Lula está no jogo. Por pouco
A um ano de campanha eleitoral, o que a história da Nova República nos ensina sobre essa relação entre a aprovação de um presidente e suas chances de se reeleger? Porque, gente, deixa eu contar uma coisa pra vocês: em Brasília e em cada capital com governador pré-candidato, é só nisso que todo mundo está pensando. No Palácio do Planalto.
Então vamos lá: para manter a consistência da leitura, vou usar aqui o Datafolha. O número que desejamos usar é o delta, a diferença entre, de um lado, quem considera o governo ótimo e bom e, do outro, quem considera o governo ruim ou péssimo. Em junho de 1997, o delta do presidente Fernando Henrique Cardoso era de +23 pontos percentuais. Foi reeleito no primeiro turno, em 1998. Ele, sozinho, teve mais voto do que a soma de todos seus adversários. Nunca mais aconteceu.
Em julho de 2005, o presidente Lula teve um delta de +12 pontos. Esse número foi uma queda brusca do Lula em relação à pesquisa anterior. Um mês antes, a Renata Lo Prete, hoje no Jornal da Globo, na época na Folha de São Paulo, havia publicado a histórica entrevista do presidente do PTB, Roberto Jefferson, denunciando o Mensalão. Lula, todo mundo achava antes daquilo, ia ganhar no primeiro turno. A popularidade despencou no segundo semestre de 2005, e ele começou a recuperá-la no ano da eleição. A economia estava muito, muito boa. Ali, naquele momento, Lula teve a melhor economia que um candidato à presidência já teve a seu favor na história recente. Foi uma eleição tão maluca que o governador paulista Geraldo Alckmin, que era seu adversário, teve mais votos no primeiro turno do que no segundo. Mas é isso. Com com +12, se recuperou, mas ganhou no segundo turno e não no primeiro.
Dilma Rousseff, em agosto de 2013, teve um delta de +14. Diferentemente de Lula, Dilma estava com uma economia ruim ficando pior, estávamos no meio das Jornadas de Julho, aquelas grandes passeatas de 2013, e sua popularidade foi se arrastando numa lentíssima estabilidade com tendência para queda. Se reelegeu com margem bastante curta.
Aí teve Jair Bolsonaro. Datafolha de julho de 2021. Único delta negativo da série, -27 pontos percentuais. Bolsonaro perdeu, foi bastante apertado no fim, mas perdeu. E foi apertado porque ele gastou um bocado de dinheiro em programas de distribuição de renda e outras benesses nos meses de campanha e foi recuperando popularidade. Ainda assim, não deu.
Vamos pegar o Datafolha de julho deste ano? Lula tem um delta de -11. É melhor do que Bolsonaro, mas é muito pior do que ele e Dilma tiveram. Não tem sequer comparação com FH. A economia se arrasta. Não está ruim, mas não está boa. Estagnada. Sei que um bando de gente tem números na mão pra dizer que as coisas estão boas. Não estão. Os empregos que existem para a classe média baixa são precários, o endividamento é muito alto, ninguém se sente seguro.
Segundo a Quaest que saiu hoje, 46% dos brasileiros aprovam o governo. Deu uma subida. É bom. Mas 51% desaprovam. A pergunta é ligeiramente diferente e a resposta é binária, não faz o ótimo, bom, regular, ruim e péssimo que o Datafolha usa. De qualquer forma, o delta também é negativo. O Instituto Ideia, na semana passada, perguntou sobre a imagem dos presidenciáveis. 43% veem Lula positivamente, 44% negativamente. Não é a mesma pergunta, delta negativo.
Lula tem fortalezas. A maior está em dois grupos demográficos distintos. Os eleitores da região Nordeste aprovam seu governo em 60% contra 37. É bem bom. No Centro-Oeste, Norte, Sudeste e Sul ele se ferra. Ele também é forte entre os eleitores com mais de 60 anos. 55% aprovam.
O ponto aqui é o seguinte: Lula está no limiar. Esta reeleição vai ser muito, muito difícil para ele. Mas não impossível. Onde estão suas fraquezas? Começa pelos jovens. 54% dos eleitores entre 16 e 34 anos reprovam o governo. Lula é um candidato dos velhos, não dos jovens. A segunda maior reprovação é no Sudeste, a região mais populosa do país. 55%.
O governo sabe disso. A inflação deve cair no ano que vem, isso quer dizer que os juros, também. As contas são do economista Samuel Pessôa. É um dos muitos presentes de Donald Trump. Junta com isso a isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco mil e o IR menor para quem ganha entre 5 e 7. Isso pega em cheio a classe média baixa das periferias. Gente que tem entre 16 e 34, gente que mora em maior quantidade no Sudeste. O governo não é bobo. Sabe o que está fazendo. Se recupera um pouco ali, puxa um pouquinho mais na direção do positivo os números. Tudo indica que vai ser uma eleição bem apertada. O país é dividido.
E como a direita responderá? Vamos responder?
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Hoje tenho um convite especial pra você. Amanhã, quinta-feira, dia 21, às 19h, vamos liberar no YouTube o episódio 1 do nosso primeiro documentário original: Democracia: Uma História Sem Fim. O filme passou pelos cinemas, está em nosso streaming, e agora fica aberto por 72 horas. Só isso. Até domingo você pode assistir de graça ao episódio A Democracia Não Descansa Jamais. Na tela, nomes como Miriam Leitão, Pablo Ortellado, Sérgio Abranches e Wilson Gomes ajudam a entender os riscos de hoje e os aprendizados da nossa história democrática. E meia hora antes, às 18h30, tem esquenta comigo, Ricardo Rangel, que é o diretor do filme, e Christian Lynch, contando bastidores e debatendo os desafios da democracia brasileira. Então já se inscreve no canal, ativa o lembrete e cola com a gente. Vai ser especial. E, olha, obrigado aos nossos assinantes. São eles que permitem que possamos fazer conteúdos deste tipo.
E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
A maior fraqueza da direita é Jair Bolsonaro. Ipespe, final de julho: 54% dos brasileiros consideram que as medidas cautelares contra o ex-presidente foram leves ou adequadas. Datafolha, também final de julho: 61% não votariam em quem prometer anistia para ele. Quaest que saiu hoje cedo: só 28% consideram que Bolsonaro e seus aliados estão fazendo o mais certo nesse embate do Brasil contra o governo Trump. Bolsonaro é um peso para a direita.
Curiosamente, o candidato da direita mais forte é o governador Tarcisio de Freitas. É o que chega mais perto de ganhar de Lula, no segundo turno. Depois de Bolsonaro, é o governador de São Paulo que está em segundo na lista de quem é reconhecido como líder da direita, pelo Ipespe. É quem tem a imagem mais positiva entre todos os nomes da direita, 42% medido pelo Ideia. Vocês lembram, já mencionei. Lula tem imagem 43% positiva e 44% negativa. Tarcisio quase igual na imagem positiva, 42, mas a negativa é 28%.
Olha, o Planalto pode estar no futuro de Tarcisio de Freitas, tá? O problema é o que ele precisa fazer. Precisa se afastar de Bolsonaro. O problema é o que ele acha que precisa fazer. Ele acha que precisa se aproximar de Bolsonaro.
Olha, eu nunca vi, num período pré-eleitoral, pesquisas tão difíceis de processar. Porque enquanto elas apontam uma ladeira muito íngreme para Lula, também mostram que a reeleição não é impossível. Só muito difícil. E, em grande parte, a reeleição não é impossível por causa da direita. A direita está muito e profundamente dividida. Um terço é bolsonarista roxa, dois terços querem distância.
E toda dificuldade, toda bateção de cabeça dos líderes da direita, está ligada a este ponto. Datafolha: 67% dos brasileiros querem que Bolsonaro suma do mapa. Tem uns vinte pontos percentuais aí nessa turma que são eleitores de direita.
Como é que você acena para Bolsonaro, deixando feliz aquele um terço da direita, renegando Bolsonaro para atender aos dois terços que querem outro caminho? Principalmente se o candidato for Tarcisio, o mais próximo de Bolsonaro dentre os que não têm sobrenome Bolsonaro?
Tem estratégia nesse jogo, tá? O nome da estratégia é deixa o tempo rolar. Jair Bolsonaro não deve mais falar em público. Está preso preventivamente, será preso em definitivo, tudo indica, em aproximadamente um mês. Aí acabou. Some. Donald Trump vai fazer alguma coisa na Venezuela esses dias? Donald Trump vai enquadrar mais gente na Lei Magnitsky? Donald Trump vai penalizar o Brasil de alguma outra maneira? Como os bancos brasileiros e o Supremo Tribunal Federal vão se entender? A inflação cairá mesmo, respondendo à piora da economia americana?
O momento é de jogar parado lendo cada pesquisa atentamente enquanto o governo bota suas cartas na mesa. Todos os governadores têm até abril para decidirem se vão se descompatibilizar ou não. Uns decidirão concorrer ao Senado, outros à presidência. Tem um deles, só um dos pré-candidatos, que de fato pode seguir um terceiro caminho. O da reeleição. Ora, pois, Tarcisio de Freitas. É o único que tem garantidos mais quatro anos no Palácio Bandeirantes. Basta querer.
É, este não é um Ponto de Partida muito emocionado, né? Nenhum adjetivo forte. Só o que os números dizem. Pode ter gente reclamando de normalizar, pode ter gente reclamando de que não dá, pode ter gente inconformada com isso, aquilo e tudo o mais. É só que, às vezes, a gente tem de aproveitar um momento como este: com três semanas de diferença temos Ideia, Quaest, Datafolha, Ipespe, quatro pesquisas de qualidade que trazem números muito parecidos e nos permitem sentir o pulso do país.
Pois é, turma. Este é o Brasil, hoje.