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O que o Calvo do Campari e os feminicídios têm a ver com as eleições 2026?

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id="message-list_1764695599.810979" class="c-virtual_list__item" tabindex="-1" role="listitem" aria-setsize="-1" data-qa="virtual-list-item" data-item-key="1764695599.810979"> class="c-message_kit__background c-message_kit__background--hovered p-message_pane_message__message c-message_kit__message" role="presentation" data-qa="message_container" data-qa-unprocessed="false" data-qa-placeholder="false"> class="c-message_kit__hover c-message_kit__hover--hovered" role="document" aria-roledescription="mensagem" data-qa-hover="true"> class="c-message_kit__actions c-message_kit__actions--default"> class="c-message_kit__gutter"> class="c-message_kit__gutter__right" role="presentation" data-qa="message_content"> class="c-message_kit__blocks c-message_kit__blocks--rich_text"> class="c-message__message_blocks c-message__message_blocks--rich_text" data-qa="message-text"> class="p-block_kit_renderer" data-qa="block-kit-renderer"> class="p-block_kit_renderer__block_wrapper p-block_kit_renderer__block_wrapper--first"> class="p-rich_text_block" dir="auto"> class="p-rich_text_section">Comecemos pelo choque. Pela sucessão de brutalidades que, nas últimas semanas, testemunhamos no noticiário brasileiro — e que, juntas, dizem mais sobre o país do que qualquer debate parlamentar sobre “segurança pública”.Há poucos dias, em São Paulo, uma mulher — Tainara Souza Santos, 31 anos — foi atropelada pelo ex-companheiro e arrastada por cerca de **um quilômetro** na Marginal Tietê. Tainara teve as duas pernas amputadas abaixo dos joelhos. Está em coma. A polícia prendeu o agressor, que agiu movido, segundo a investigação, por “sensação de posse” e incapacidade de aceitar o fim do relacionamento. É quase sempre isso: posse. Uma ideia de propriedade sobre o corpo e a vida da mulher.
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class="p-rich_text_section">No Recife, **Isabely Gomes de Macedo**, 40 anos, e seus quatro filhos — Aline, de 7 anos, Adriel, de 4, Aguinaldo, de 3, e Ariel, de 1 aninho — morreram queimados em um incêndio que a Polícia Civil investiga como feminicídio e homicídio. O suspeito é o marido, preso em flagrante, com histórico de agressões. A violência doméstica, conhecida pelos vizinhos e pela própria vítima, nunca recebeu atenção suficiente para evitar que cinco vidas fossem consumidas pelo fogo.Em São Paulo, outra uma mulher — **Evelin de Souza Saraiva** — levou ao menos seis tiros, disparados por seu ex-companheiro dentro da pastelaria onde trabalhava. Ele entrou no estabelecimento com **duas armas**, atirou repetidamente, feriu-a nas pernas, fugiu e continua foragido. Motivo: Evelin passou a se relacionar com outra mulher. De novo, a lógica da posse. A ideia de que a vida da mulher só tem legitimidade se orbitando o desejo masculino.
> class="p-rich_text_section">No Rio de Janeiro, o caso do **Cefet** escancarou o que acontece quando a misoginia se institucionaliza. O autor dos disparos — **João Antônio Miranda Tello Ramos** — já havia sido afastado da instituição porque se recusava a ser subordinado a mulheres. Voltou depois de um laudo psiquiátrico, e, três meses depois, matou duas servidoras: **Allane Matos** e **Laysa Pinheiro**. O feminicídio ali não foi um “ponto fora da curva”, foi o desfecho de um histórico institucional de tolerância com o comportamento misógino. Todo mundo sabia. E o que foi feito foi, pra dizer o mínimo, claramente insuficiente. > class="p-rich_text_section">E, numa escala diferente, mas simbolicamente poderosa, o influenciador Thiago Schutz, o **“Calvo do Campari”**, foi preso por agredir a namorada após ela recusar relações sexuais com ele. O laudo indica **no mínimo 11 agressões**. No dia seguinte, saiu da prisão com medidas protetivas. É a tradução perfeita da linha tênue entre o entretenimento misógino das redes sociais e a violência física real — homens ensinando outros homens a desprezar, humilhar, controlar e subjugar mulheres. > class="p-rich_text_section">Essa sequência não é exceção. É síntese.Sabe o que ela tem de pedagógica? O fato de que envolve mulheres de variadas idades, de variadas regiões, de diferentes classes e contextos sociais.E ela acontece no mesmo Brasil cuja maior capital acaba de bater recorde de feminicídios. São Paulo registrou, entre janeiro e outubro deste ano, 51 casos, tornando 2025 o ano mais letal para mulheres na capital paulista.Sim, é verdade que a tipificação penal do feminicídio aumentou os registros. Quando o crime passa a ter nome, ele passa a aparecer. Mas essa não é a história toda. O Brasil vive uma escalada de violência contra mulheres que não é nova — mas parece mais intensa, mais visível, mais brutal. Não porque “surgiu agora”, mas porque nunca deixou de existir. Porque sempre fez parte da nossa estrutura social. E porque, diante da leniência da nossa sociedade, se multiplica. > class="p-rich_text_section">Somos um país que precisou de uma **Lei Maria da Penha** para dizer o óbvio, que violência contra a mulher é grave e intolerável. Depois, precisamos tipificar o feminicídio — novamente para dizer uma obviedade, que o homicídio de uma mulher por ela ser mulher é, por si só, um tipo de crime e não um fator agravante. > class="p-rich_text_section">Precisamos de delegacias especializadas, de medidas protetivas, de campanhas constantes. E, ainda assim, continuamos matando mulheres dentro de casa, na rua, no trabalho, na escola. Continuamos permitindo que homens entendam recusa como ofensa, término como afronta, autonomia feminina como provocação. Em todas as classes sociais, em todo o território nacional.Esse tipo de mentalidade — violenta, possessiva, destrutiva — não aparece do dia para a noite. Tem raízes. Profundas. Longas. Cotidianas. > class="p-rich_text_section">E, cá entre nós, ela costuma ser ensinada desde cedo, às vezes dentro de casa. Na forma como maridos tratam suas mulheres. Na forma como meninos são educados a dominar, controlar, impor. Na forma como meninas são ensinadas a evitar provocar, a ceder, a pedir desculpas pelo comportamento masculino. Na forma como a sociedade normaliza a violência masculina como impulso, como descontrole, como “coisa de homem”. Na forma como a cultura musical popular sexualiza jovens mulheres sempre numa posição inferior, objetificada, submissa. > class="p-rich_text_section">Ela também é reforçada na escola, onde meninas já são as principais vítimas de violência: em 2024, o Brasil registrou **quase 16 mil casos de agressões em escolas**, um aumento de **23%** em relação ao ano anterior — e **a maioria das vítimas eram meninas, 58%**. Agressões, intimidação, humilhação — tudo repetido no pátio, na sala de aula, nos corredores. O menino que empurra a colega, que espalha fotos, que ameaça, que controla: ele não está “sendo criança”. Ele está aprendendo um padrão e exibindo um comportamento que, no futuro, pode virar agressão, violência doméstica, tentativa de feminicídio. E, muitas vezes, vira. > class="p-rich_text_section">Há ainda a cultura **Red Pill**, fenômeno digital de que o tal Calvo do Campari é expoente. Homens ensinando outros homens a “recuperar o poder”, “colocar a mulher no lugar”, “não aceitar recusa”, “controlar”. É uma exploração de um ressentimento que nasce nos garotos até de forma compreensível, mas que é retroalimentado com base no ódio e na desinformação, em vez de esclarecido. Esses “mentores” abdicam de ajudar os jovens a reencontrar uma posição no mundo que está, sim, mudando e que respeite o novo papel das mulheres. Em vez disso, sugerem eliminá-las.E ela é reforçada — e validada — por autoridades. Jair Bolsonaro, com suas falas abertamente misóginas, altamente violentas, foi o exemplo mais escandaloso. Mas está longe de ser o único.  Até quando tentam “elogiar” o protagonismo político de mulheres, os políticos erram feio a mão. Tarcísio de Freitas, dia desses, defendeu a presença feminina na política ressaltando a vocação das mulheres para “cuidar do lar”. O presidente Lula, quando explicou por que escolheu Gleisi Hoffman pra ser ministra, disse que era por ela ser uma mulher bonita. > class="p-rich_text_section">As instituições brasileiras, ao longo de décadas, toleraram, ignoraram, reproduziram agressões contra mulheres — explícita ou implicitamente. E uma das formas de fazer isso, sem dúvida, é fomentando ou permitindo a subrepresentação delas em cargos de poder, tá?É nesse caldo cultural que floresce o feminicídio. Não dá pra dissociar as coisas. Fica aqui pra gente debater mais isso. > class="p-rich_text_section">Eu sou a Flávia Tavares, editora do Meio. A gente vai estrear esta semana, dia 4 de dezembro, um documentário com uma das maiores mulheres do Brasil. Fernanda Montenegro, a luz e o mistério, é uma longa entrevista com a dama da nossa dramaturgia, que cobre quase um século de história da cultura brasileira. Está imperdível, gente. Mesmo. E é exclusivo pros nossos assinantes premium. Por apenas 15 reais por mês, você assina o Meio, garante acesso a toda nossa produção exclusiva, especial, aprofundada. E ainda ajuda a sustentar o nosso jornalismo gratuito. Está na dúvida ainda? Pois saiba que o Meio foi escolhido pela Aberje como a Plataforma Digital do Ano. A gente não está brincando em serviço. Então, ajude a financiar o jornalismo do Meio e seja parte dessa comunidade de quem se informa de um jeito original e consistente. class="p-rich_text_section"> class="p-rich_text_section">Estamos há semanas discutindo “segurança pública” no Brasil. A PEC da segurança pública. O PL antifacção. O endurecimento contra o crime organizado. Todos querem parecer duros. Todos querem parecer grandes protetores da população. Mas ninguém — absolutamente ninguém — inclui o feminicídio no debate.É como se esse tema não fosse parte da segurança pública, da doença de violência brasileira. Como se não tivesse relação com Estado, polícia, prevenção, proteção. Como se não fosse um problema policial, jurídico, educacional, institucional. Como se fosse assunto privado, doméstico, íntimo — quando não poderia ser mais público.O feminicídio mata muito no Brasil. Mata em todas as classes sociais. Mata adolescentes, jovens, adultas, idosas. Mata nas periferias e nos apartamentos de luxo. É transversal — e, justamente por isso, deveria ser central nas políticas públicas de segurança. > class="p-rich_text_section">Vou trazer uns poucos números aqui. O Fórum de Segurança Pública computou, de 2023 para 2024, uma estabilidade do número dos feminicídios no Brasil, que ficou em torno de 1.500. Quando a gente vai pros estados, São Paulo está entre os de maior aumento, fica em sétimo lugar, com 14%. Paraná teve um aumento de 33,7%. Goiás esteve praticamente estável, com um declínio de 1%.Todos Estados cujos governadores se vangloriam de suas políticas de segurança, claramente excluindo esse indicador da conta ou, pior, não dando importância a ele, né? Se a gente olhar pras tentativas de feminicídio, o caso é ainda mais grave. O Brasil teve um aumento de 19%. São Paulo e Paraná ficaram acima dos 50%. Goiás bateu em quase 10%. > class="p-rich_text_section">Não dá pra falar de sucesso no combate à criminalidade e não incluir feminicidas na história. Não dá. No caso de Tarcísio, que eu conheço mais de perto por ser de São Paulo, o simples fato de ele escolher uma Bolsonaro, a Valéria, para dirigir a secretaria de Mulheres já é uma mensagem bem explícita de como ele aborda o tema. Sua principal agenda é proibir o ensino de ideologia de gênero nas escolas. > class="p-rich_text_section">O governo Tarcísio congelou a maior parte da verba voltada para o combate à violência contra a mulher em 2024: dos R$ 26 milhões previstos para ações de enfrentamento à violência, somando as verbas dos programas da Secretaria da Segurança Pública (SSP) e de políticas para a mulher, apenas R$ 900 mil foram liberados para execução durante todo o ano. Em 2025, ele anunciou a abertura de mais delegacias da mulher no Estado, mas a polícia não tem pessoal pra mandar pra lá. Tem delegado viajando duas, três horas pra chegar e atender vítimas de violência doméstica e sexual. Em que estado esse atendimento vai ser feito? > class="p-rich_text_section">No plano federal, um levantamento da Consultoria de Orçamento do Senado mostrou que o governo Lula usou menos de 15% das verbas disponíveis para o plano de combate ao feminicídio. No ano em que o plano foi lançado, 2024, o Ministério das Mulheres foi, proporcionalmente, o mais atingido pelo contingenciamento de verbas anunciado pelo governo. E também naquele ano a ministra das Mulheres declarou, em agosto, não ter recebido nenhuma emenda parlamentar direcionada à construção ou à manutenção das Casas da Mulher Brasileira (CMB), que são unidades de acolhimento a vítimas de violência. Ou seja, o parlamento fica, muitas vezes, inerte diante da tragédia. > class="p-rich_text_section">Mas também há espaço pra fazermos justiça aqui. Algumas das leis mais importantes de proteção da mulher foram aprovadas no Congresso e sancionadas em governos do PT, tá? A Lei Maria da Penha é de 2006, e foi resultado de um longo processo de discussão a partir de proposta elaborada por um conjunto de ONGs, discutida e reformulada por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e enviada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. class="c-message_actions__container c-message__actions" role="group"> class="c-message_actions__group" role="group" aria-label="Ações de mensagens" data-qa="message-actions"> id="message-list_1764695603.368839" class="c-virtual_list__item" tabindex="-1" role="listitem" aria-setsize="-1" data-qa="virtual-list-item" data-item-key="1764695603.368839"> class="c-message_kit__background p-message_pane_message__message c-message_kit__message" role="presentation" data-qa="message_container" data-qa-unprocessed="false" data-qa-placeholder="false"> class="c-message_kit__hover" role="document" aria-roledescription="mensagem" data-qa-hover="true"> class="c-message_kit__actions c-message_kit__actions--above"> class="c-message_kit__gutter"> class="c-message_kit__gutter__left" role="presentation">A Lei do Feminicídio é de 2015. Nasceu da CPMI da Violência contra a Mulher, que aconteceu em 2012 no Senado. Essa CPMI era presidida e relatada por mulheres. A lei foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Agora, em 2025, a partir de um projeto da senadora Margareth Buzetti, do PSD, ela foi atualizada e passou a tipificar o feminicídio como crime autônomo, com penas ainda maiores,  que vão de 20 a 40 anos de prisão. role="presentation"> class="c-message_kit__gutter__left" role="presentation">O que esses dois casos mostram? Primeiro, que o que muitos chamam de “mimimi” de ongueiras, de feministas, de cidadãs não militantes, de mulheres em geral, é mais do que necessário, é até muito pouco. Segundo, que representatividade importa, né? Mulheres em posições de poder fazem as instituições se moverem rumo a seus interesses ou, no mínimo, em nome de sua proteção. role="presentation"> class="c-message_kit__gutter__left" role="presentation">Essa pauta deveria ser central no debate eleitoral. Central mesmo.Porque quem vai decidir a eleição do ano que vem são, em grande parte, as mulheres. De diversas classes, com realidades muito diferentes entre si — mas com algo em comum: todas estão expostas, em algum grau, à violência por serem mulheres. Todas conhecem uma amiga, uma colega, uma vizinha, uma parente que já sofreu agressão. Muitas já sofreram na pele. role="presentation"> class="c-message_kit__gutter__left" role="presentation">Todas temem andar sozinhas nas ruas, gastam um segundinho a mais pensando na roupa que vão usar passando pelo filtro do medo. Todas têm mecanismos de proteção e códigos com as amigas pra enviar sinais caso se sintam em perigo num encontro, num Uber. Todas já ouviram algum tipo de ameaça, velada ou explícita, relacionadas a suas profissões, ao seu vestuário, ao seu comportamento sexual ou afetivo, ao seu desempenho nas redes sociais.Todas ensinam suas filhas a se comportar de forma a não provocar o desejo ou a ira, ou ambos, dos homens. É um ônus de nascer mulher no Brasil. role="presentation"> class="c-message_kit__gutter__left" role="presentation">Se os presidenciáveis brasileiros levassem isso a sério, proporiam **agendas estruturais**:— educação sobre respeito às mulheres desde cedo, muito cedo, dentro das escolas;— programas de prevenção às violências contra meninas;— políticas de autonomia financeira feminina;— incentivos para que mais mulheres tenham renda, patrimônio, poder de decisão;— participação de mulheres em gabinetes, secretarias, ministérios — não como cota, mas como necessidade estratégica para enfrentar uma cultura que as mata;— garantia de cumprimento de pena para feminicidas, sem brechas, sem atenuantes, sem “arrependimento posterior”.Tudo isso faria sentido. Tudo isso dialogaria com a realidade. Com a vida real das brasileiras que vão às urnas. role="presentation"> class="c-message_kit__gutter__left" role="presentation">Chegamos a um ponto em que a pergunta não é mais “por que os casos estão aumentando de feminicídio?“.A pergunta é: **por que ainda não tratamos o combate ao feminicídio como prioridade absoluta de Estado?**A resposta é dura: porque o Brasil ainda não sabe — ou não quer — lidar com a violência que ele mesmo produz.Mas está mais do que na hora de olhar para isso. De frente. Sem desviar o rosto.Porque é o rosto das mulheres que está sendo apagado.

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