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Brasileiros desafiam favoritismo europeu no Mundial de Clubes

Antes da partida, memes e provocações eram quase uníssonos: perder de pouco já seria uma vitória. O Botafogo, atual campeão brasileiro e da Libertadores, teria pela frente o Paris Saint Germain (PSG), atual campeão da Champions League. O título dos parisienses veio após a maior goleada da história de uma final europeia: 5 a 0 contra a organizada Inter de Milão. Na estreia da Copa do Mundo de Clubes outra goleada, 4 a 0 contra o Atlético de Madri. Mas futebol se resolve dentro de campo, já dizia o clichê.
Aos 36 minutos de um primeiro tempo equilibrado, Igor Jesus, centroavante botafoguense, é lançado, encara os zagueiros e bate firme no canto. Um a zero para o Botafogo. No segundo tempo, o time brasileiro seguiu sua disciplina tática e segurou o placar. Nas arquibancadas e entre os atletas a comemoração parecia a de um título. Além de tudo, a equipe carioca foi a primeira a não sofrer gol do PSG desde março. Pura sorte? Zebra?

Na tarde seguinte, o Flamengo enfrentou o Chelsea. Apesar de o clube inglês não viver o seu auge, a liga inglesa é considerada a mais competitiva do mundo. No começo do primeiro tempo, um erro individual do rubro-negro colocou os adversários na frente. Ainda assim, o time jogava bem. No segundo tempo, o jogo virou: o Flamengo fez 3 a 1 no Chelsea, com propriedade. Enquanto a torcida cantava sobre colocar “os ingleses na roda” (menção ao título mundial de 1981, contra o Liverpool), o clube europeu estava irreconhecível e mostrava perder a calma em muitos momentos. A vitória flamenguista garantiu não apenas a classificação, mas a primeira colocação do grupo já na segunda rodada.

Apesar de jogos menos épicos, o Palmeiras e o Fluminense também conseguiram se classificar para as oitavas de final. O time paulista passou em primeiro após empatar com o Inter Miami, de Lionel Messi. O carioca, foi o segundo de seu grupo, tendo empatado com o alemão Borussia Dortmund, mesmo jogando melhor.

Durante os êxitos brasileiros, a internet e o jornalismo esportivo se dividiram nas teorias acerca do desempenho. Se os mais empolgados bradavam contra a hegemonia europeia, construída, nesta visão, mais pelo eurocentrismo do que pela qualidade, outros menos ufanistas ponderavam que o futebol europeu se encontra no final da temporada, então há desgaste, reformulação de elencos e até suposto desinteresse da parte deles. E claro, há aqueles que se encontram no meio entre a euforia e o desânimo.

A Copa do Mundo de Clubes

Antes de avançar, um passo para trás. O torneio é inédito e é quase um consenso entre fãs do esporte. Antes, a Fifa tinha “apenas” a Copa do Mundo de Seleções como seu carro-chefe. Já há quem diga, todavia, que a Liga dos Campeões da Europa, organizada pela Uefa, ultrapassou a Copa como a competição mais importante. A Fifa precisava de uma cartada para ser mais relevante entre clubes.

Apesar de existir um mundial interclubes, o formato parece saturado, à medida que os europeus eram sempre muito favoritos, os jogos quase sempre desinteressantes, além de ser muito curto. Entrou em cena então, o mesmo formato do mundial de seleções: um torneio a cada quatro anos, com 32 equipes de todos os continentes, divididas em oito grupos. Todos do grupo se enfrentam. Os dois melhores passam de fase. A partir das oitavas de final, é mata-mata até a final.

Para Idelber Avelar, professor de estudos culturais na Universidade Tulane, em Nova Orleans, a Copa do Mundo de Clubes da Fifa tanto revitaliza competições entre clubes, quanto acentua essa disputa com a Uefa. “Esse mundial deve ser entendido como primordialmente uma tentativa da Fifa de abocanhar para si uma fatia significativa da renda gerada pelo futebol de clubes, ao qual no momento ela não tem acesso. Porque as competições que realmente geram dinheiro, no que se refere a competições de clubes, são as europeias, especialmente a Champions League e as ligas nacionais. A Champions no ano passado gerou de receita total 3,5 bilhões de euros. Só de direitos de transmissão televisiva são 2,4 bilhões de euros. Esse é um dinheiro que fica na Europa. Esse é um dinheiro da Uefa”.

Ainda sobre a relação entre Fifa e Uefa, em uma reunião do conselho da federação no Paraguai, oito membros indicados pela associação europeia abandonaram o encontro em protesto contra prioridades políticas do presidente Gianni Infantino, que teria privilegiado encontros com Donald Trump e chegado atrasado ao congresso.

Além disso, a Copa de Clubes contou com uma controvérsia quanto ao direito de transmissão. O streaming DAZN, que ainda não conseguiu se firmar como a marca global do streaming esportivo, comprou os direitos de transmissão, em uma espécie de triângulo estratégico entre a plataforma, a Fifa e a Arábia Saudita. O principal investidor da DAZN, Leonard Blavatnik, investiu US$ 1 bilhão nos direitos globais do torneio, que será transmitido gratuitamente mediante cadastro, com foco em conversão de usuários, coleta de dados e ampliação de capilaridade. Ocorre que em abril, a SURJ Sports Investment, ligada ao fundo soberano saudita, comprou uma fatia minoritária da DAZN também por US$ 1 bilhão. Em 2034, a Copa do Mundo de Seleções será na Arábia Saudita, que não teve concorrência na disputa.

Voltando ao esporte

Haverá pelo menos um time brasileiro nas quartas de final da Copa, já que Palmeiras e Botafogo se enfrentam neste sábado. Flamengo e Fluminense terão jogos difíceis contra o Bayern de Munique e a Inter de Milão, respectivamente. Depois dos feitos da primeira fase, no entanto, apesar de o favoritismo seguir com os europeus, não é loucura imaginar novas surpresas. Idelber Avelar diz que já era sabido que os clubes brasileiros entrariam em boas condições nesse torneio e que disputariam com muita motivação, já que eram 13 anos desde que um clube brasileiro havia derrotado um clube europeu em uma competição mundial.

Já Diego Ambrosini, apresentador, com Avelar, do programa Meio de Campo, com estreia prevista para julho no Meio, pondera que o desempenho dos times brasileiros, de certa forma, superou as expectativas, mas que também os times europeus foram todos colocados em uma única “caixinha”. “A partir daqui ficou mais claro o quanto a gente deveria separar os clubes europeus em pelo menos duas ou três prateleiras. Tem os chamados ‘superclubes’, do tipo PSG, Bayern de Munique, Manchester City, Real Madrid. Eu acho difícil que os times brasileiros consigam fazer frente a eles. Claro que o Botafogo ganhou do PSG, mas ali, numa situação específica, o jogo ainda pela fase de classificação, pela primeira fase, eu acho que agora que vão começar os playoffs, os times europeus realmente vão jogar com mais dedicação. Mas existem os clubes um pouco abaixo, como o Atlético de Madri, os clubes portugueses, Benfica, Porto, talvez o Borussia Dortmund”.

O aspecto da dedicação foi levado em consideração em muitas análises, como se os clubes europeus dessem menos importância à Copa que os sul-americanos. Porém, há diferentes declarações a esse respeito. Enquanto o técnico do Bayern, Vincent Kompany, elogiou as equipes das Américas e disse não estar surpreso com o bom desempenho delas, além de dizer que está com “fome de título”, o goleiro do Benfica, após vitória contra o próprio Bayern, foi perguntado sobre os sentimentos de passar em primeiro lugar no grupo, ao que respondeu. “Sinceramente, não sinto nada. Estou realmente exausto e só quero descansar e me preparar para o próximo jogo”. Mesmo fora do torneio, o atacante brasileiro Raphinha, do Barcelona, disse que os atletas não foram consultados sobre o campeonato e que seria nocivo abdicar das férias.

No entanto, se é um argumento para diminuir a vitória dos brasileiros dizer que os europeus estão em fim de temporada, o mesmo poderia ser dito do Mundial Interclubes, nos quais times sul-americanos é que estão no limite.

Fora do campo, as festas das torcidas das Américas e da Ásia também se destacam. É possível encontrar imagens de torcedores brasileiros “tomando as ruas” dos Estados Unidos, seja próximo aos locais de jogos, ou em pontos turísticos, como a Times Square, em Nova York. Além disso, segundo dados do Google Trends obtidos pelo Globo, o Flamengo foi o terceiro clube mais buscado no mundo entre 14 e 22 de junho, atrás apenas de Real Madrid e PSG. Botafogo e Palmeiras aparecem no top-10. A visibilidade internacional se refletiu ainda em buscas disparando para times menos badalados, como o semiprofissional e simpático Auckland City, da Nova Zelândia, e o Al-Ain, dos Emirados Árabes.

Futebol brasileiro no divã

O Brasil faz história na Copa do Mundo de Clubes, com os quatro times classificados para o mata-mata e é destaque no continente há anos. Desde 2019, apenas brasileiros vencem a Taça Libertadores, sendo que em 2020, 2021, 2022 e 2024 a final ocorreu entre clubes do país. A discrepância fica evidente também quando se observa que os dois times argentinos, Boca Juniors e River Plate, foram eliminados da atual competição. Até mesmo o presidente argentino, Javier Milei, reclamou do fato nas redes sociais e criticou a Associação de Futebol Argentino.

Os times brasileiros vêm também conseguindo atrair bons jogadores de outros países ou mesmo craques brasileiros repatriados. Técnicos estrangeiros, como Abel Ferreira e Jorge Jesus, se destacam no país também e a leva de treinadores gringos é apontada por muitos como uma das razões da hegemonia brasileira no continente.

Para Diego Ambrosini, no entanto, o domínio tem menos a ver com os técnicos e mais a ver com a economia. “A disparidade econômica dos clubes brasileiros e dos clubes dos outros países sul-americanos cresceu muito. Então, os clubes brasileiros têm muito mais dinheiro para montar, para contratar jogadores, montar o seu elenco. Inclusive, cada vez mais a Liga Brasileira, o Brasileirão, tem se aproximado dos campeonatos europeus. Então, tudo que envolve patrocínio, dinheiro de TV, premiação, tanto do Brasileirão quanto da Copa do Brasil, é imensamente maior do que os países vizinhos. Além disso, os clubes brasileiros também, de uma forma geral, uma parte deles pelo menos, passaram a se organizar muito nos últimos anos em termos de gestão, se profissionalizaram a sua gestão. Estou pensando aqui, principalmente, no Palmeiras e no Flamengo e também dos times que acabaram virando SAF”.

Com clubes mais fortes, hegemonia continental, grandes jogadores sendo destaques nos melhores clubes do mundo, o que falta para a seleção brasileira ser competitiva e voltar a vencer uma Copa?

“Essa é a pergunta de um milhão de dólares que mobiliza boleiros nos botecos e nos grupos de Facebook, nos vídeos de TikTok, de Instagram e nas páginas da imprensa”, pontua Avelar. “Existe a teoria da safra, que nós não temos uma boa safra de jogadores, que os jogadores de antigamente eram melhores e o Brasil já não fabrica craques como fabricava antigamente. Eu discordo radicalmente dessa interpretação. Acho que a percepção do que é um craque é muitas vezes distorcida por uma ilusão retrospectiva, ou seja, o grande craque do passado tem a seu favor a distância da idealização, que faz com que nós nos esqueçamos de todas as partidas em que ele jogou mal. A teoria da safra é desmentida também pelo fato de que desde 2006 ninguém ganha a Champions League sem ter um jogador brasileiro atuando. E a conquista recente da Argentina (na Copa de 2022) mostra que a corrupção, a desorganização e a burocratização do futebol não explicam tudo, porque a AFA, Associação de Futebol Argentino, é uma instituição ainda mais desastrada, corrupta e burocrática do que a CBF. Eu acho que uma das grandes explicações, além da questão estrutural, é que, ao contrário da Argentina, o Brasil não desenvolveu uma escola de treinadores. O Brasil foi durante muito tempo, nos anos 1950, 1960, vanguarda na produção de técnicos, na invenção de novos esquemas táticos, na pesquisa sobre o futebol. Acho que depois das conquistas de 70 e especialmente depois da conquista de 94, houve uma tendência à acomodação”.

O Meio de Campo estreia em julho no Meio. Apresentado por Idelber Avelar e Diego Ambrosini, o programa se propõe a resgatar a memória dos clubes, de jogos-chave, e o jeito em que se tem jogado o esporte ao longo dos anos.

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