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Ouça 2025

Há pouco tempo, em uma festa, já ligeiramente levado pelos bons eflúvios dos espíritos, tentei argumentar que ainda era feita muita música boa hoje. Coisa que defendo com certa frequência e quase sempre recebo como resposta um misto de desdém ou incredulidade. Neste dia, meu interlocutor não deveria ser uma pessoa desavisada. Era um jornalista com mais de 50 anos, que havia editado produtos editoriais importantes e escrito bastante sobre música até o começo dos anos 2000.

Eu entendo esse conservadorismo. Com a internet, mudamos de um mundo bastante restrito, com um grupo precisando vencer inúmeros filtros para ter sua música lançada, para a realidade de hoje em que qualquer jovem com um celular e um PC velho consegue fazer um funk de sucesso. Na era da abundância, dos ultranichos, não é fácil se encontrar nem garimpar as melhores coisas. E é menos frequente ainda ter o tempo ou desejo de mergulhar em pesquisas quando praticamente toda a história da música gravada está disponível sem muito esforço.

Esse jornalista não foi o primeiro nem o último a defender a superioridade da música de ontem. Perdi a conta das vezes que ouvi de diferentes pessoas que não existe música boa sendo produzida no Brasil hoje. Na verdade, no mundo. Ou que bom mesmo era quando… (aí você pode preencher essa lacuna com o ponto no tempo para onde seu saudosismo aponta). Eu entendo as muitas camadas de dificuldades que a música feita hoje precisa romper para se fazer ouvida. E, para a obra que não é pensada e vendida como produto de massa, essas barreiras são ainda mais altas. E, junto com isso, há a decadência da escuta do álbum. Na festa dos streamings, o que vale é o single.

Por outro lado, desde antes de começar a escrever sobre música nos anos 1990, eu sempre dei importância a conhecer a arte que é feita nos nossos tempos e dialoga com eles. Me interessa mais o presente que o passado, talvez um vício de jornalista.

Para as pessoas que não acreditam que exista nada de novo e sobretudo para aquelas que ainda são alimentadas pela curiosidade, resolvi fazer uma seleção de alguns dos melhores discos produzidos no Brasil neste 2025. Como toda lista, é lindamente imperfeita. Mas obedece a alguns critérios. Tirei artistas consagrados. Assim, álbuns maravilhosos como Alaíde Costa, Uma Estrela para Dalva ou Mateus Aleluia, do mestre baiano do Tincoãs, ficaram de fora. E mais do que criar um ranking, a ideia aqui é abrir possibilidades de escuta. E que sejam álbuns bons do começo ao fim, uns mais dentro do cânone outros ainda tentando sair fora da casinha, o que é cada vez mais difícil nesse mundo que se alimenta de passado e referências estabelecidas. Vamos à lista, organizada por ordem alfabética a partir do artista.

Cabeça a Mil e o Corpo Lento, Alberto Continentino (Selo Risco)

Alberto Continentino é um dos baixistas mais requisitados do país, não à toa seu terceiro disco solo é recheado de participações de artistas com quem colabora, como Nina Becker, Ana Frango Elétrico, Dora Morelembaum e Silvia Machete. Como muitos dos lançamentos deste ano, ainda traz os desdobramentos dos tempos pandêmicos, gravado na serra do Rio. Continentino não se limita ao baixo e as canções passeiam por muitos estilos, bebe no jazz e no funk, no rock, mas imprime uma singularidade sobretudo com texturas sonoras que fazem com que as canções atravessem diferentes tempos e se cristalizem em um todo coeso e elegante.

Dubs Imaginários, Anelis Assumpção (Taurina)

Dub é uma arte, e a relação de Anelis Assumpção com a música jamaicana vem de longe. Basta lembrar os inúmeros shows que fez recriando a obra prima Legalize It, de Peter Tosh. Aqui ela mergulha no repertório de seu disco de 2018, o ótimo Anelis Assumpção e os Amigos Imaginários, de 2014, criando versões espaciais, cheias de graves e ecos, tendo quase sempre como parceiro o mestre Victor Rice.

O Mundo Dá Voltas, BaianaSystem (Máquina de Louco/UMPG)

O mais novo disco do grupo baiano saiu pouco antes do Carnaval e, na realidade, o que tem de mais interessante é a proposta de levar o som da banda — caracterizado pelo casamento de batidas eletrônicas e grave potente com a sonoridade única da guitarra baiana —, para uma conversa com diferentes colaboradores. Uma proposta interessante depois de mergulhar nas influências caribenhas do álbum anterior. Com Colaboradores como Vandal e Pitty, Manoel Cordeiro ou Emicida, o que vemos são conversas muito diferentes que sintetizam caminhos muito interessantes da música de hoje.

KM2, Ebony (Independente)

O título do disco remete a Queimados, na Baixada Fluminense, apelido que Ebony e seus amigos davam ao lugar onde cresceram. Não à toa, o disco todo é uma investigação muito pessoal da rapper. Isso fica evidente em faixas como Não Lembro da Minha Infância, em que relata abusos. Por outro lado, o álbum também exploras as relações dentro do mundo da música, sem se furtar em colocar o dedo no machismo que permeia o rap. Isso já seria suficiente para construir um bom disco, mas a produção é que leva o disco para outro patamar, com beats matadores.

AVIA, Josyara (Deck)

Para quem gosta de violão, Josyara é uma dessas jovens artistas incontornáveis. Em seu terceiro álbum, ela resgata a força de seu violão muito influenciado pelo sertão baiano num casamento perfeito com seu cantar muito pessoal. Também é um disco marcado por muitas parcerias com algumas das mulheres mais interessantes da cena da nova música popular brasileira, como Juliana Linhares, Iara Rennó, Liniker e Pitty. Mas refletida em outras ela parece encontrar sua essência, que transpira nessas dez breves canções.

Vol 1., Jovens Ateus (Balaclava Records)

Esse é um disco que poderia ter sido feito durante a minha adolescência. A banda paranaense de Maringá bebe diretamente no pós-punk para entregar esse disco cheio de angústia e melancolia, mas uma mistura incrível de riffs de guitarra e climas de sintetizador, bem na onda da cold wave que entregou discos lúgubres na primeira metade dos anos 1980. E quem já tem uma certa estrada vai lembrar que Jovens Ateus era uma das músicas do Muzak que compunham a seminal coletânea Não São Paulo. Banda que sabia, como esse quinteto, dosar bem melancolia e linhas dançantes. Um disco pra alimentar com gosto a nossa retromania.

El Baile Rock, Les Rita Pavone (Selo Maxilar)

Esse é o primeiro disco de uma banda que existe desde 2006. Formada em Belém, e com uma boa estrada em festivais, só agora a les Rita Pavone registrou seus experimentos com o cânone brasileiro. O interessante é que esse é um disco cheio de referências setentistas, impossível não ouvir nas canções dos paraenses ecos de Wilson Simonal, Jorge Ben Jor, Jards Macalé. Claro que, vinda do Pará, a banda tempera esse groove com estilos do norte como carimbó, cumbia, brega. E consegue brincar com sínteses mais pop, em canções mais breves, e viagens mais longas, quase psicodélicas, mas sempre atenta aos quadris.

Um Mar para Cada Um, Luedji Luna (Independente)

Esse é o disco mais ousado da cantora que tomou o Brasil com seu Banho de Folhas. O álbum traz os principais elementos do neo-soul mas com uma sofisticação jazzística única. Justamente por isso, é um disco mais exigente, desses que pedem que os sons sejam decantados devagar e decodificados aos poucos. Um passo bem importante para a musicista baiana, que dá um salto como compositora. E também é um disco cheio de abertura para diálogos, seja com a  saxofonista inglesa Nubya Garcia, que vira de cabeça pra baixo Dentro Ali, cuja versão original está em Um Corpo no Mundo, seja com o trompetista japonês Takuya Kuroda, que explora um lado mais pop em Salty.

Boca do Tempo, Sergio Kracowski (Rocinante)

O percussionista carioca diz que esse é um disco que levou a vida toda para ser feito. Ou seja, é um disco de síntese. Pandeirista singular, sobretudo por que tem toda uma carreira aberta à improvisação e às experimentações, em Boca do Tempo ele explora as relações da voz, das palavras, com o ritmo. Esse falar rítmico, influenciado pela percussão brasileira, cria poemas-canções únicos e, às vezes, flutuam tanto no tempo, com tantas quebras inesperadas, que lembram as divisões da música percussiva indiana. Não é um disco fácil de ouvir, mas é um dos experimentos mais interessantes do ano.

VERAS I, Vera Fischer Era Clubber (Palatável Records)

Muita gente reclama que a música vem sendo reciclada ad nauseam. Pois um antídoto para a repetição vem dessa turma do Rio de Janeiro, mais precisamente de Niterói, que, convenhamos, tem o melhor nome de banda dos últimos tempos. Vera Fischer Era Clubber tem uma formação sucinta  (baixo, bateria,  synths), que produz um electro inventivo, que serve de cama para a vocalista Crystal destilar letras faladas com um humor fino e um olho agudo para a crítica social e pessoal, que evocam tanto as crônicas de um Fasto Fawcett como a intimidade aberta do No Porn.

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