Prezadas leitoras, caros leitores —

Em qualquer outra edição, em qualquer outro momento da história, a terrível crise humanitária que se abateu sobre o povo ianomâmi teria de ser, deveria ser, a manchete desta edição do Meio.

A fome, fome de um tipo que produz corpos esqueléticos que há muitas décadas não víamos no Brasil, é fruto direto do garimpo ilegal em suas terras incentivado pelo governo Bolsonaro.

Ao longo do fim de semana, porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destituiu do cargo o comandante do Exército. Por indisciplina, por desobediência — e, isto virá à tona nos próximos dias, também por fazer política.

No arco final do Império, popularizou-se a expressão “a questão militar” para descrever uma crise aberta em que o Exército brasileiro chantageou abertamente os governantes. Ameaçou. Tentou se impor pela mão armada. Os livros de História afirmam que o último conflito da “questão militar” se encerrou em 1887. Como se um golpe militar não houvesse extinto o Império dois anos após.

Estamos convivendo há tempo demais com este problema, é hora de dobrar o Exército. De termos um Exército democrático, que compreenda que a política não é seu espaço.

Pode parecer que nos últimos dias o Brasil tenha entrado em duas crises da mais alta gravidade. Mas não é verdade. A crise é a mesma.

— Os editores

Brasil entra na mais séria crise militar da Nova República

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não vai perdoar os ataques golpistas, e as investigações para identificar os responsáveis e participantes vão até o fim. A declaração foi dada ontem pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, um dia depois de Lula ter trocado o comandante do Exército no que o próprio ministro classificou como “fratura nas relações”. Lula exonerou no sábado o general Júlio Cesar de Arruda, nomeado nos últimos dias do governo de Jair Bolsonaro, e o substituiu por Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, que era o comandante militar do Sudeste. Ele é visto pelos colegas como alguém com mais traquejo político e havia feito na sexta-feira um discurso incisivo em defesa do resultado das eleições. “Ser militar é isso. É ser profissional. É respeitar a hierarquia e disciplina. É ser coeso. É ser íntegro. É ter espírito de corpo. É defender a pátria. É ser uma instituição de Estado. Apolítica, apartidária”, disse ele. (Folha)

A situação de Arruda no governo era insustentável. Segundo Guilherme Amado, no dia 8, o agora ex-comandante teve duas discussões ásperas, do tipo dedo em riste, uma com o interventor federal na segurança do DF, Ricardo Capelli, outra com o próprio ministro da Justiça, Flávio Dino. O general, conta o jornalista, respaldou a decisão de impedir que a PM prendesse golpistas acampados na porta do QG do Exército. (Metrópoles)

Também pesou na troca a resistência de Arruda em sustar a nomeação do antigo ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, para a chefia do 1º Batalhão de Ações de Comandos, em Goiânia. Além da proximidade com o ex-presidente, Cid é investigado pelo STF. (OUL)

O novo comandante marcou para amanhã uma reunião com o Alto Comando do Exército para passar as novas diretrizes aos 16 generais de quatro estrelas que compõem o grupo. O principal tema deve ser a investigação sobre leniência ou participação de militares da ativa nos atos golpistas de 8 de janeiro. Embora o novo comandante já exerça a função desde sua nomeação no diário oficial, no último sábado, a cerimônia de transferência do comando só deve acontecer em duas semanas, quando seu antecessor estiver recuperado de uma cirurgia de rotina. (Globo)

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Mais do que pivô da troca de comando no Exército, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid é figura-chave em uma das investigações que, a mando do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal conduz tendo como alvo Jair Bolsonaro. Como contam Rodrigo Rangel e Sarah Teófilo, Cid gerenciava uma complexa movimentação financeira que envolvia o ex-presidente, parentes e pessoas próximas. Entre outras despesas, ele pagava faturas do cartão de crédito de um amiga de Michelle Bolsonaro que era, na verdade, usado pela própria ex-primeira-dama. Os recursos eram sacados em espécie do cartão corporativo da presidência e os pagamentos feitos na agência do BB dentro do Palácio do Planalto. Cid gerenciava ainda o celular de Bolsonaro e fazia a ponte entre ele e grupos antidemocráticos, apontam as investigações. Por escrito, Bolsonaro negou que houvesse saques em seu “cartão pessoal”, embora a presidência tenha diversos cartões corporativos. Ele alegou ainda que Michelle usou o cartão de uma amiga por não ter “limite disponível”. (Metrópoles)

Aliás... O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Benedito Gonçalves deu cinco dias para que Bolsonaro se explique sobre a publicação em redes sociais em que contesta o resultado das eleições de 2022 e sobre os atos criminosos ocorridos no dia 8 de janeiro de Brasília. O questionamento se refere a um vídeo na conta do ex-presidente, depois apagado, em que um procurador do Mato Grosso do Sul nega que o presidente Lula tenha sido eleito, alegando que foi “escolhido pelo STF e pelo TSE”. (CNN Brasil)

Para ler com calma. A despeito das avaliações iniciais de que pesaria na mão de um Congresso mais conservador, a avaliação é de que o repúdio aos atos golpistas do dia 8 e a perspectiva de reeleição de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) nas presidências da Câmara e do Senado colocam o Legislativo a reboque do presidente Lula. Esse alinhamento, porém, se restringe às pautas econômicas e à punição dos atos golpistas, com foco inicial numa nova âncora fiscal e na reforma tributária. Também devem avançar projetos que endurecem a punição dos atos golpistas, incluindo a perda de mandato de parlamentares envolvidos. O que não deve andar, dizem fontes no Congresso, é a chamada pauta progressista de costumes, como a ampliação do direito ao aborto e a constitucionalização do casamento de pessoas do mesmo sexo, hoje garantido por uma decisão do STF e uma resolução do CNJ. (Folha)

Geraldo Alckmin é o presidente do Brasil — o presidente interino. Luiz Inácio Lula da Silva viajou ontem para Buenos Aires, em seu primeiro compromisso internacional após tomar posse. Ele se reúne ainda hoje com o colega argentino, Alberto Fernández e com empresários locais e, amanhã, participa da 7ª Cúpula de Chefas e Chefes de Estado da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Na quarta-feira ele segue para Montevidéu, onde encontra o presidente uruguaio, Luis Alberto Lacalle Pou. Segundo fontes da diplomacia brasileira, Lula preferiu começar as viagens internacionais pelos países vizinhos para sinalizar um fortalecimento nos laços com a região. Em fevereiro ele deve ir aos EUA e, em março, à China. (g1)

Sem privilégios

Orlando Pedroso

Sem privilégios 560

Viver

A associação Urihi anunciou ontem a morte da mulher ianomâmi, fotografada em estado grave de desnutrição. Ela tinha 65 anos e era da comunidade Kataroa, onde há a presença de garimpeiros e dezenas de crianças doentes. Os ianomâmis têm sofrido com o garimpo ilegal e casos graves de desnutrição severa, verminose e malárias entre crianças e adultos nos últimos anos. A situação encontrada pelo governo nesse fim de semana fez com que o Ministério da Saúde decretasse emergência de saúde pública na terra indígena ainda na sexta-feira. No local desde segunda-feira passada, um médico da Fiocruz chegou a dizer que o cenário atual é “a pior situação de saúde e humanitária” que já viu. O presidente Lula, que esteve em Roraima no sábado para acompanhar os trabalhos das equipes, disse que vai acabar com o garimpo ilegal. (g1)

Cerca de 40% dos ianomâmi foram diagnosticados com malária no ano passado. Durante o governo Bolsonaro, 570 crianças morreram, a maioria de doenças curáveis, como desnutrição e diarreia. A chegada de profissionais de saúde foi bloqueada por garimpeiros da região nos últimos anos. (DW)

O ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que vai determinar a abertura de um inquérito policial para investigar os “fortes indícios de crime de genocídio” diante dos “sofrimentos criminosos impostos aos ianomâmi”. (Correio Braziliense)

Enquanto isso… Bolsonaro respondeu às falas de Lula, criticando o descaso com os povos indígenas durante seu governo. O ex-presidente chamou as acusações recebidas de “farsa da esquerda” e disse ter prestado 53 milhões de atendimentos de atenção básica aos povos tradicionais em sua gestão. (CNN Brasil)

Câmeras de segurança da boate Sutton em Barcelona mostram que o jogador Daniel Alves ficou trancado no banheiro por 15 minutos com a mulher que o acusa de estupro, informou o jornal espanhol El Periódico. Ele está preso na Espanha desde sexta-feira, após apresentar contradições em seu depoimento à Justiça, além do risco de fugir para o México, onde joga. Num primeiro momento, o lateral disse desconhecer a mulher que afirma ter sido violentada sexual e fisicamente, mas depois ele alegou que os dois fizeram sexo de maneira consensual. (UOL)

O Brasil recebeu 7,7 milhões de doses da vacina infantil da Pfizer contra a covid-19 entre sexta-feira e sábado. Foram 4,5 milhões para o público de seis meses a quatro anos e 3,2 milhões para crianças entre cinco e 11 anos. Os frascos são diferentes para esses grupos. Os imunizantes devem ser distribuídos entre estados e Distrito Federal nos próximos dias. (Estadão)

Cultura

A pouco mais de um mês de completar 50 anos de lançamento, o clássico The Dark Side of the Moon (Spotify), do Pink Floyd, está sendo alvo de uma polêmica que beira o surrealismo. Grupos conservadores, incluindo supostos fãs, acusam a banda de fazer propaganda LGBTQIA+ por conta de um arco-íris na logo comemorativa do cinquentenário. “Qual a relação entre a obra-prima do Pink Floyd e os LGBT”, indagou um usuário do Twitter. Outro, dizendo-se fã há 63 anos, pediu a volta das letras sobre gatos e gnomos, abandonadas há quase 60 anos. Acontece que a arte original da capa reproduz, sobre um fundo preto, o prisma de Newton, um objeto óptico que, como as gotas da chuva, quebra a luz branca, formando as cores do arco-íris. Enquanto isso, a banda, hoje restrita ao vocalista e guitarrista David Gilmour e ao baterista Nick Mason conclui uma edição de luxo para o aniversário de Dark Side, cujo tema, aliás, era loucura. (Prog Magazine)

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Para ler com calma. Uma das mais influentes pintoras brasileiras e nome fundamental do modernismo, Tarsila do Amaral (1886-1973) teve uma vida bem menos colorida que suas telas. É o que revela o livro Tarsila: Uma Vida Doce-Amarga, da historiadora Mary Del Priore. Quatro casamentos frustrados, inclusive com o colega modernista Oswald de Andrade, amizades interesseiras, dificuldades financeiras — a ponto de pintar por encomenda — e um certo alívio no espiritismo marcaram a criadora de Abaporu, hoje um dos mais famosos quadros brasileiros. (Estadão)

Lisa Marie Presley, filha única de Elvis, foi sepultada ontem ao lado do pai em Graceland, a mansão dele em Memphis, no Tennessee. A cantora morreu na última quinta-feira, aos 54 anos, devido a uma parada cardíaca, mas a causa ainda será estabelecida por exames. (Rolling Stone)

Cotidiano Digital

Elon Musk, CEO do Twitter, publicou que há muitos anúncios e espaçosos na plataforma, o que será corrigido. E anunciou um novo plano de assinatura mais caro, mas sem propaganda. O plano atual – o Twitter Blue – custa $7,99 e reduz em 50% a quantidade de anúncios, além de outros benefícios. (Twitter e TechCrunch)

Textão. Outra mudança anunciada, que ainda não chegou aos usuários, toma forma: a plataforma vai liberar textos de até 4 mil caracteres e deve usar o “leia mais”. Assim, o leitor, caso queira, abre o texto na íntegra, mas evita-se impactar o visual da plataforma. (Olhar Digital)

Desde outubro, quando Musk assumiu, a mudança mais impactante foi a do número de demissões e renúncias. Reportagem calcula que 80% dos funcionários saíram. O CEO da empresa, no entanto, nega números divulgados na matéria. (CNBC e g1)

Google foca em projetos de inteligência artificial (IA) para este ano com diretrizes para serem testados e aprovados mais rapidamente. Tudo devido ao temor de que o ChatGPT e outras ferramentas de IA ameacem o seu modelo de negócios baseado nas buscas. (Tilt)

No pacote de demissões, que anunciou corte de 12 mil empregados na última sexta-feira (20), uma área da gigante menos afetada foi a divisão “Google Brain”, que pesquisa e desenvolve ferramentas de IA. (The Verge)

Enquanto isso, a onda de alguns é voltar no tempo. Segundo o Google Trends de janeiro, que mede o interesse por assuntos pesquisados, o termo “cybershot” disparou. (Estadão)

Para ler com calma. Regulação de plataformas na Europa já aprovada e em implementação pode influenciar o Brasil e outros países, não só por ser a primeira, mas por oferecer soluções razoáveis para questões de alta complexidade. (Núcleo Jor)

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