Selic alta afeta o Imposto de Renda
O prazo de entrega da declaração de Imposto de Renda começou na última segunda-feira. Dois dias depois, o Banco Central elevou a Selic a 14,25% ao ano — maior patamar desde outubro de 2016. O que uma coisa tem a ver com a outra? Para quem não tem contas a ajustar com o Leão, nada. Já para aqueles que têm dinheiro a receber ou a pagar à Receita Federal, a taxa básica de juros é usada para corrigir o montante devido ao contribuinte ou ao governo. No ano passado, quase 60% das declarações tinham restituição a receber, enquanto 21% tinham imposto a pagar.
No primeiro dia de envio da declaração, não faltaram postagens nas redes sociais sobre a tão esperada restituição. Mas em tempos de juros nas alturas e com indicação de nova alta na reunião de maio do Comitê de Política Monetária do Banco Central, deixar o dinheiro com a Receita Federal por mais tempo e recebê-lo apenas no último lote pode ser uma boa opção para quem não tem dívidas ou outros compromissos imediatos.
“Quanto mais tarde a declaração é entregue, mais tarde é feita a restituição, podendo ficar até para o último lote. Com o atual patamar da Selic e o viés de uma nova alta, faz sentido deixar a entrega para o fim. São quatro meses de correção a 100% da Selic. No mercado, não se encontra investimento que remunere 100% da Selic a risco zero”, explica Felipe Coelho, sócio de Impostos da EY Brasil.
As restituições serão liberadas a partir de 30 de maio, seguindo um cronograma com cinco lotes, sendo o último creditado em 30 de setembro. Quanto antes for a entrega, mais rápida será a restituição. Além disso, têm prioridade pessoas com 80 anos ou mais, seguidas de quem tem 60 anos ou mais e pessoas com deficiência e pessoas com doença grave. Depois, vêm as pessoas cuja maior fonte de renda vem do magistério e as que utilizaram a declaração pré-preenchida e que optaram por receber a restituição por PIX. Por fim, quem fez apenas a declaração pré-preenchida ou optou pela restituição via PIX.
Vale lembrar que a restituição nada mais é do que a devolução do Imposto de Renda recolhido no ano anterior que superou o valor total que deveria ter sido pago pelo contribuinte. É um ajuste de contas. Apesar de o governo ter ficado com esse dinheiro desde o ano passado, a correção do valor a ser restituído só começa a ser aplicada a partir do último dia do prazo de entrega da declaração, que neste ano é 30 de maio. A restituição média paga no ano passado foi de R$ 1.482. De acordo com cálculos feitos pela Casa do Investidor, isso renderia aproximadamente R$ 70 entre o primeiro e o último lotes. Por isso, se você não precisa da restituição de imediato, segurar a entrega e ficar no último lote é uma boa opção.
Por outro lado, se você está devendo ao Leão, o ideal é pagar à vista já que as parcelas do imposto devido também são corrigidas pela taxa básica de juros. “É possível parcelar o imposto devido em até oito vezes, de maio a dezembro. Com exceção da primeira parcela, todas as outras são corrigidas pela Selic. Sendo assim, na hora de pagar o imposto quem parcelar vai notar uma diferença entre uma parcela e outra. Com a taxa de juros tão alta, essa diferença também é maior”, afirma Coelho.
Apesar de a maioria dos contribuintes ficar chateada quando há imposto a pagar, o sócio de Impostos da EY esclarece que é melhor pagar de uma vez do que antecipar o dinheiro ao governo. Assim, o contribuinte só paga o que realmente deve. E o ideal é se organizar mensalmente para não ter sustos na hora de acertar as contas com o Leão no ano seguinte. E esse cenário de surpresa em relação ao imposto a pagar pode atingir mais pessoas no ano que vem, se for aprovado o projeto de lei que isenta de Imposto de Renda quem ganha mensalmente até R$ 5 mil e dá um desconto para aqueles que recebem até R$ 7 mil por mês.
“O projeto de lei não ajusta a tabela progressiva como um todo. Até 2015, havia ajuste em todas as faixas. Agora, foi criada uma nova tabela, de redução de IR, para que quem ganha R$ 5 mil por mês não pague nada e quem receba entre R$ 5.001 a R$ 7 mil tenha uma redução parcial. Se, ao longo do ano, a pessoa tiver mais de uma fonte pagadora e todas forem até R$ 5 mil, por exemplo, o contribuinte vai ficar isento em todas, mas quando fizer o ajuste anual, vai imposto a pagar. E isso pode ser uma surpresa negativa. O PL beneficia quem ganha até determinado valor. Se ganhar mais de outras fontes, cai na regra geral. O próprio PL apresenta uma tabela anual, onde isso fica mais claro”, alerta o especialista.
Lógica semelhante vai valer para a taxação dos dividendos dos “super-ricos”. Só que com antecipação de IR à Receita Federal, via retenção na fonte. Para compensar a isenção de quase 10 milhões de contribuintes que ganham até R$ 5 mil por mês, o que vai gerar uma renúncia de receita de R$ 25,84 bilhões em 2026, entre outras medidas, o governo propôs reter na fonte 10% dos dividendos a partir de R$ 50 mil por mês no ato da distribuição para o acionista, assim como já acontece com os juros sobre capital próprio. Na declaração anual, se for observada que a pessoa recolheu acima da alíquota mínima efetiva da sua faixa de rendimentos, será feita uma devolução, na forma de restituição. Hoje, os dividendos pagos a sócios de empresas são livres de IR porque esse valor já foi tributado na pessoa jurídica.
“Na apuração anual, é preciso somar toda a renda do ano. Se a pessoa receber dividendos de R$ 60 mil todos os meses do ano, mensalmente vai ser descontado em R$ 6 mil para o IR. No ano, essa pessoa terá recebido R$ 720 mil. E o imposto devido nesse caso não será 10%, mas uma tributação mínima de 2%. Então, apesar de ter pagado R$ 72 mil de imposto ao longo do ano, o valor devido de fato era R$ 14.400. Essa diferença será restituída”, detalha Coelho, acrescentando que essa mudança não vai afetar pessoas de alta renda que têm carteira assinada, mas pode atingir quem está em situação mista, recebendo uma parte como CLT e o restante como pessoa jurídica.