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Os soluços de Bolsonaro

Hoje Tarcísio de Freitas se encontrou com Jair Bolsonaro. Pois é. Tarcísio passou duas semanas, no início de setembro, em intensa campanha eleitoral. Fez de tudo prum bolsonarista puro-sangue. Não sobrou nada da cartilha, nem mesmo xingar Alexandre de Moraes de tirano. Bonitinho pra agradar ao chefe. Aí passou as duas semanas seguintes quieto, indo de cidade em cidade no interior de São Paulo, fazendo campanha pra ser reeleito governador do estado. E, enquanto ele fazia isso, Ratinho Júnior começou a botar as manguinhas de fora. Já viram nas redes o vídeo dele vestido de cavaleiro Jedi que vai salvar o Brasil com o modelo Paraná?

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Tarcísio saiu da casa de Bolsonaro, hoje à tarde, dizendo que era cedo pra falar de presidência, que foi visitar o amigo. Falou também que o ex-presidente não aceita a anistia light de Paulinho da Força e Michel Temer, que isso na verdade é plano do Supremo. Olha, claro que não é. Mas, no mundo da fantasia bolsonarista, tudo serve.

Então. O que está acontecendo?

Um monte de coisa. Mas, antes de tudo, é preciso entender a psicologia de Jair Bolsonaro. Porque, vejam, na forma ele é todo mandão, né? Todo modelito “prendo e arrebento”. Grita, diz que é o chefe, que não vai tolerar, que isso, que aquilo. Mas, na hora do vamos ver, na hora em que ele tem de fazer a coisa mais difícil que um líder tem de fazer, Bolsonaro hesita. As pessoas não gostam quando se fala isso, mas sejamos claros. Jair Bolsonaro é um homem covarde. É aquele tipo covarde que fala muita bravata, fala muito alto, na esperança de que ninguém repare que ele está morrendo de medo. Bolsonaro não decide e Bolsonaro não age. Ele quer que os outros façam por ele. A gente vê isso a toda hora.

Bolsonaro surgiu, no governo José Sarnxey, ameaçando colocar bombas no Guandu, que é a represa que fornece água para o Rio de Janeiro. Ele queria posar de milico linha-dura, que nem os que fizeram o atentado do Riocentro, uns anos antes. Fez plano, chamou uma jornalista da Veja pra mostrar, mas ação? Zero. Pura bravata. Bolsonaro sempre foi assim. Com o golpe, agora? Mesma coisa. Queria que fizessem por ele. É aí que o golpe empacou. Queria que os militares dessem um golpe para entregar o poder a ele. Mas não queria dar a ordem direto, não queria fazer ele próprio a roldana mexer.

Olha só. 2021. Começou a aumentar a gasolina. Paulo Guedes liberalzão, lá, dizendo que era o mercado, que não tinha o que fazer. As pessoas pelas redes sociais reclamando, protestando. E ele lá ficava no faz, não faz, faz, não faz. Aí explodiu, mudou o presidente da Petrobras, e nada mudou. Não foi a primeira, tá? No início de 2019, quando começou seu governo, os caminhoneiros ameaçando greve por causa do preço do diesel, Paulo Guedes dizendo que não podia de jeito nenhum, passou dias anunciando posições diferentes, uma contradizendo a outra. Aí o 7 de setembro de 2021. Subiu no trioelétrico, jurou que não obedeceria mais decisões de Alexandre de Moraes, e o que aconteceu? O Congresso começou a falar de impeachment. E Bolsonaro? Afinou em menos de 24 horas. Chamou Michel Temer pra ligar pra Moraes e pedir desculpas.

Gente, não precisa ir longe. Ano passado. Eleição municipal de São Paulo. Bolsonaro ainda como grande líder da oposição, declarou apoio à reeleição de Ricardo Nunes. Aí Pablo Marçal começou a crescer naquele público eleitor mais radical dele, Bolsonaro. O cara desesperou. Começou a atacar Marçal. Aí não cedeu o apoio. Declarou ele próprio apoio. Quer dizer, o líder que, quando os liderados começam a ir pro outro lado, segue pra ficar na frente da coluna dizendo “olha, sou líder, tá?”. Aí voltou atrás pra apoiar Nunes, aí fingiu que não estava interessado na eleição paulistana. Fez a mesma coisa no Paraná, igualzinho em Curitiba.

Então a gente não foge disso. A primeira coisa de fundamental a entender sobre Jair Bolsonaro é que, quanto maior a pressão, quanto mais importante for a decisão, mais dificuldade ele tem de decidir. Ele é um sujeito, sim, com perfil de durão, de mandão. Mas não é um sujeito pronto a assumir os riscos que envolvem grandes decisões. Perante o perigo, Bolsonaro sempre se acovarda. Não é que nem o ex-presidente Nicolas Sarkozy que, na semana passada, disse que se por um acaso a Justiça francesa o mandar para a cadeia, irá de cabeça erguida. Não é que nem Lula que, quando viu que seria preso, preparou o plano de quem o representaria nas eleições, trabalhou pra deixar o partido unido no período da transição do deserto, deu uma festa em São Bernardo, tirou fotos mitificastes pra servirem de símbolo pra militância e foi lá se entregar à Polícia Federal. Veja, muito disso tem altas doses de demagogia, mas são líderes políticos que trabalham os símbolos da liderança pra inspirar mesmo nos momentos em que estão no chão. Preparam o caminho para o amanhã. Bolsonaro, não. É o cara que vai dormir na Embaixada da Hungria, escreve uma carta pro governo argentino pedindo asilo, e termina em casa numa crise de soluços. Tudo bem, ele é um homem doente, com um problema grave no intestino. Mas aquilo que ninguém está falando é que não é só o intestino. O sujeito tem crises de vômito e não para de soluçar porque está em pânico.

O que um líder faz, nessas horas, é ficar frio e calcular na adversidade. Bolsonaro não é esse cara. Vocês acham que ele vai definir um candidato? Gente, ele nunca tomou esse tipo de decisão na vida.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Antes da gente seguir, quero compartilhar uma novidade que eu estou super feliz em dividir. Um dos melhores filmes que o Meio já produziu, O Julgamento do Século, ganhou um epílogo. Depois da condenação de Bolsonaro e de seus aliados pela tentativa de golpe de Estado, a gente reabriu a sala de edição, refez a linha do tempo e costurou as peças que faltavam. Agora o arco fecha. Neste filme está todo o processo de como se tentou um golpe de Estado, o que estava no plano e, finalmente, a história do próprio julgamento. Assine o Meio Premium e conheça essa história no nosso streaming. Você não vai se arrepender.

E este? Este é o Ponto de Partida.

A família Bolsonaro está em disputa. Michelle Bolsonaro deu entrevista ao jornal britânico Independent dizendo claramente: se precisar me sacrificar e me lançar candidata, diga ao povo que faço. Eduardo Bolsonaro, lá dos Estados Unidos, fala para quem quiser ouvir. É o melhor nome para suceder ao pai. Enquanto isso, aqui do Brasil, essa o Lauro Jardim contou no Globo, Flávio Bolsonaro se refere ao “maluco do meu irmão”.

A família Bolsonaro tem dois problemas. Um é se manter relevante. Porque se alguém sem o sobrenome Bolsonaro se eleger presidente, acabou. O líder da direita é outro. O outro problema é como soltar Jair. Aí são dois os caminhos. Um é uma anistia pelo Congresso, o outro é um indulto dado pelo próprio presidente da República.

A anistia pelo Congresso está difícil. O Centrão, ainda mais depois da pancada que tomou por conta da PEC da Blindagem, não tem qualquer vontade de pautar uma medida impopular como o Projeto da Anistia. Esse acabou, ao menos por enquanto. E ninguém vai querer levantar essa bola, no ano que vem. Então a outra possibilidade é o plano de Michel Temer. Diminuir as penas na Lei de Defesa da Democracia. Você reduz a pena máxima de um dos crimes aqui, reduz a do outro acolá. Se a pena máxima de um crime muda na lei, a Justiça imediatamente faz retroagir as decisões passadas quando for em benefício do réu. A ideia seria diminuir as penas até que, de 27 anos em regime fechado, a condenação de Bolsonaro caísse para 16 anos. Qual a vantagem? Nuns três anos ele teria direito a progressão de regime. Poderia passar o dia na rua, trabalhando, ainda no governo do próximo presidente.

Isso tem espaço pra negociar politicamente. Só que os Bolsonaros não querem de jeito nenhum. Ou seja, sobra o quê? Sobra conseguir eleger um presidente da República de direita que ofereça o indulto e esteja disposto a enfrentar o Supremo, quando for negado. Só que, para fazer isso, tem de ter um presidente com chances de vencer e que lhe seja leal. Tudo isso foi falado com clareza. É por isso que Tarcisio de Freitas rasgou a fantasia de moderado e foi lá parquele modo bolsonarista radical, doente, que xinga antes de falar qualquer coisa.

O que Tarcisio fez foi pagar a prenda, enfrentar o desgaste com todo mundo, para provar que era digno de confiança de Bolsonaro. O que recebeu em troca? Bolsonaro não se decidiu. Olha, o Flávio até está dando sinais de que toparia ser vice de Tarcísio. Mas que importa Flávio, Michelle ou Eduardo? O que importa é Jair e Jair não se decide. E, enquanto Tarcísio comprava briga com todo mundo sem ganhar qualquer prêmio por isso, abriu-se uma avenida que Ratinho Júnior tratou de começar a ocupar. É um balé, gente. O próprio Kassab começou a se afastar de Tarcísio, ainda que discretamente. Aí o Tarcísio bateu no Kassab. O sujeito se desarticulou todo.

O que vai acontecer? Bolsonaro é tipo um Godot. A direita está esperando Godot e Godot nunca vai aparecer. A única coisa que ocorrerá é ouvirmos, bem lá longe, os soluços desse personagem tão tipicamente brasileiro. O covarde que queria ser tirano.

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