O Meio utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência. Ao navegar você concorda com tais termos. Saiba mais.
Assine para ter acesso básico ao site e receber a News do Meio.

Prezada leitora, caro leitor —,

Você, nosso assinante premium e parceiro deste 2023, saiba que esse apoio nos honra e fortalece. A gente se esmera semanalmente para oferecer newsletters com qualidade e capricho, originalidade, uma mescla de assuntos sérios com abordagens mais leves, vídeos exclusivos, tudo para que você sinta que está recebendo algo especial.

Faremos essa breve pausa e, no dia 2 de janeiro, retomamos a newsletter diária. As newsletters premium voltam dia 3, com o Meio Político.

Se você curte nosso trabalho, considere espalhar a palavra do Meio 🙂 As assinaturas premium nos mantêm e sustentam o jornalismo gratuito que distribuímos por aí.

Muito obrigada e esperamos poder seguir contando com você!

Boas festas!

Flávia Tavares
Editora executiva de conteúdo premium

Edição de Sábado: Conto de Natal

Receba as notícias mais importantes no seu e-mail

Assine agora. É grátis.

O problema da história do Zé, o detalhe que deixa ela difícil de contar, é que parecem pura mentira todas aquelas coincidências de nomes e data e tal, como se o contador da história estivesse forçando a barra para atualizar uma parábola surrada: o nascimento do menino, a promessa de redenção, o milagre do Natal. Só que a história do Zé aconteceu de verdade, e não dois milênios atrás mas outro dia mesmo, embora tivesse começado bem antes, quando ele mal principiava a bater bola com os outros meninos da rua e a sua prima Maryllyndsey nasceu.

Maryllyndsey, tão linda e frágil no berço, tão roxa quando chorava como se em seu peitinho miúdo coubessem foles magníficos, o bebê por quem o Zezinho pirralho se apaixonou para sempre — a sua Mary mal nasceu e já tinha treze anos. Um dia bateu desesperada na porta do Zé, ele na época vivia o seu melhor momento no clube, vice-artilheiro do campeonato juvenil, já ouvindo um burburinho de que poderiam lançá-lo no profissional: dezoito anos mas, diziam, futebol de gente grande. O caminho era difícil, mas pela primeira vez o Zé começava a acreditar que podia mesmo seguir os passos do seu ídolo, o menino preto com cara de bebê chorão que ele imitava com grande descaro e razoável competência.

Largou isso tudo, descolou um Fiat emprestado e caiu na estrada com Mary. A prima falava pouco, quase nada, numa secura de palavras que obrigou o Zé a juntar com paciência os caquinhos, os farelos, para deles tentar fazer um presépio. Nos primeiros dias soube só três coisas: Mary esperava um filho; esse filho corria perigo; eles tinham de fugir para o mais longe que pudessem.

Uma noite, no sul da Bahia, Mary estava mais falante depois de tomar uns dedais de licor de pitanga. Foi a única vez que falou do bispo Gabriel, de como ele a deixara inconsciente antes de profanar seu corpo. Zé sentiu o ódio subindo lá do fundo, feito lava. O tom de Mary era calmo, quase monocórdio, como se ela descrevesse fatos banais ocorridos com outras pessoas. Disse que mais tarde, ao saber da gravidez, o líder da Igreja do Cristo Redivivo tinha tentado obrigá- la a abortar, tornando-se violento quando ela respondeu que não, de jeito nenhum. Mary declarou serena saber com todo o seu corpo, em cada átomo, que aquele filho concebido sem sombra de pecado da parte dela – o monopólio do pecado sendo, evidentemente, do bispo — precisava nascer.

O que mais aborreceu o Zé, no primeiro momento, foi o que parecia um capricho sádico do contador da história, detalhe desnecessário – o nome do bispo e o do seu herói serem o mesmo. Sim, quem ele mais adorava e quem ele mais detestava eram xarás, o que, não bastasse o brusco desvio de carreira que o drama de Mary introduzira em sua biografia, fez o Zé passar uns dias bem atarantado. Dirigia o Fiat quente por estradinhas capilares poeirentas com a sensação de que o seu destino estava sendo escrito, entre risadas maníacas, por um palhaço.

Naqueles dias o Zé não entendeu tudo, mas entendeu o suficiente. Refletindo um pouco, desistiu de pôr em prática as fantasias de vingança que o perseguiam. Compreendeu que um rival tão poderoso só podia ser atacado por quem estivesse disposto a empenhar nisso a própria vida. As peças estavam posicionadas em campo de tal modo que a única paga possível do mal infligido pelo bispo Gabriel à sua Mary — além de um modo seguro de evitar por toda a eternidade que ele viesse um dia reclamar aquele filho — era matar o cara. Mas isso o Zé não ia fazer.

Acharam acolhida junto a uma família de oleiros, entre um rio e um deserto. Trabalhavam em troca de teto e comida, a dona da casa se chamava Glória, e foi então, como todos ali acreditassem que os forasteiros eram um jovem casal feliz à espera do primeiro rebento, foi então que o Zé entendeu o que parecia estar escrito desde o princípio dos tempos, que Mary era sua mulher, e pediu a prima em casamento.

Para sua surpresa, a moça toda inchada — no sexto mês, era o fim de setembro — teve um acesso de riso e disse sim. Por tudo o que é sagrado, falou, pelo Santo Nome e suas invocações, em vão ou não, eu digo sim, sim, sim. O Zé? Não cabia em seu corpo, achou que ia sair flutuando. Mas então Mary disse que havia uma condição, e a condição era que o marido se absteria de encostar nela um dedo enquanto não viesse à luz o seu bendito fruto. E o Zé topou.

Topou, mas um dia bebeu mais do que devia num bar, se engraçou com uma jovem bonita um palmo mais alta do que ele e acabou passando a noite com ela. Ao chegar em casa de manhã, Mary de oito meses o esperava com olhos secos. Agora estamos quites, falou. E não disse mais nada, nem nunca mais o Zé desejou outra mulher.

Sabia que renunciava a um caminho promissor, onde talvez houvesse até riquezas, mas nunca teve dúvida — não em condições normais, embora a dúvida pudesse às vezes assombrar seus sonhos — de que estava fazendo o que precisava fazer, nem mais nem menos, só o que tinha vindo ao mundo para fazer.

O que tinha vindo ao mundo para fazer não era brilhar no futebol internacional; era ser oleiro entre o rio e o deserto e ali criar um moleque, que no fim das contas nasceu no dia em que tinha de nascer e que ele propôs a Mary, e ela topou, batizar em homenagem ao seu herói. Não o primeiro nome, agora maculado, mas o segundo, que de todo modo sempre tinha sido o mais bonito dos nomes do craque do Arsenal.


*Sérgio Rodrigues é um escritor, jornalista e roteirista mineiro que vive no Rio. Já lançou onze livros, entre ficção e não ficção, com destaque para os romances “O drible” (2013), livro do ano no prêmio Portugal Telecom, e "A vida futura" (2022), finalista do Jabuti deste ano, além do almanaque "Viva a língua brasileira!" (2016), todos pela Companhia das Letras. Tem livros publicados na Espanha, nos EUA, na França e em Portugal. É colunista da "Folha de S.Paulo".

O saco cheio de graça

E aqui estão os links mais clicados pelos leitores na última semana de newsletter diária de 2023:

1. g1: Entenda a Reforma Tributária.

2. Panelinha: Torta rústica de frutas perfeita para servir quentinha com merengue.

3. BBC Brasil: O som de 10 línguas indígenas brasileiras em perigo de extinção.

4. Celular Seguro: Onde cadastrar seu telefone no novo programa de segurança do governo federal.

5. Metrópoles: Baixaria no Congresso.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.

Esta é uma matéria para assinantes premium.
Já é assinante premium? Clique aqui.

Meio Premium: conteúdo pensado para leitores influentes

Quem toma decisões – seja na vida corporativa, profissional ou pessoal – precisa estar bem informado. Assinantes do Meio Premium recebem reportagens, análises e entrevistas que esclarecem os temas mais complexos da atualidade. Os últimos avanços tecnológicos, a geopolítica mundial, a crise climática – não há assunto difícil para o Meio.

Edição de 01/11/2025
EDIÇÃO DE SÁBADO

Uma newsletter elaborada com cuidado durante a semana, sempre com temas importantes e um olhar inovador e aprofundado sobre eles. Política, comportamento, cultura, vida digital apresentados em textos agradáveis e leves para você ler com calma no fim de semana.

Edição de 05/11/2025
MEIO POLÍTICO

Às quartas, tentamos explicar o inexplicável: o xadrez político em Brasília, as grandes questões ideológicas da atualidade, as ameaças à democracia no Brasil e no mundo. Para isso, escalamos especialistas que escrevem com base em pesquisas e fatos.

assine

Já é assinante? Clique aqui.

Nossos planos

Acesso a todo o conteúdo do Meio Premium com 7 dias de garantia e cancelamento a qualquer momento.

Premium

  • News do Meio mais cedo
  • Meio Político
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 3 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio*

Assine por R$ 15/mês

ou

De R$ 180 por R$ 150 no Plano Anual, equivalente a R$ 12,50 por mês.

Premium + Cursos

  • News do Meio mais cedo
  • Meio Político
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 5 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio

Assine por R$ 70/mês

ou

De R$ 840 por R$ 700 no Plano Anual, equivalente a R$ 58,34 por mês.

Premium + Cursos

Para aqueles que querem aprimorar seu conhecimento, assine agora o plano Meio Premium + Cursos. Assista os cursos do acervo dos Cursos do Meio na sua TV, celular ou computador. Política, história, inteligência artificial, aprimoramento profissional. Temas importantes explicados por especialistas no assunto.

Capa do curso do Meio: IA modo de usar

Capa do curso do Meio - Ideologias brasileiras

Capa do curso do Meio: Israel e Palestina

Capa do curso do Meio: O fim da nova república?

Capa do curso do Meio: Você pode ser um liberal e não sabe

Capa do curso do Meio: Você na mídia

assine

Já é assinante? Clique aqui.

O que é o Meio

O Meio é uma plataforma de jornalismo pensada para o século 21. Acreditamos que informação de qualidade fortalece a democracia, por isso entregamos notícias e análises que ajudam você a entender o agora e decidir melhor. Seja por e-mail, vídeo ou podcast, chegamos até você da forma que mais combina com a sua rotina.

Christian Lynch

Cora Rónai

Creomar de Souza

Deborah Bizarria

Flávia Tavares

Márvio dos Anjos

Mariliz Pereira Jorge

Pedro Doria

Wilson Gomes