetice, procura disfarçar dos vizinhos e amigos o fato de estar mergulhada em dívidas, sem “empregabilidade” conta da idade e com um enorme vazio interior. Ela pode enganar todo mundo, mas a cada dia piora a relação com Serge, seu filho de 19 anos, especialmente com a chegada do Natal, que expõe a penúria que Nicole tentava esconder dele. Caberá a mãe e filho se reconectarem.
Como punir um homem por um crime que ele não se lembra de ter cometido? Esse é um dos muitos questionamentos trazidos pelo Filhos do Mangue, de Eliane Caffé. Felipe Camargo é Pedro Chão, um homem com fama de violento e arruaceiro, malvisto na comunidade de catadores de caranguejos em um manguezal. Todos o acusam de ter roubado um dinheiro que deveria ser usado para melhorar a vida do lugar, só que Pedro aparece muito ferido, sem o produto do roubo e sem memória. Os vizinhos, enfurecidos, querem que ele se lembre e revele o que aconteceu com o dinheiro, mas quanto mais descobre sobre si mesmo, menos Pedro quer as lembranças de volta.
Bulir com o dinheiro alheio dá problemas seja no mangue, seja no Japão. Em Cloud: Nuvem de Vingança, escrito e dirigido por Kiyoshi Kurosawa (nenhum parentesco com o gigante Akira Kurosawa), Ryôsuke Yoshii é um “empreendedor independente” que compra e revende tudo, de roupas a equipamentos médicos, sempre com enormes margens de lucro. Ele larga o trabalho formal para se dedicar integralmente à atividade de atravessador, mas vai se tornando cada vez mais paranoico, imaginando que há alguém atrás dele e do dinheiro que está ganhando sem produzir nada. Até que a paranoia se revela verdadeira.
Lá se vão quase três décadas desde que um grupo de jovens desmiolados atropelou um sujeito e deu sumiço no corpo, iniciando uma espiral de violência e morte. Pois é, Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado está de volta. Tem cara de reboot e cheiro de reboot, mas, como Jovens Bruxas e Pânico, é uma continuação com salto geracional. Desta vez, os jovens desmiolados fazem um motorista sair da estrada e cair com carro e tudo de um despenhadeiro. Um ano depois, começam a pipocar bilhetes com o título do filme, e o assassino com gancho e roupa de pescador inicia a matança. Apavorados, os protagonistas entram no IMDB, consultam o roteiro do longa original (brincadeirinha) e vão atrás de Jennifer Love Hewitt e Freddie Prinze Jr., que sobreviveram duas vezes — o mesmo não pode ser dito de suas carreiras, mas aí é outra história.
E para quem gosta de um melodrama médico com forte pegada religiosa, há a biopic A Visão, escrita e dirigida pelo cineasta e ativista Andrew Hyatt para a produtora conservadora Angel Studios. O filme conta a história real do oftalmologista chinês Ming Wang, que sobreviveu ao horror da Revolução Cultural maoista, migrou para os Estados Unidos, converteu-se ao cristianismo evangélico, formou-se em Medicina e desenvolveu técnicas revolucionárias de tratamento da cegueira, especialmente em crianças. A religiosidade é um detalhe na maior parte do longa, até o final, quando o verdadeiro Wang, um dos produtores do filme, dá um depoimento atribuindo suas conquistas médicas à fé.
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