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O imperialismo trumpista e a reconfiguração da política brasileira

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Curiosamente, a investida de Trump poderá servir de boia, não para Bolsonaro, mas para a esquerda

O mundo vive um novo ciclo histórico de retração da globalização, e com ele ressurgem formas de dominação que pareciam superadas. O trumpismo, mais do que um fenômeno político interno dos Estados Unidos, emerge como um projeto imperialista de reordenação do sistema internacional, retomando, sob novas roupagens, o velho princípio da Doutrina Monroe e do Destino Manifesto. Ele se articula em torno de três frentes principais: a econômica, que emprega tarifas punitivas para fechar seu mercado e ao mesmo tempo obrigar os países mais fracos a abrir os deles; a ideológica, pela captura das redes sociais como instrumentos de propaganda da extrema direita, seja fascista, reacionária ou libertariana; e a política, pelo cerco a instituições e lideranças que resistam à nova ordem imposta dentro e fora dos EUA.

O imperialismo de Trump é orientado para favorecer por toda a parte a implantação de governos extremistas que lhes sejam dóceis ou subordinados. O objetivo é subordinar os demais países da América e aliados da Europa Ocidental aos desígnios de seu governo, ignorando o princípio de autodeterminação dos povos e desprestigiando governos que se recusem a alinhar-se com o autoritarismo. Têm sido vítimas desse imperialismo relançado a Ucrânia, a Groenlândia, o Canadá, o México e o Panamá. O que não impede Trump de falar respeitosamente com governos autocráticos, que ele aliás admira: Maduro, Putin e Xi Jiping. Ou presidentes que aspiram à autocracia interna e à vassalagem externa, como Javier Milei.

Não por acaso, a família Bolsonaro vê na intervenção da Internacional Facho-Reacionária uma boia de salvação, contando com a pressão de Washington não só para impedir sua prisão, como para reverter sua inelegibilidade.

Embora não esteja entre as prioridades de Trump, sua investida contra o Brasil é questão de tempo. Bolsonaro, seu êmulo, não só foi julgado inelegível depois de derrotado, como está em vias de ser processado e provavelmente condenado pelos crimes por si cometidos. Processado e condenado por um Supremo Tribunal que resiste à pretensão de aliados de Trump de ignorar a soberania brasileira. Não por acaso, a família Bolsonaro vê na intervenção da Internacional Facho-Reacionária uma boia de salvação, contando com a pressão de Washington não só para impedir sua prisão, como para reverter sua inelegibilidade. Aliados de Bolsonaro, como senador Marcos Do Val, já clamam por uma invasão americana. Atitude que não surpreende ninguém que compreenda o estofo colonial de que é feito o pretenso patriotismo da extrema direita bolsonarista.

É conhecida a posição de fragilidade em que se encontra Bolsonaro. Sua inelegibilidade, os escândalos de corrupção e a perda progressiva de apoio entre setores da direita tradicional fazem com que sua utilidade para o trumpismo se torne incerta. Sua eventual prisão não necessariamente gerará uma reação massiva de seus apoiadores. A desmobilização da direita em torno de sua figura tem sido visível desde 2022. Os próprios sucessores potenciais de Bolsonaro — Ronaldo Caiado, Tarcisio de Fritas, Ratinho Júnior — têm todo o interesse em afastá-lo do tabuleiro político, de modo a herdar seu espólio eleitoral sem carregar o ônus de sua decadência.

Que impacto sobre esse cenário poderá ter a investida de Trump sobre a política brasileira? O embate não se dará apenas no plano institucional, mas também no controle da esfera pública, já que as big techs colocaram suas plataformas a serviço do projeto trumpista. A defesa de uma “liberdade de expressão” contrária aos regramentos jurídicos de cada país não passa de eufemismo para para a propagação ideológica reacionária. No Brasil, essa estratégia se traduzirá em tentativas de interferência no processo eleitoral de 2026, seja por meio da manipulação algorítmica, da desinformação em massa ou de pressões econômicas diretas sobre o país. Já houve precedentes, e as ações de Musk neste sentido, inclusive nas recentes eleições alemãs, não deixam dúvidas do que pode vir por aqui.

Se a esquerda souber articular um discurso que mobilize o eleitorado contra o imperialismo trumpista, poderá deslocar a polarização atual para um embate entre soberanismo e entreguismo.

Curiosamente, a investida trumpista poderá servir de boia, não para Bolsonaro, mas para a esquerda e, quem sabe, para o governo Lula, que ainda não disse ao que veio e sofre com a impopularidade. Ainda identificada com o cosmopolitismo da globalização declinante e pautada pela agenda identitária, a esquerda tem dificuldade em adaptar-se à nova conjuntura. No entanto, à medida que o imperialismo trumpista avançar e impuser sua veleidade de subordinação, a tendência é que a esquerda passe a reivindicar a defesa da soberania nacional como eixo central de sua agenda. Se a esquerda souber articular um discurso que mobilize o eleitorado contra o imperialismo trumpista, poderá deslocar a polarização atual para um embate entre soberanismo e entreguismo.

E aí, como ocorre hoje no Canadá, quem ficaria mal das pernas seria a direita oposicionista identificada com um personagem como Tarcísio de Freitas, que tenta posar de moderado, mas se recusa a condenar o golpismo de Bolsonaro e põe na cabeça o boné do MAGA. Também a direita terá de decidir se vai se apresentar ao eleitorado como um satélite do trumpismo, como é hoje o bolsonarismo, ou se buscará um discurso de maior autonomia, o que terá importantes repercussões eleitorais no ano que vem. Este será um imbróglio que se apresentará fatalmente nos próximos meses, conforme se desenrole o processo de Bolsonaro e seus comparsas golpistas, obrigando os atores politicos a moverem as peças do tabuleiro conforme a nova configuração da política interna brasileira, imposta pelo imperialismo de Trump.

Aguardemos o espetáculo.


*Cientista político, editor da revista Insight Inteligência e professor do IESP-UERJ

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