Edição de Sábado

Edição de Sábado: Barroso, o iluminista

O alívio inconfesso no plenário lotado do Supremo Tribunal Federal (STF) veio quando a nominata com mais 300 nomes deixou de ser lida. A insuportável lista de autoridades, com certeza, quebraria o encantamento da canção Todo o Sentimento, de Chico Buarque, que havia acabado de ser entoada por Maria Bethânia, acompanhada pelas cordas de João Camarero. O recém-empossado presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, nem teria muita condição de cumprir a formalidade. Ao anunciar a dispensa da leitura dos nomes, quebrando a tradição, ainda enxugava as lágrimas.

Edição de Sábado: As voltas que o mundo de Lula dá

Em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava especialmente bem-humorado na noite de terça-feira. Voltou para o hotel e, ao passar pelo saguão, aproximou-se, sorridente, de um bloco de jornalistas que insistia por uma entrevista. Já chegou se justificando. Dando batidinhas no relógio de pulso, ponderou que já era tarde e prometeu dar atenção aos repórteres no dia seguinte. Houve reclamações — afinal, Lula não havia, em momento algum da viagem, atendido a imprensa. Antes de pegar o elevador, Lula fez uma provocação. “Eu quero saber se vocês gostaram do discurso.” Repórter costuma só replicar com perguntas: “O senhor gostou? Como foi a recepção?”. E Lula, orgulhoso: “Eu gostei. Fui eu que fiz”, ele riu.

Edição de Sábado: Alexandre e a Lava Jato

A vistosa caneta dourada ficou sobre a mesa. Ela serviu apenas para a primeira assinatura, de Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). A pouca tinta produziu um traço claro, falho e travou. Foi insuficiente para que Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), deixasse sua rubrica no ofício de criação do Prêmio Nacional de Jornalismo do Poder Judiciário. Alexandre, rapidamente, sacou do bolso interno do paletó outra caneta, preta e igualmente suntuosa. A caneta passou de mão em mão. Antes de voltar para o bolso de Alexandre, foi usada por Maria Thereza de Assis Moura, presidente do Superior Tribunal de Justiça; por Francisco Joseli Parente Camelo, presidente do Superior Tribunal Militar; e por Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, representante do Tribunal Superior do Trabalho. “Só a caneta do Xandão tem tinta”, sugeriu alguém na plateia. A abstração sobre o superpoderoso ministro arrancou risos de alguns.

Edição de Sábado: O peso do Brasil no golpe do Chile

Imaginar que um estádio de futebol possa ser usado como prisão e campo de tortura a céu aberto, com execuções sumárias e corpos se amontoando, pode ser difícil para quem nunca viveu os horrores de uma ditadura. Mas é memória fresca e indelével para os chilenos que testemunharam o sanguinário golpe no dia 11 de setembro de 1973 e suas consequências nefastas. Depois da tomada do La Moneda e do suicídio de Salvador Allende, os militares, coordenados pelo general Augusto Pinochet, não se esconderam em porões para esfolar seus adversários. Fizeram isso no Estádio Nacional, lotado com mais de 40 mil presos políticos. E contaram com a ajuda inestimável do Brasil.

Edição de Sábado: Como Haddad entende a economia

Num discurso na última segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava se explicando, de novo, sobre a decisão do governo de buscar receitas na taxação de rendimentos de capital no exterior (offshore) e dos chamados fundos exclusivos – coisa de ricos e super-ricos. Ele rechaçava a comparação com o herói fora-da-lei inglês. “Eu vejo muitas vezes, na imprensa, ser tratado como uma espécie de ‘ação Robin Hood’, uma revanche”, reclamou o ministro. “Não é, absolutamente, nada disso.”

Edição de Sábado: O Exército visto por dentro

Numa caixa preta, de fechos e dobraduras douradas, revestida de vermelho, jazia um coqueiro de ouro. Ao menos naquele comecinho de janeiro, achava-se que era ouro. Na dúvida, melhor mandar avaliar. Na era digital, antes de qualquer exame físico, faz-se uma troca de fotos. Por WhatsApp. No reflexo da caixa preta, está a imagem de um homem calvo, idoso, sério, concentrado. Numa missão. É o general da reserva Mauro Lourena Cid. É uma prova num inquérito da Polícia Federal. É um registro difícil de negar, sequer minimizar. O Exército estava envolvido de forma incontornável na venda privada de um bem público. Era hora, nas palavras de um interlocutor da Força, de começar a "entregar as cabeças na tentativa de fazer o Exército parar de sangrar”.

Edição de Sábado: A cabeça de Alexandre

Numa quarta-feira de abril de 2022, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, lia as acusações do Ministério Público contra o ex-deputado bolsonarista Daniel Silveira, preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal 1044. Silveira havia incitado apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro a invadir o STF. “É inconcebível no Estado Democrático de Direito que alguém instigue; que nos dizeres do réu diga ‘o povo entre dentro (sic) do STF, agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho dele, sacuda a cabeça de ovo dele e jogue dentro de uma lixeira’”, Lindôra riu e mirou Alexandre. O ministro sorriu, com a mão na boca, erguendo os ombros. Um tanto resignado, um tanto bem humorado — como quem antecipasse algo que poucos enxergavam àquela altura. Lindôra ainda riu mais uma vez, desculpando-se. A deputada Carla Zambelli (PL-SP) também já ironizou a calva do ministro na legenda de uma foto ao lado do hacker Walter Delgatti Neto, da Vaza Jato, que depois seria contratado por ela para desacreditar as urnas eletrônicas. “O homem que hackeou 200 autoridades, entre ministros do Executivo e do Judiciário brasileiro. Muita gente deve realmente ficar de cabelo em pé (os que têm) depois desse encontro fortuito”, postou a deputada. Não são poucas as referências à cabeça de Alexandre. Direta ou indiretamente. Em ameaças ou em citações inusitadas. Todos querem saber o que se passa nela.

Edição de Sábado: A era do calor que mata começou

Quatrocentas e oitenta e nove mil pessoas morrem por ano por causa do calor; 61 mil no verão passado, só na Europa. A onda de calor de 2021 no noroeste do Pacífico matou 1 bilhão de criaturas marinhas. Os oceanos absorvem, por segundo, o calor equivalente a cinco bombas atômicas. Outra onda de calor, na Antártica, levou os termômetros aos 20ºC. O recorde histórico de alta temperatura do Canadá foi batido em 2021, com 49,6ºC. Da Europa também: 48,8ºC, na Sicília. Há menos de um mês, uma cidade chinesa marcou 52,2º C. Julho de 2023 foi o mês mais quente de que se tem registro. A última vez que o planeta esteve tão quente foi 125 mil anos atrás. O número de dias em que a temperatura passa dos 50ºC em algum canto do mundo dobrou desde a década de 1980. Cerca de 30% da população mundial está exposta a ondas de calor mortíferas mais de 20 dias por ano. Há uma chance de 98% de que ao menos um dos próximos cinco anos seja o mais quente de que se tem notícia. No fim deste século, até 75% dos habitantes da Terra viverão sob risco de morte por causa de eventos climáticos causados pelo calor. Desde a década de 1990, ondas de calor causadas por mudanças climáticas custaram à economia US$ 16 trilhões.

Edição de Sábado: Michael Sandel e o caminho para vivermos em rede(s)

A mera titulação de Michael Sandel pode soar como um contrassenso. O intelectual americano é pop e ensina filosofia política em Harvard. Filosofar sobre política, ou pensar política a partir de conceitos filosóficos, pressupõe uma disposição que, à maioria dos cidadãos, parece perdida. Ou mal dimensionada. A prática envolve formular perguntas difíceis sobre problemas complexos. Em seguida, ouvir respostas que nem sempre são as que escolheríamos. Ouvir, ouvir, ouvir. Então, encontrar o ânimo para o árduo labor de construir argumentos juntos. Tudo isso sabendo que nem sempre o senso comum será atingido.

Edição de Sábado: IA: manual do usuário

O estudo da inteligência artificial existe desde que há computadores — Alan Turing, o matemático responsável pelo primeiro cérebro eletrônico já se dedicava à questão. Machine learning, ou aprendizado de máquina, a tecnologia que serve de base para boa parte da IA utilizada hoje, foi desenvolvida nos laboratórios da IBM, em Nova York, a partir de 1955. São, portanto, técnicas antigas. Mas nunca foi um desenvolvimento rápido. Por décadas, a capacidade de processamento e de armazenamento dos computadores impuseram limites importantes. E frequentemente limites na maneira como os algoritmos eram concebidos estancavam o avanço. Na história da computação, nenhum braço teve um desenvolvimento tão acidentado, tão interrompido, quanto o da inteligência artificial. Por isso mesmo, sempre que uma barreira ao desenvolvimento aparecia, faltava verba para pesquisa e, junto, incentivo para a formação de especialistas.