Edição de Sábado: ‘O identitarismo promove uma sociedade conflituosa e hostil’

Aos 42 anos, Yascha Benjamin Mounk tornou-se um dos mais influentes cientistas políticos do mundo. No arco dos últimos seis anos, escreveu três livros que se tornaram guias de compreensão da crise nas democracias. No primeiro, O Povo Contra a Democracia, ele argumenta que há um desequilíbrio entre o lado técnico e o lado eleito dos governos. Em meio às transformações do mundo, corpos técnicos como o Judiciário e os bancos centrais vêm se tornando alvos fáceis de populistas que propõem uma leitura autoritária de governança, na qual os líderes eleitos podem atropelar o que definem os técnicos.
Edição de Sábado: Biden e a sombra de 1968

A polícia descia com virulência os cassetetes, na noite de 28 de agosto, em 1968, em frente ao Anfiteatro Internacional de Chicago. Ali dentro, as delegações estaduais do Partido Democrata tentavam definir quem seria o candidato à presidência do partido. Fora, desde a tarde, polícia e jovens manifestantes de esquerda se já enfrentavam com violência crescente. Bombas de gás foram atiradas. Policiais erguiam baionetas, os rifles com faca na ponta que pareciam vindas de uma guerra do início do século. Apenas um dia antes, Walter Cronkite, âncora da TV CBS, o homem visto como o mais confiável de todos os Estados Unidos, havia mandado apontar as câmeras ao vivo, ali mesmo dentro da convenção, quando seu melhor repórter começou a ser agredido por seguranças do partido. “Não toque em mim a não ser que tenha a intenção de me prender”, falava ao vivo Dan Rather, o correspondente na Casa Branca. O mesmo homem que, alguns anos antes, havia informado o país de que o presidente John Kennedy estava morto. A violência vinha crescente, e de toda parte, nos Estados Unidos daquele ano. O pastor Martin Luther King havia sido assassinado. O senador Robert Kannedy o seguiu. O presidente Lyndon Johnson, sob pesada pressão, renunciou à candidatura e não disputaria a reeleição. Os protestos contra a Guerra do Vietnã convulsionavam o país. E enquanto os democratas se dissolviam no caos, um populista de direita se preparava para se eleger presidente. Richard Milhous Nixon.
Edição de Sábado: Descriminalizou, e agora?

Na última quarta, chegou ao fim o julgamento sobre o porte de drogas que se arrastava no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2015. A corte aprovou a descriminalização apenas do porte de maconha e, provisoriamente, estabeleceu critérios objetivos para diferenciar o usuário do traficante: 40g ou seis plantas fêmeas de maconha. O placar foi atípico, seis ministros, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Edson Fachin, entenderam que o porte não é crime e que a lei atual o criminaliza. Luiz Fux e Dias Toffoli concordaram que o porte não é crime, mas que a lei atual é constitucional e poderia ser deixada como está. A tese vencida de que o porte seria sim crime foi defendida por Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça. No final ficou 6x2x3. E assim fez-se a descriminalização do porte da maconha no Brasil.
Edição de Sábado: Em nome delas

Em 1993, recém-formada em Direito, filha do então secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo (e futuro presidente da República), Luciana Temer decidiu prestar concurso para delegada. Aprovada, tornou-se titular da delegacia de Defesa da Mulher de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo. Embora já tivesse tido alguns momentos de brutal contato com a bestialidade do mundo, considerava-se fruto de uma bolha que flutua sem grandes percalços na elite econômica do país. Foi ali, nos cinco anos diante da “vida como ela é”, como define, que Luciana compreendeu a dimensão da violência contra mulheres, de todas as feições, classes e origens. Luciana passou anos na vida pública, sempre lidando com a extrema vulnerabilidade social. Foi secretária de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo na gestão de Geraldo Alckmin, no período em que a Febem se tornou Fundação Casa. Depois, foi secretária de Assistência Social de Fernando Haddad, na capital paulista, e ajudou a tocar o programa De Braços Abertos, na Cracolândia.
Edição de Sábado: Nova era dos extremos

O resultado das eleições para o Parlamento Europeu, realizadas em 27 países do bloco no último domingo, 9 de junho, mostram uma guinada do continente para a direita. Embora o centro democrático ainda domine a maioria da Casa, a votação histórica dos dois superpartidos que compõem a ultradireita, o Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), que conquistou 76 assentos, e o Identidade e Democracia (ID), com suas 58 cadeiras, muda o centro gravitacional da política do velho continente e impacta não apenas o jogo de poder regional como a política interna de cada um dos membros da União Europeia (UE).
Edição de Sábado: A realidade argentina nos 6 meses de Milei

“Não há dinheiro”, gritou Javier Milei em sua posse, em 10 de dezembro passado, numa quente manhã do verão portenho, diante do Congresso Nacional. Seus eleitores, sem se assustar com o anúncio de grandes ajustes, o aplaudiam e gritavam: “Milei, amigo, o povo está contigo”.
Edição de Sábado: Cálculo do futuro

Aos 16 anos, Gabriela Lewenfus sonhava ser bailarina. Pouco depois, pensou em Biologia. Na época do Enem, cogitou Engenharia Química, mas acabou optando por Biomedicina. Excelente aluna em matemática desde a escola, depois de dois anos de graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, notou que ia muito bem nas aulas de cálculo. Sem paciência para horas de laboratório, decidiu mudar de curso. E escolheu o que até então jamais havia passado por sua cabeça: Matemática Aplicada. Apesar de o caminho até lá ter sido meio que por acaso, encontrou-se em uma área que oferece muito mais do que poderia imaginar. “Menina nunca pensa em matemática. E eu sempre fui muito boa nessa matéria, mas nunca pensei em fazer nada com isso. Se eu tivesse de escolher o curso agora, teria optado pela matemática desde o início.”
Edição de Sábado: Força bruta

Foi como se um tornado tivesse cruzado por Passo de Estrela. De repente, tudo se foi, como se nunca tivesse estado ali. Casas, ruas, prédios, bichos, gente, tudo desapareceu em poucas horas, deixando marcas de uma violência brutal. Do alto, era quase impossível acreditar que, até poucos dias atrás, milhares de pessoas viviam em mais de 500 casas desse bairro simples de Cruzeiro do Sul, uma cidade às margens do rio Taquari, a quase 150 quilômetros de Porto Alegre. Só de baixo, caminhando pelos destroços, era possível encontrar sinais do que fora uma comunidade bem estabelecida até poucas semanas.
Edição de Sábado: A primeira vítima

No Palácio do Planalto, o alerta vermelho de que era preciso uma operação robusta da comunicação para combater notícias falsas sobre as cheias no Rio Grande do Sul acendeu na segunda-feira, 6 de maio. Nas redes, as atenções dos usuários estavam divididas entre dois impactos: conservadores estavam indignados com as cenas sensuais do show da cantora Madonna na Praia de Copacabana, que havia ocorrido na noite de domingo. Também todos assistiam, com perplexidade, aos vídeos divulgados da cheia do Guaíba, inundando Porto Alegre e a região metropolitana da capital gaúcha com as águas que já haviam causado estragos na região serrana do Rio Grande do Sul.
Edição de Sábado: Depois da tempestade

Na noite de quarta para quinta-feira, no Brasil dos vira-latas caramelos, muitos concordavam em ceder o apelido mais clássico e carinhoso dos cachorros sem raça definida para outra espécie. Imóvel, a imagem de um cavalo em cima de um dos telhados ainda parcialmente visíveis de Canoas (RS) provocava uma enxurrada de perguntas em cada mente. Como ele chegou até ali? Há quanto tempo? Até quando resistirá? Como resgatá-lo? Com helicóptero? Como içar um bicho tão grande e pesado. Melhor levar uma balsa? Tem profundidade suficiente? Dá para tirar de barco? É melhor se concentrar em salvar gente? E mais: parecia sonho, parecia filme.