Bolsonaro versus governadores

Foi duro, muito duro, o embate por teleconferência entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador paulista, João Doria Jr. A conversa, que envolvia de um lado o Planalto e, do outro, o comando dos quatro estados do sudeste já estava em curso quando Doria tomou a palavra. “Inicio na condição de cidadão, de brasileiro, lamentando seu pronunciamento de ontem à noite à nação”, afirmou o governador quando lhe foi passada a palavra. “O senhor, como presidente da República, tinha que dar o exemplo. Tem que ser um mandatário para liderar o país e não para dividir.” Bolsonaro se exaltou. “Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente da República”, afirmou com indignação. “Não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal, que fez completamente diferente o que outros fizeram no passado. Vossa excelência não é exemplo para ninguém.” Assista ou leia. (Poder 360)

Ao lado do presidente, em silêncio constrangido, o vice-presidente Hamilton Mourão fazia não com a cabeça. (Globo)

Então... O nível de irritação da família presidencial com Mourão está elevado, conta Guilherme Amado. Ontem, quando perguntado sobre qual a política a seguir, o vice afirmou que é de quarentena total. A posição do nosso governo, por enquanto, é uma só: o isolamento e o distanciamento social”. É exatamente o oposto do que Bolsonaro defendeu na TV na noite de terça e, à porta do Alvorada, na manhã de quarta. Na semana passada, chamara o filho Zero Três de Eduardo Bananinha. (Época)

Mourão pode estar fazendo gestos de discreta resistência. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não. Durante a coletiva diária do ministério, passou a defender o isolamento parcial preferido pelo presidente. É uma mudança de postura. No domingo, o vereador Carlos Bolsonaro teve com ele uma conversa sobre a estratégia de comunicação, diz Bela Megale. (Globo)

Mandetta fica, seu mentor político sai. O governador goiano Ronaldo Caiado rompeu ríspido com o Planalto. “Fui aliado de primeira hora, mas não posso admitir que venha agora um presidente da República lavar as mãos e responsabilizar outras pessoas por um colapso econômico ou pela falência de empregos que amanhã venha a acontecer. Não faz parte da postura de um governante.” Assista. (G1)

Parte do que move o presidente pelo relaxamento da quarentena vem de investidores. “Nas últimas semanas tivemos muita pressão daqueles que colocaram recursos na Bolsa, esperando 150 mil pontos, 180 mil pontos”, contou em entrevista o presidente da Câmara Rodrigo Maia. “Nós colocarmos as vidas dos brasileiros em risco por uma pressão de parte de brasileiros que investiram na Bolsa e está perdendo dinheiro? Quem foi para o risco, foi para o risco.” (Estadão)

Pesquisa do Atlas Político: 47,7% dos brasileiros apoiam o impeachment de Jair Bolsonaro. 45% o rejeitam, informa Mônica Bergamo. (Folha)

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Sérgio Abranches: “Bolsonaro gera crises porque imagina que elas o favorecem e porque não consegue conter sua personalidade conflituosa, assombrada por paranóias seriais. A teleconferência com os governantes do Sudeste foi um desastre político. Bolsonaro escolheu o distanciamento político radical dos governadores, do Congresso e de seus auxiliares mais equilibrados. Incapaz de cumprir com suas responsabilidades como primeiro mandatário em um estado de calamidade pública, força seus ministros a um comportamento leviano que pode resultar em perdas elevadas de vidas humanas. É simples, ou se enquadram ou saem. Bolsonaro deve imaginar que poderá culpar os governadores e prefeitos pela recessão, que será global. Com a justaposição entre a mais séria crise de saúde coletiva da história recente, a paralisação econômica e a crise política, o Brasil vive um dos mais dramáticos de sua história e o de maior risco político do período posterior ao regime militar. Diante do grau de incerteza que experimentamos, todos os governantes têm por obrigação moral tomar as medidas de precaução considerando o pior cenário. Na incerteza o melhor cenário nunca pode ser o guia, sob o risco de causar perdas muito maiores à sociedade.” (SA)

Thomas Traumann: “O que Bolsonaro e Trump estão defendendo é em manter a economia em ritmo quase normal, permitindo a infecção de grande parte da população. Na teoria, a maioria ficaria doente com sintomas leves e a sociedade desenvolveria uma imunidade coletiva. Lógico, nesse meio tempo, os mais frágeis e velhos morreriam numa espécie de darwinismo sanitário que protegeria a economia. A recessão econômica deste ano é um dado da natureza, mas Bolsonaro quer empurrar para o colo dos governadores a responsabilidade pela crise. Quando centenas de milhares de pessoas perderem seus empregos, a quem vão culpar? A Bolsonaro, que diz se compadecer das suas angústias, ou aos governadores, que decidiram pelo fechamento do comércio? O presidente joga ainda com o fato de a rede hospitalar federal ser pequena. A maior quantidade dos corpos dos mortos irá se avolumar nos corredores dos hospitais estaduais, e novamente o presidente poderá acusar os governadores. Qual imagem que afetará 1º a vida do eleitor, a de filas de desempregados ou a de caixões? Posto assim, tudo parece um jogo político frio e desumano, como uma partida de xadrez. E é. Nós, brasileiros, somos os peões.” (Poder 360)

O Senado americano aprovou, ontem, por unanimidade, um pacote de incentivo à economia de US$ 2 trilhões. É o maior da história e representa 10% do PIB dos EUA. Falta a Câmara votar — o presidente Donald Trump já afirmou que vai sancionar. (CNN)

Viver

Números oficiais apontam 2.433 casos e 57 mortes no Brasil. Mais de 300 pessoas trouxeram o vírus para o Brasil ao mesmo tempo, em sua maioria passageiros que chegaram da Itália para São Paulo. Faz diferença. Ao contrário de China e de outros países, onde o surto avançou devagar, por aqui foi uma explosão de casos por toda parte. (Estadão)

Aliás... Os dados divulgados pelo Ministério da Saúde têm sido questionados por especialistas. No começo, o governo demorou a exigir que todos os casos fossem notificados. A primeira morte no Brasil, por exemplo, não estava entre os casos confirmados. O governo só exigia notificação se o paciente desenvolvesse síndrome respiratória aguda grave ou se tivesse vindo do exterior, e por isso excluía casos leves e contaminações que ocorressem dentro do país. Com o avanço da epidemia, o ministério ainda deixou de divulgar casos suspeitos, mesmo que estivesse coletando estes números. A falta de dados leva especialistas a calcularem números de casos muito maiores do que os confirmados oficialmente. (Agência Pública)

Pois é... Mesmo com a quarentena já instalada, cientistas preveem que o avanço do coronavírus poderá ocorrer mais rápido do que as previsões existentes no Rio, em São Paulo e em Brasília. Na próxima semana, os casos podem chegar a 16 mil, segundo as contas de pesquisadores da USP, UFRJ e UnB. A previsão é pior para Brasília, que pode vir a ter o dobro de casos de São Paulo. (Época)

Apesar do que diz o presidente, o confinamento tem se provado uma medida efetiva. Segundo pesquisadores britânicos, as restrições sociais apressaram o controle do coronavírus em Wuhan. O confinamento pode reduzir em até 92% a gravidade que a pandemia teria em meados deste ano se nada houvesse sido feito. Assim como pode diminuir em 24% a gravidade esperada para o final do ano. Em termos claros: morrerá menos gente graças à política do todos em casa. (Folha)

E há o exemplo da Itália... Quando havia 17 mortes na região do norte, os governos locais começaram medidas de confinamento. O premiê Giuseppe Conte contestou, preocupado com o impacto no turismo. No embate entre governos locais e nacional, houve confusão e as pessoas voltaram às ruas. Em três dias havia 34 mortos — aí explodiu. A Itália, ontem, já havia registrado 7.503 vítimas e é o recordista em número de mortes do mundo. Desde então, Conte pediu o isolamento total de todos. (El País)

A hidroxicloroquina, remédio usado contra a malária, será liberada para o uso em pacientes graves com Covid-19. De acordo com o protocolo do ministério, o medicamento poderá ser usado por cinco dias, sempre dentro do hospital e monitorado por um médico, em razão de seus graves efeitos colaterais. A droga ganhou destaque mundial mas ainda não passou por testes clínicos. (Globo)

Ao menos um estudo, realizado na China apontou que o uso do medicamento contra a malária não foi mais eficaz do que o tratamento convencional contra a Covid-19. (Bloomberg)

Os efeitos econômicos são sentidos. Uma semana de quarentena já é tempo o suficiente para que 72% dos moradores de comunidades carentes terem seu padrão de vida rebaixado. 32% das 13,6 milhões de pessoas terão dificuldades na compra de itens básicos de sobrevivência, como alimentos, segundo o Data Favela. Com quase metade trabalhando de forma autônoma e informal, 7 em cada 10 famílias afirmaram já terem tido redução na renda desde o início da pandemia. (Folha)

Então... 70% dos casos no Rio ainda estão concentrados em bairros ricos. Mas especialistas dizem que a tendência é de que, nos próximos dias, avance para as regiões mais carentes. (UOL)

Enquanto isso… A Aneel determinou que as concessionárias de distribuição elétrica não podem cortar o fornecimento de luz dos inadimplentes ao longo dos próximos 90 dias, informa Guilherme Amado. (Época)

A Espanha é mais um país europeu que ultrapassou a China no número de mortes. São 3.434 pessoas, agora, ficando atrás apenas da Itália, que tem mais de o dobro. O aumento diário das fatalidades entre os espanhóis, no entanto, parece ter se estabilizado e há esperanças de que o pico da pandemia esteja próximo. (Globo)

Na Itália, as regras de confinamento estão ficando mais restritivas. Só é permitido deixar a casa para fazer compras essenciais ou trabalhar. E é precisam levar um documento do governo explicando o motivo de estarem fora de casa para não pagar multa de até € 200. Passear com o cachorro virou desculpa para tomar também um pouco de ar fresco — há quem se ofereça para levar os cães dos vizinhos. Tem até quem leve filhotes falsos para passear. (Politico)

Em Tóquio e em Hong Kong as autoridades estão pedindo políticas de isolamento mais restritas. O temor dos governos locais é perder o controle e voltar a ter crescimento no número de casos. (The Guardian)

Cultura

Pode ser Netflix ou Globoplay, Now ou Amazon Prime, talvez HBO e até YouTube. Vai haver muito streaming em nossas vidas. Os críticos de O Globo fizeram uma lista de boas dicas do que assistir. Há clássicos como O Poderoso Chefão (Now) e Luzes da Ribalta, de Charlie Chaplin (Telecine Classic), mas também a animação japonesa A Viagem de Chihiro (Netflix) e a série Years and Years (HBO), sobre a estranha possibilidade de uma populista nacionalista chegar ao poder no Reino Unido. E outros.

Cotidiano Digital

Vivemos um tempo de videoconferências. Para o trabalho, claro, mas também para que os filhos vejam os amigos — e também há o happy hour ou a sexta à noite, agora feita com cada um em sua casa. Pois monte, numa sala, seu cenário. O ideal é um ambiente bem iluminado, uma iluminação que venha de frente para o rosto. (Luz de cima dá olheira.) O ideal é que a câmera observe você de frente, não de cima ou de baixo. Ao falar, olhe para a lente, não para a tela. (Demora para acostumar, mas todos nos acostumamos.) Atrás podem haver ou alguns objetos interessantes. Vasos, plantas, velas, uma lâmpada fraquinha — há quem use um cesto de frutas. Que jamais seja bagunçado. O que aparece na câmera deve estar organizado. Cuide para que as pessoas em casa saibam, quando a reunião é séria, que não dá para criança entrar naquele quarto. E aproveite. Estamos só começando — mesmo após a quarentena, videoconversas e lives vieram para ficar.

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