Edição de Sábado

Edição de Sábado: Michael Sandel e o caminho para vivermos em rede(s)

A mera titulação de Michael Sandel pode soar como um contrassenso. O intelectual americano é pop e ensina filosofia política em Harvard. Filosofar sobre política, ou pensar política a partir de conceitos filosóficos, pressupõe uma disposição que, à maioria dos cidadãos, parece perdida. Ou mal dimensionada. A prática envolve formular perguntas difíceis sobre problemas complexos. Em seguida, ouvir respostas que nem sempre são as que escolheríamos. Ouvir, ouvir, ouvir. Então, encontrar o ânimo para o árduo labor de construir argumentos juntos. Tudo isso sabendo que nem sempre o senso comum será atingido.

Edição de Sábado: IA: manual do usuário

O estudo da inteligência artificial existe desde que há computadores — Alan Turing, o matemático responsável pelo primeiro cérebro eletrônico já se dedicava à questão. Machine learning, ou aprendizado de máquina, a tecnologia que serve de base para boa parte da IA utilizada hoje, foi desenvolvida nos laboratórios da IBM, em Nova York, a partir de 1955. São, portanto, técnicas antigas. Mas nunca foi um desenvolvimento rápido. Por décadas, a capacidade de processamento e de armazenamento dos computadores impuseram limites importantes. E frequentemente limites na maneira como os algoritmos eram concebidos estancavam o avanço. Na história da computação, nenhum braço teve um desenvolvimento tão acidentado, tão interrompido, quanto o da inteligência artificial. Por isso mesmo, sempre que uma barreira ao desenvolvimento aparecia, faltava verba para pesquisa e, junto, incentivo para a formação de especialistas.

Edição de Sábado: Joga, bonita

De trás da linha do meio campo, Formiga lança para Tamires na esquerda, numa invertida precisa. A lateral toca, de primeira, para Marta. Ela domina sem tocar na bola. A linha de três da defesa adversária está montada. Marta ergue a cabeça. Enxerga Cristiane invadindo a zona do agrião e apontando para o meio. Marta cruza. A essa altura, já são sete adversárias na área. Cristiane marca. De letra. Go-la-ço. Era o segundo do Brasil, que ganhou de 5 a 1 da Suécia. Esse gol de Cristiane sacramentou o recorde de um atleta, masculino ou feminino, com mais gols em Olimpíadas, até hoje não superado: 14. Quase 23h e o Engenhão estava lotado naquele segundo jogo da Seleção feminina nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio. “Marta é melhor que Neymar” foi o grito mais entoado pela torcida de mais de 43 mil pagantes. Ela já havia sido eleita a melhor jogadora do mundo cinco vezes. Ele, nenhuma. Nas camisas verde-amarelo dos torcedores, o nome do camisa 10 da Seleção masculina começava a aparecer riscado, dando lugar ao da camisa 10 da feminina. As jogadoras de futebol do Brasil haviam, enfim, conquistado os brasileiros.

Edição de Sábado: O gene delator

E.* tem 32 anos e seu pai foi diagnosticado com Huntington, uma doença rara, mas autossômica dominante. Isso significa que E.* tem 50% de risco de ter herdado do pai esse distúrbio que causa degeneração lenta, porém severa da saúde física, mental e emocional. Se E.* tiver o gene para Huntington, vai inexoravelmente manifestar a doença — provavelmente não agora, e sim lá pelos 40, 50 anos de idade. É quando o gatilho dos movimentos involuntários e da deterioração intelectual, característicos do Huntington, costuma ser acionado.

Edição de Sábado: O design do prazer

Ingrid Guimarães dá vibrador de presente a Grazi Massafera. Luiza Brunet diz adorar lingerie e vibrador. Angélica dá vibrador de Dia das Mães. Não se assuste, você não recebeu a newsletter errada. Todos esses títulos têm algo em comum: o vibrador. Aquilo que um dia foi tabu, hoje é tratado de forma mais aberta e com o entendimento de que prazer é um elemento da saúde e do bem-estar. Não é à toa que o uso desses apetrechos é discutido em podcasts, nas redes sociais e na telinha. O filme sueco O Ano em que Comecei a Vibrar por Mim (Netflix) mostra a reconexão de uma mulher com sua vagina às vésperas de fazer 40 anos. A série espanhola As Garotas do Fundão (Netflix) retrata em um de seus episódios a descoberta do sugador por duas mulheres na casa dos 40. Já em Valéria (Netflix), também da Espanha, o uso de vibradores é rotineiro entre as personagens que estão entrando nos 30.

Edição de Sábado: Espelho do Poder

“Antes tarde do que Cunha”. Era uma comemoração a frase impressa no cartaz de papel alaranjado erguido pelo deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) diante da face impávida de Eduardo Cunha (então MDB-RJ). O palco era o Plenário da Câmara no dia 12 de setembro de 2016. Sem mover um único músculo da face, e com aquele sorriso nervoso de lábios cerrados, o ex-presidente da Casa ouvia sua sentença de cassação de mandato: “Está aprovado o parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar à representação número 1 de 2015”, formalizou Rodrigo Maia (então DEM-RJ), do alto do posto que pertencera a Cunha quatro meses antes.

Edição de Sábado: Transinfância

Antes dos quatro anos de idade, Lucas (o nome foi alterado para preservar a intimidade da criança) já chegava à escola de olho em um cabideiro repleto de fantasias. Como o hábito diário de escovar os dentes, ele tirava sua bermuda e já se dirigia aos cabides enfileirados, onde sempre sacava a mesma saia, vestia e, só depois, partia para a aula e brincadeiras com os coleguinhas de turma. A vestimenta só voltava a ser pendurada no fim do turno, quando se despedia da professora. Saía da escola, de calção, meio desajeitado. Nessa época, Lucas ainda não havia expressado aos pais o que já compreendia sobre si mesmo. Mas sabia que era preciso lavar a saia, surrada pelas brincadeiras. “Está suja. Posso levar para minha mãe lavar?”, perguntou a criança, dirigindo-se à professora. Mas foi entre quatro e cinco anos que Lucas surpreendeu a mãe: “Eu sou uma menina, mamãe!”.

Edição de Sábado: De cabeça feita

Antes mesmo do café da manhã, todos os dias, chega o cardápio no grupo do WhatsApp. Diferente do tradicional, este não oferta quitutes, pães ou bolos. Mas abre outros tipos de apetite e atrai uma vasta clientela. No menu desta quarta-feira, o menu era: prensado, Manga Rosa, Lemon Haze, Banana Kush, Critical, AK 47, Colombian Gold, Ice e Dry. São tipos de maconha. Junto da lista, o fornecedor envia vídeos detalhando cor, textura e densidade para comprovar que os produtos estão frescos. Então, desembolsando entre R$ 4 e R$ 110 por grama, via pix, cartão de crédito ou débito, os clientes retiram a mercadoria em alguma estação de metrô ou pagam frete para recebê-la em casa, num envelope lacrado. Assim funciona um grupo, lotado, de venda de drogas em São Paulo. Embora ilegal, está longe de ser o único. Em outro, circula um convite. “Mulher, se o objetivo é relaxar, vem para o nosso encontrinho. No dia 26/6, vamos bater papo, ouvir música boa e curtir uma massagem deliciosa. Tudo isso, numa tarde free cannabis, com comidinhas cannábicas, becks de presente e piteira de vidro para brilhar muito na redução de danos”, diz a mensagem.

Edição de Sábado: Terra de gigantes

Foram 67.423 os pagantes no estádio Mané Garrincha, no dia 15 de junho de 2013. A capital do país do futebol tinha, ela mesma, um futebol raquítico e aquela construção colossal encerrava em si muitos contrassensos — típicos das nações que recebem copas e olimpíadas. Mas as arquibancadas estavam cheias. Do lado de fora, alguns protestos tímidos eram fortemente reprimidos pela Polícia Militar do Distrito Federal, sangue nos olhos, recém-treinada a lidar com atos terroristas em preparação para receber as copas das Confederações e do Mundo. Lá dentro, camisas verde-amarelas vaiavam com fôlego a presidente Dilma Rousseff. Com um misto de constrangimento e desdém, Dilma declarou o início da competição. Dois dias depois, um grupo de 5 mil manifestantes caminharia pela Esplanada dos Ministérios. Cerca de 300 deles, alguns descamisados, zero mantos da seleção à vista, subiriam a rampa do Congresso aos gritos de “O gigante acordou”. Eram muitos os gigantes que, despertos, tomavam as ruas do Brasil em junho daquele ano. E eles tinham feições, figurinos e demandas bem diferentes.

Edição de Sábado: Mano a mano

Era madrugada em Pequim. No bar do hotel, alguns deputados e senadores brasileiros papeavam para passar as horas até o momento marcado para embarcar para o Brasil. O avião decolaria às 7h. Dormir poderia significar risco de perder o bonde. Era a turma de uns cinco parlamentares do Centrão. Tinham acompanhado a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China em meados de abril. A noite avançava em queixas.