Prezadas leitoras, caros leitores —

Quando perguntado pela jornalista Míriam Leitão se a democracia corre riscos no Brasil, o historiador José Murilo de Carvalho foi sucinto e direto: “Corre.” Comentando no Fantástico o desfile com tochas da extrema-direita em Brasília, o também historiador Boris Fausto foi igualmente enfático. “Eles estão expressando as piores coisas que existem na alma humana: a perseguição, a violência. E falam em liberdade e democracia. É realmente uma coisa estarrecedora. Portanto, são coisas minoritárias em número, mas muito graves como expressão.”

José Murilo e Boris são os decanos da busca por compreensão de Brasil. Quando eles falam, devemos prestar atenção.

O Brasil tem um presidente da República que não considera o STF a última voz em interpretação da Constituição. E se cerca de generais para trazer como ameaça o espectro do passado. Bolsonaro não respeita as regras mais básicas da democracia. Num momento como este, cá no Meio acreditamos que mágoas passadas, egos e disputas de ideias devem ser deixadas de lado por todos os democratas. Há uma luta a ser travada, uma luta marcada por um único valor que todos defendemos: nossa democracia. Nós a perdemos por vezes demais. Não pode acontecer de novo. Não vai acontecer de novo.

Não é nossa percepção que as instituições estejam paradas. O STF está agindo e vozes o suficiente no Congresso Nacional deixam claro, mesmo que falando de forma reservada, que o impeachment pode vir. Mas depende de uma queda, já em curso, da popularidade do presidente. É, por vezes, angustiante. E ainda será angustiante por um tempo. Ao fim, Bolsonaro terá custado a vida de muitos brasileiros pela irresponsável condução da República durante a pandemia. O Brasil já ultrapassa meio milhão de casos confirmados de Covid-19 e está para cruzar a linha dos 30 mil mortos. Nos tornamos o epicentro mundial e temos um presidente que segue desdenhando da tragédia. Não precisava ter sido assim.

É nossa convicção que a união de todos em prol do objetivo comum é fundamental. Inclusive para manter a necessária pressão sobre o Congresso Nacional. Não se trata de uma briga por quem será o próximo presidente. Pela busca de um líder. A briga é para seguirmos sendo uma democracia.

— Os editores.

Protestos e tensão marcam fim de semana

Foi um fim de semana de protestos pelo Brasil. Na noite de sábado, poucas dezenas de pessoas do grupo batizado de 300 se aglomerou à frente do Supremo para protestar contra as investigações que envolvem o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores. Portavam tochas seguindo a estética compartilhada por fascistas e Ku Klux Klan. No domingo, torcidas organizadas de Corinthians, Palmeiras e Santos se encontraram na Avenida Paulista em um ato pró-democracia. Quando já estavam lá fazia mais de uma hora, por volta das 13h, houve um conflito com grupos pró-bolsonaristas. A polícia investiga se o estopim foi o uso de uma bandeira utilizada pelo movimento neonazista ucraniano. Neste momento, a PM tratou de separar os dois grupos — mas os ânimos estavam acirrados e os torcedores puseram barricas pela rua, com objetos em chamas. Os policiais chegaram a disparar bombas de efeito moral contra este grupo, que reagia lançando pedras. Ainda é difícil afirmar quem iniciou as hostilidades. Também na manhã de domingo, Bolsonaro recebeu em frente ao Planalto simpatizantes. Uma das faixas dizia: ‘Forças Armadas, fechem o Congresso e o STF já’. Sobrevoou de helicóptero a pequena manifestação e passou em revista, montado em um cavalo da PM. (G1)

Míriam Leitão: “Não existe o dono da rua. O presidente se comportava como se a rua fosse dele. O que este domingo mostrou é que o país tem várias vozes. As que o apoiam estão se aproximando perigosamente do que há de pior na extrema direita. As ruas pareciam unânimes porque os que discordam do presidente estão tentando respeitar as normas de segurança de não fazer aglomeração. O protesto pro-democracia deste domingo nasceu convocado por torcidas de futebol. É como se as panelas estivessem cansadas de ficar apenas nas janelas e fossem para a rua mostrar que a democracia tem seus defensores também. Um líder simplesmente não faz o que Bolsonaro tem feito: aumentar as fraturas da sociedade no meio de uma tragédia sanitária, que tem como único remédio o isolamento social. O resultado óbvio dessa presidência insensata foi o confronto de grupos, como o que houve na Paulista.” (Globo)

Igor Gielow: “O conflito nos atos pró-democracia em São Paulo é tudo o que o bolsonarismo poderia querer para invocar seus fantasmas de uma intervenção militar em favor do presidente da República, ainda que o escopo dos incidente seja mínimo. A questão se chama artigo 142 da Constituição, uma peça mal redigida que permite leituras diversas. Desde que a esquerda colocou o governo de joelhos com protestos no Chile, o presidente brasileiro insinua que o mesmo se dará por aqui. Para, logicamente, invocar sua leitura torta do artigo 142. Sob ele, qualquer Poder constituído poderá chamar militares para resolver situações de anarquia. Nada disso se insinua com algumas centenas ou milhares de torcedores na avenida Paulista, é óbvio. Mas o que importa são as cenas pinçadas de embate com a Polícia Militar.” (Folha)

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O ministro Celso de Mello foi particularmente duro na leitura que fez a seus pares, no Supremo, do momento brasileiro. “Guardadas as devidas proporções, o ‘ovo da serpente’, à semelhança do que ocorreu na República de Weimar, parece estar prestes a eclodir no Brasil”, escreveu. É a metáfora habitual para tratar do surgimento do nazismo. “É preciso resistir à destruição da ordem democrática. ‘Intervenção militar’, como pretendida por bolsonaristas e outras lideranças autocráticas que desprezam a liberdade e odeiam a democracia, nada mais significa, na novilíngua bolsonarista, senão a instalação, no Brasil, de uma desprezível e abjeta ditadura militar.” (Globo)

Marcos Nobre: “O inquérito das fake news é um exemplo perfeito para demonstrar esse colapso institucional. Na sua origem, esse inquérito foi classificado, quase unanimemente entre os juristas, como algo inédito e sem amparo na legislação. Isso é um indício de colapso institucional. Mas o colapso maior ocorre quando Bolsonaro tenta se apossar da Polícia Federal, com a ideia de que um órgão de Estado é um instrumento do governante. O ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a tomar uma atitude efetiva para barrar o projeto autoritário de Bolsonaro. Foi o primeiro que não fez nota de repúdio, manifesto, reunião virtual e agiu para atingir um pilar de sustentação de Bolsonaro, que é essa rede de desinformação, calúnia e difamação que sustenta uma boa parte da base dele. O ministro foi direto na ferida e usou mecanismos institucionais para combater um Estado que é de absoluta anormalidade. Nós não podemos combater com armas normais uma situação anormal. Não tem nada normal funcionando, mas é importante ter feito isso, principalmente num momento em que Bolsonaro resolve fazer um governo de guerra. Nessa escalada retórica, há um lado simplesmente diversionista, que é tirar o foco da pandemia, porque Bolsonaro sabe que vai ser responsabilizado pela falta de resposta do País, pela recessão econômica e pelo agravamento das duas pela crise política que ele produziu. O outro lado é: qual é a probabilidade de isso acontecer? No momento, como golpe organizado, ainda parece baixa. Isso não impede que haja atos descoordenados e isolados por parte de uma base fanática de Bolsonaro, armada e militarista.” (Estadão)

Há um debate em curso na comunidade das pesquisas de opinião. De acordo com Andrei Roman, CEO da Consultoria Atlas que produz uma pesquisa, há um problema na distribuição amostral dos levantamentos feitos pelo Datafolha. Dentre os eleitores que votaram no segundo turno, em 2018, 63% dos entrevistados dizem ter votado em Bolsonaro e, 37%, no petista Fernando Haddad. É uma diferença de 25% — quando a distância entre os dois, na eleição, foi de 10%. Este viés, diz Roman, sugere que há um excesso de bolsonaristas na amostra, o que distorce o resultado final. O Datafolha vem indicando que o presidente tem por volta de 33% de apoio enquanto as outras pesquisas aproximam o resultado da casa dos 25%. (El País)

Manifestantes voltaram às ruas nas principais cidades dos Estados Unidos no domingo, em mais um dia de protestos contra o racismo após a morte do ex-segurança George Floyd. Após um início pacífico, que contou com a participação de policiais em alguns estados, houve novos confrontos e prisões. Dezenas de cidades estão sob toque de recolher e ao menos cinco pessoas morreram desde o início dos protestos, na semana passada, segundo o New York Times. Outras centenas foram detidas.

Em Minneapolis, um caminhão-tanque avançou sobre os ativistas, mas ninguém ficou ferido. O motorista foi retirado do caminhão e espancado por manifestante.

Pois é... uma família negra em Minneapolis ganha por ano menos da metade do que uma família branca, em média. E a propriedade de imóveis entre negros é três vezes menor que entre as famílias brancas. Como resultado, muitas famílias negras foram efetivamente excluídas da prosperidade de que desfruta a população predominantemente branca da cidade. As comunidades negras da cidade também sofreram outras formas de repressão. Nas décadas de 50 e 60, os planejadores urbanos devastaram o bairro de Rondo, historicamente de negros, transformando sua principal avenida na rodovia Interestadual 94.

Minneapolis, Los Angeles, Nova York, Memphis, Denver e Louisville. Milhares de pessoas foram às ruas nos Estados Unidos para protestar contra a morte de George Floyd. Fotos.

Viver

Somos 500 mil. O Brasil passou a casa de meio milhão de casos e se tornou o epicentro da Covid-19 no mundo. Passados 95 dias desde o primeiro caso oficial, o país atinge agora a soma 514.849 diagnósticos, segundo os últimos números do Ministério da Saúde, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. O Brasil também soma 29.314 mortes. Com isso, só perde para EUA, Reino Unido e Itália no total de vidas perdidas para a doença. Somos um dos únicos países a ainda registrar mais de mil novas mortes pela doença diariamente —isso aconteceu quatro vezes na última semana.

Enquanto países da Europa veem comércios e escolas reabrirem e ensaiam uma gradual volta à normalidade, o Brasil torna-se novo epicentro da pandemia no mundo. Nos últimos sete dias, só dois países registraram mais de 100 mil contaminações, e lideram o ranking de casos no mundo. No topo, os EUA, com quase 1,8 milhão de casos confirmados e 104 mil mortes. Em seguida, o Brasil, com números ainda bem menores, comparativamente. O primeiro demorou 81 dias para chegar a meio milhão de casos; o segundo, 95. Os norte-americanos têm cerca de 5.500 infectados por milhão de habitantes, segundo cálculos do Worldometers; os brasileiros, 2.400 por milhão. Segundo projeção feita pela Universidade de Washington, o Brasil pode se descobrir mais parecido com os EUA numa triste conquista, já que estudos calculam que o país deve registrar mais de 100 mil mortes por Covid-19.

Para ler com calma... A rotina sob pressão dentro de uma ambulância que carrega pacientes com Covid-19.

A cápsula da SpaceX chegou ontem à Estação Espacial Internacional, às 11h16 (horário de Brasília). Depois do lançamento neste sábado a partir do Centro Espacial Kennedy, na Florida, os astronautas Bob Behnken e Doug Hurley fizeram uma viagem de 19 horas a bordo da cápsula Crew Dragon até atingir o destino. A missão será apenas considerada um sucesso quando os astronautas retornarem em segurança para a Terra. A expectativa é de que eles fiquem na estação por pelo menos um mês, e no máximo por quatro meses.

Foi um sucesso. A parceria pioneira entre a Nasa e a Space X, a empresa do bilionário Elon Musk, é uma revolução que inaugura uma nova fase das viagens espaciais.Veja reportagem do Fantástico.

Cultura

A lenda do cinema Clint Eastwood fez 90 anos no domingo, mas ele não pensa em pendurar suas botas de caubói. O ator e diretor vencedor de vários Oscars, que produziu nove filmes nos anos 80, não manifestou desejo de se aposentar. Ele também não é fã de aniversários.

Eastwood, nascido em 1930, tem uma carreira de sete décadas e mais de 50 filmes. Ele pisou no tapete vermelho de Hollywood em novembro, por seu filme biográfico Richard Jewell. Um vídeo sobre a produção.

Em uma entrevista em janeiro à ITV da Grã-Bretanha, Eastwood indicou que ainda gostava de exercer sua profissão. Em outras entrevistas, ele expressou seu desejo de continuar trabalhando enquanto encontrar projetos que "valem a pena ser estudados". Apesar de ter anunciado anteriormente sua aposentadoria após atuar no filme Gran Torino, de 2008, Clint voltou à frente das câmeras quatro anos depois em Curvas da Vida - disponível no Youtube - e novamente em A Mula de 2018.

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Dica de série dos nossos editores: Little Fires Everywhere. Drama cheio de mistérios da Amazon Prime.

Cotidiano Digital

Em meio a crise econômica, as big techs aceleraram as aquisições. Alphabet, dona do Google, Amazon, Apple, Facebook e Microsoft já compraram 19 empresas este ano, segundo o Refinitiv. Esse é o ritmo mais acelerado de compras desde 2015. O aumento se diferencia da queda que ocorreu durante as crises de 2001 e 2008. Nesta, as big techs estão lucrando mais com novos serviços para as quarentenas e estão com mais dinheiro no caixa.

Mas… parte do setor de tecnologia está sofrendo. A indústria já cortou mais de 40 mil empregos até agora. E mês passado foi ainda pior. Em uma única semana no início de maio, o Uber anunciou que cortará 3.700 posições, o Airbnb disse que cortará 1.900 e o Lyft demitiu mais de mil. Os negócios mais afetados têm sido de viagens e transporte, varejo e alimentação e serviços ao consumidor.

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