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O preço da anistia

O Brasil deve um bocado a Caetano, Gil, Chico, Djavan, Marina e os muitos outros grandes artistas que se dispuseram a estar, domingo, embaixo do Sol, celebrando nossa democracia. Porque esse pessoal ajudou a acordar o país, tá?

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Vamos comparar os números do Monitor do Debate Político do CEBRAP/USP em parceria com a ONG More in Common. No último 7 de setembro, os bolsonaristas puseram uma de suas maiores manifestações nas ruas do país. Foram quase 43 mil no Rio, 42 mil em São Paulo, e uns picadinhos. Quatro mil no Recife, mil e seiscentos em Floripa, por aí vai. Pois bem, de novo, 42 mil no Rio, 42 mil em São Paulo, mas Salvador estava cheia, Recife estava cheia. As ruas pertenciam ao bolsonarismo, no Brasil, desde o fim do movimento de 2013. Nenhum líder político, nem na esquerda, nem no centro, conseguiu mobilizar pessoas.

Ontem, aconteceu. Quem acha que as pessoas só foram pra ouvir show de graça, se engana. Havia placas de Sem Anistia, havia placas contra a PEC da Blindagem e, incrível, havia na Avenida Paulista uma imensa bandeira do Brasil. Esse foi, possivelmente, o maior erro do bolsonarismo. Eles haviam sequestrado a camisa da Seleção e a bandeira nacional. Aí abriram mão, Puseram, na Paulista, uma imensa bandeira de outro país. Além disso, artistas em grandes manifestações sempre existiram. Nas Diretas Já, eles estavam lá. Inúmeros sertanejos apareceram nos palanques bolsonaristas. Os Beatles escreveram Come Together como jingle de campanha de Timothy Leary ao governo da Califórnia. Bem, Ronald Reagan ganhou aquela eleição, mas essa é outra história.

De alguma forma, não exatamente um mistério, esse movimento político que começou com a Lava Jato, contra a corrupção, desaguou nisto aqui: um movimento para garantir a imputabilidade de políticos e militares. Porque é isso, né? Tentou golpe militar? Anistia, está perdoado. É presidente de partido? É deputado federal ou senador? É deputado estadual? Pode ser pedófilo, pode matar gente com serra elétrica, pode bater na própria mulher, todos crimes que parlamentares brasileiros já cometeram, tá?

Deixa eu registrar isso aqui de forma clara. Nelson Nahim, irmão do ex-governador do Rio Anthony Garotinho. Do PSD. Condenado em 2016 por estupro de vulnerável e exploração sexual de adolescentes. Sim, ele prostituía meninas. Foi deputado federal enquanto respondia à Justiça. Luiz Afonso Sefer, deputado estadual do DEM do Pará, condenado por estupro de vulnerável. A vítima tinha menos de 13 anos. Nilson Nelson Machado, deputado estadual catarinense, do Progressistas. Também condenado por estupro de vulnerável. Esse sujeito mantinha uma creche, gente. Esses caras não poderiam ser investigados e processados a não ser que seus pares parlamentares permitissem.

Mas, ontem, gente o suficiente entendeu isso. Democracia é povo na rua. Desde a sexta-feira, começaram a pipocar os vídeos de deputados federais se dizendo arrependidos de terem votado a favor da blindagem. Puro engodo, tá? Perceberam que deram um tiro no pé. E o acordo Centrão-Bolsonarismo, que botou juntas e entrelaçadas a ideia de Anistia e Blindagem de políticos deixou clara que uma coisa e outra são a mesma coisa.

Agora, não se enganem, tá? O que Paulinho da Força e Michel Temer estão tentando vender é anistia por outro nome. Vem comigo.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Existe uma ideia, uma única ideia força que nos motiva, aqui no Meio. Democracia. Uma democracia que nasce das conversas e acordos entre centro-esquerda e centro-direita. Uma democracia em que o convívio entre gente moderada que discorda seja possível. Uma democracia para brasileiros, na qual brasileiros com pontos de vista distintos convivam, façam festa, se apaixonem. Uma na qual podemos voltar a compreender que divergências políticas são normais e o que precisamos fazer, com elas, é conversar. Conversar. Conversar. O Meio é este espaço para a conversa que não está acontecendo. Democracia é povo na rua e democracia é estímulo a conversa. Invista nisso, porque é um ato de cidadania. Assine o Meio.

E este aqui é o Ponto de Partida.

Só existe um jeito de você mandar recado pra político eleito. É enchendo rua. Sabe por quê? Porque político sabe como esse negócio funciona. A coisa é a seguinte: tirar gente pra rua, ainda mais num fim de semana de sol, é dificílimo. Repostar algo numa rede social? Mole. Gravar um videozinho rápido? ‘Magina. Disparar uns memes, bater panelas na janela, isso todo mundo faz. Agora, na hora de sair de casa, ir pra rua, se juntar a um bando de gente pra gritar uma mesma mensagem? Muito difícil. Mas, depois que acontece, tem um risco. Contagia. Uma manifestação pode levar a outras maiores, se as pessoas estiverem inspiradas o suficiente, ou irritadas o suficiente. Foi assim no Fora Collor, foi assim em 2013, foi assim no Fora Dilma. Elas iam aumentando a cada nova convocação. Essas três aí acabaram com muitas carreiras políticas. Não só de Collor e Dilma, tá?

Então o que acontece em Brasília, numa hora dessas, é o seguinte: liga o alerta vermelho. Veja, os políticos sabem que a ideia da anistia é impopular. Sabem, também, que a PEC da Blindagem, ou da Bandidagem como parece que está colando, ia ser rejeitada. Eles recebem as pesquisas. Então sabem de tudo isso. Mas uma coisa é o camarada que acha um absurdo no Twitter e, dois segundos depois, abre uma cerveja, se esparrama no sofá e vai ver o jogo de futebol. O que as ruas estavam dizendo, lá pra Brasília, era o seguinte: só quem realmente está mobilizado com esse assunto são os malucos dos bolsonaristas. Então dá pra passar a boiada da impunidade que tudo bem. Caramba. Até deputado do PT e do PSB votaram nesse negócio da Blindagem.

Esse fim de semana, mudou. Agora, não está mais tão claro assim que o desejo de ser inimputável dos políticos e militares passei tão fácil. Então é hora de partir contra outra iniciativa. É a Anistia Light de Paulinho da Força e Michel Temer.

O que eles vão tentar te convencer: não é anistia. É mexer na dosimetria. Foi lá no Supremo, o ex-presidente Temer, dizendo o seguinte: olha, alguma coisa vai passar na Câmara e no Senado. É melhor deixar comigo, que vou pegar leve, do que partir pro tudo ou nada do bolsonarismo. E como, diferentemente de boa parte dos líderes bolsonaristas, o Temer sabe transitar nesses espaços todos, ele também sabe como fazer. Circula bem no Supremo, entende bem a Constituição, conhece a Câmara, o Senado e o Planalto como ninguém. Profissional como poucos na política brasileira. E, olha, pouca gente trabalhou tanto por Jair Bolsonaro como Temer. Pouca gente trabalhou com eficiência por Bolsonaro como Temer. O salvou de um processo de impeachment que ia sair quando ele tentou forçar para um golpe, no 7 de setembro de 2020. E agora está lá, de novo, trabalhando para passar a mão em golpistas.

Qual a inteligência? Muda a lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. Isso é algo que o Congresso tem plena autoridade pra fazer. Muda a lei diminuindo as penas máximas e fazendo com que dois artigos, o que pune Golpe de Estado e o que pune Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito sejam absorvidos um pelo outro. Isso quer dizer o seguinte: O Supremo decidiu que Bolsonaro e os generais são culpados dos dois crimes. Tentaram dar um golpe e tentaram abolir com violência o Estado democrático. Ou seja, soma a pena máxima de um com a pena máxima do outro. Se o texto da lei muda, dizendo que se você é culpado de ambos só conta uma das penas, o número de anos aos quais você é condenado despenca. E, claro, se o Congresso muda o tamanho das penas máximas, idem. O número de anos aos quais essa turma será condenada vai ser menor.

Entenderam o jogo? Muda a lei diminuindo a pena prevista. Pronto. Jair Bolsonaro tomou 27 anos? A pena cai para 15, 18. Isso quer dizer que nuns três a cinco anos já pode pedir progressão, ir para o regime semi-aberto, de repente até alguma liberdade. Porque, veja, se uma lei muda em benefício do réu, vale pra quem foi condenado pela lei antiga.

Paulinho da Força e Michel Temer vão tentar convencer vocês de que isso não é anistia. Os bolsonaristas estão danados. Porque querem mais. Como se o que estão oferecendo não fosse muito. Esta é uma anistia light. Estão querendo deixar generais golpistas passarem dois, três anos em casa, no conforto que sempre tiveram, para depois voltar a jogar vôlei na Praia de Copacabana.

E, de novo, políticos e militares estão querendo licença pra cometer os crimes que desejarem sem serem condenados. É tudo a mesma coisa. Uma democracia só fica de pé se qualquer cidadão compreender que há leis e que violar leis vem com uma pena acoplada. Tem um preço. Agora querem liberar não só corrupção como também emprestar avião para o PCC, assassinar com serra elétrica, violar crianças e derrubar por completo a Constituição.

Democracia é povo na rua. Um pedaço da sociedade, nesse fim de semana, entendeu que precisava gritar. Que bom.

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