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E a Direita da Ditadura Renasceu

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Quem olha para a bagunça em que se tornou o sistema partidário brasileiro, tão fragmentado que chega a parecer não ter lógica, muitas vezes se perde. Termos que se tornaram recorrentes — como Centrão — atrapalham ainda mais a compreensão do jogo político em curso. O nome atrapalha porque, no atual acordo entre o Centrão e o governo de Jair Bolsonaro, há um processo em curso que é diferente do que ocorreu nos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma ou mesmo Temer. Está em curso a reestruturação da Velha Direita. Da aliança política que sustentou a Ditadura Militar. E um pouco de história ajuda a revelar este processo.

Logo após tomarem o poder a força, em 1964, os militares se puseram a baixar uma sequência de leis, que batizaram atos institucionais, e que em essência estavam acima da Constituição. O primeiro serviu para instaurar o novo governo — que muitos ainda viam como algo provisório e que teria curta duração. O AI-2 desfez a ilusão de quem a cultivou. Baixado em outubro de 1965, era uma resposta à vitória eleitoral de governadores de oposição em dois dos três maiores estados do país — Minas Gerais e Guanabara, a antiga capital federal. O ato tornou indireta a eleição presidencial no Brasil, fez a Justiça Militar intervir na Civil, aumentou o tamanho do Supremo Tribunal Federal para dar maioria ao regime, e mandou cerrar as portas de todos os partidos políticos. Apenas dois seriam permitidos. A Aliança Renovadora Nacional, Arena, e o Movimento Democrático Brasileiro, MDB. Um governista, o outro da oposição consentida.

Até ali, a República instaurada em 1946 ainda na sombra de Getúlio Vargas havia sido dominada por três legendas — o PTB, o PSD e a UDN. No nascimento, os dois primeiros reuniam os políticos que haviam ajudado na sustentação da ditadura do Estado Novo, entre 1937 e 45. A UDN era a oposição. O PTB reunia em sua base, principalmente, sindicatos operários e funcionários públicos, um partido de grande apelo urbano, de uma esquerda populista não-marxista. Já o PSD era muito diferente, um partido que juntava líderes políticos regionais de todo o país. Mais conservadores, estavam juntos menos pela ideologia e mais por conta do propósito. O da manutenção de seu poder regional. O partido, de certa forma, servia à constante negociação com a capital federal dos espaços da União e do local. Usavam, sempre que possível, o governo nacional para se alavancar regionalmente. Já a UDN, um partido que reunia de liberais a conservadores ideológicos, era fundamentalmente uma legenda com apelo na classe média urbana de profissionais liberais.

Quando foram forçados a escolher entre Arena e MDB, quase toda a UDN e um bom naco do PSD foi para o lado governista. Houve alguns poucos udenistas, uns outros tantos pessedistas, mas principalmente gente do PTB que formou o partido de oposição. De certa feita, no auge do governo Médici quando o regime estava em seu período mais negro, o jornalista Carlos Castello Branco descreveu o cismo partidário que havia ocorrido anos antes. “Com crueldade pessedista, o sr Tancredo Neves observou certa vez que aquele era o Estado Novo da UDN.” Castello, um jornalista liberal que havia demonstrado simpatias pela UDN antes da ditadura militar e que havia sofrido na ditadura Vargas, observava com acidez a percepção de Tancredo. O político mineiro, um dos líderes regionais que dera forma ao PSD e havia sempre demonstrado facilidade de cooperar com os trabalhistas, estava certo. É como se num arco de vinte anos o jogo tivesse virado. A ditadura era igual, mudara só o grupo no poder. Tanto Castello quanto Tancredo, um nos jornais, outro nas tribunas, eram democratas de verve.

O regime durou vinte anos. Nos primeiros, aquele casamento forçado entre pessedistas e udenistas não foi simples, um constante gerador de atritos, principalmente na política local. Mas, com o tempo, a coisa se assentou. Na segunda metade dos anos 1970, porém, o problema dos militares era outro. Principalmente no núcleo comandado pelo general-presidente Ernesto Geisel e seu chefe da Casa Civil, o também general Golbery do Couto e Silva, estava claro que a ditadura teria de abrir ou cairia. Trataram, pois, de aproveitar o momento em que ainda tinham força para gerenciar a transição para a democracia. Fizeram de tudo num arco de cinco anos. Fundiram, por exemplo, os estados do Rio de Janeiro e Guanabara, para debelar um foco de incêndio que formava políticos fortes de oposição uma eleição após a outra, na antiga capital. Providenciaram uma Lei de Anistia que trazia de volta do exílio gente que deixara o país forçadamente, mas também que fazia passar sem punição a tortura praticada pelo regime. E, claro, publicaram a Lei 6.767 de 1979, que encerrou o período de bipartidarismo no Brasil. Mas tudo foi feito de forma calculada. Todos os partidos teriam de ter ‘partido’ no nome, portanto a UDN não poderia renascer, o que ajudava o partido governista a não se espatifar. E o PTB, por uma série de manobras burocráticas, foi passado a uma sobrinha obscura de Getúlio, Ivete Vargas, assim negando espaço ao principal herdeiro do trabalhismo — Leonel Brizola.

O PTB virou um partido pequeno de direita e a Arena passou a se chamar PDS. E assim teria ficado, um grande partido de direita deixado pela ditadura, não fosse a inabilidade do último general-presidente, João Figueiredo. O PDS era formado por alguns grandes líderes políticos regionais, principalmente no Nordeste, gente como o baiano Antônio Carlos Magalhães e o pernambucano Marco Maciel, mas também de outras regiões — caso do catarinense Jorge Konder Bornhausen. A massa, porém, era formada por políticos de menor estatura, por isso mesmo mais susceptíveis aos pequenos favores do poder. Nenhum destes líderes principais confiava no ex-governador paulista, Paulo Maluf. Mas Figueiredo não conduziu, não intercedeu, simplesmente largou a mão e deixou acontecer a convenção do partido que determinou quem seria seu candidato à presidência da República. Podendo manobrar livremente, popular e fisiológico com a base, Maluf foi escolhido para enfrentar Tancredo Neves, do agora PMDB, no colégio eleitoral. O resultado foi que o PDS partiu em dois — e o grupo mais forte deixou a sigla para formar a Frente Liberal, que declarou apoio a Tancredo. Em pouco tempo, saiu dali um novo partido, o PFL.

A palavra ‘Centrão’ foi usada pela primeira vez durante a Assembleia Nacional Constituinte para designar um grupo de pessoas que se espalhava por diversas siglas — PDS, PMDB, PFL, PTB, PL e PDC. Em comum, defendiam pautas conservadoras para a futura Constituição. Aqueles deputados do primeiro Centrão tinham todos algo em comum. Haviam pertencido à Arena. Mas, naquele momento da história, boa parte do público que acompanhava política tinha memória para compreender que aquele Centrão era a Arena por outro nome. Em 1987, dos 298 deputados constituintes eleitos pelo PMDB, 42 eram filiados à Arena dez anos antes. Quando um grupo maior deixou o PMDB para formar o PSDB, a concentração de ex-arenistas aumentou. Não se tornou majoritária, mas se tornou influente no partido.

A chave para compreender a política brasileira desde então está em perceber que nem toda direita é igual e que o Centrão teve outra cara nos últimos vinte anos.

Dá para dividir a direita em três grupos. Da Constituinte para cá, a velha direita — a Arena — se concentrou em três siglas. O PDS — depois PPB e, enfim, o PP atual; o PFL, hoje DEM; e o PTB. Mas há duas novas direitas. Uma, concentrada entre PDC, ligado à Assembleia de Deus, e Republicanos, da Igreja Universal, é uma direita cuja principal pauta é de costumes e de orientação religiosa. E, por fim, há uma direita monetarista — representada pelo Novo e, um tanto, pelo Patriotas. Que poderia ser chamada de neoliberal, quando o termo se aplica a um liberalismo que ignora a pauta de comportamento e se abraça à econômica. O PSL corre por fora, amorfo, mais uma sigla turbinada pela eleição de Jair Bolsonaro do que qualquer outra coisa.

O PMDB, que voltou a ser MDB, não é um partido de direita — é o verdadeiro grande partido aideológico brasileiro. Perdeu sua identidade de esquerda quando tantos arenistas fugindo do estigma da ditadura migraram para ele. O quinhão socialdemocrata, perdeu-o quando os tucanos deixaram o partido, em 1988. Mas permaneceu com muito do antigo PSD, esta característica de agrupar líderes regionais relevantes fazendo a negociação da distribuição de poder entre o nacional e o local. Durante as últimas três décadas, o PMDB comandou o Centrão. O grupo, assim, batalhou principalmente na pista do fisiologismo.

Agora é diferente. No comando deste bloco de vozes conservadoras está o PP. O antigo PDS. Não bastasse, a conversa corrente no Congresso é da defesa de uma fusão entre PP, DEM e PSL. PP e DEM, ou os antigos PDS e PFL. Os pedaços principais da Arena. É o reencontro do partido da ditadura numa nova sigla, com as mesmas características que tinha ao fim do regime. O fato de que os partidos monetaristas e religiosos que compõem a nova direita estão fora reforça o desenho. A entrada do PSL — composto em essência por neófitos da política mas que tem bancada grande e, portanto, direito a muito da verba do fundo partidário, é só um oportunismo.

A reunião faz sentido do ponto de vista estratégico. A cada eleição presidencial, desde 2002, o Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp faz uma grande pesquisa nacional para ouvir do brasileiro o que ele pensa sobre política. Em 2006, quando Lula se elegeu pela segunda vez, 11,5% se declaravam de esquerda, 19,1% de centro, e 27,8% se punham à direita. Em 2018, os números haviam mudado bastante. Se cresceu a esquerda — 17% —, o centro diminuiu 14,6% e a direita inflou muito mais. 47% dos brasileiros se declaravam à direita do centro. Não só o país polarizou mais, e isso está nos números, como a quantidade de pessoas que diz não saber se posicionar também reduziu.

A direita do tempo da ditadura se reestruturou e, mesmo quando Jair Bolsonaro deixar a presidência, esta terá sido uma das heranças de seu governo.

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