Uma direita sem vergonha
Cesar Zucco, professor da FGV-Ebape, e Timothy Power, da Universidade de Oxford, dedicam-se há décadas a compreender o que pensam os parlamentares brasileiros. Conduzem pesquisas que buscam descortinar suas ideologias a cada legislatura. E já no ressurgente período democrático, em meados dos anos 1980, detectaram o fenômeno da direita envergonhada no Brasil. Políticos que haviam sido parte da máquina autoritária do regime militar se despiram dessas vestes com tremendo desapego, trocando de filiação partidária e de discurso — mas não de visão de mundo. A noção de direita envergonhada era tão palpável que, além de conceito teórico, penetrou no imaginário político do país.
Os cientistas políticos, então, se propuseram a investigar se esse mesmo fenômeno acontecia em outros países da América Latina. Concluíram, na pesquisa recém-publicada It’s My Party and I’ll Lie If I Want To: Elite Ideological Obfuscation in Post-Authoritarian Settings, que sim. Mas não de forma tão acentuada quanto por aqui. “Isso tem a ver com o fato de que, em outros países, não havia partidos políticos dando sustentação ao regime autoritário”, explica Power. No Brasil, ao contrário, Arena e PDS eram governistas no auge da repressão e da crise econômica do regime. Estar associado a esse legado não era eleitoralmente vantajoso. Ocultar a ideologia, sem abrir mão dela, foi a saída.
Passadas algumas gerações e presidências à esquerda, a vergonha deu lugar ao orgulho. Uma nova direita vaidosa de suas convicções e sem o peso da memória da repressão emergiu com tudo. “Se o político não tem mais o risco de se associar à ditadura, ele pode falar a favor da repressão, e as pessoas não sabem muito bem o que é, porque não lembram direito. Agora, essa defesa do autoritarismo não é em si a maior característica da direita atual. Não está todo mundo defendendo a ditadura o tempo todo. Ela é, com certeza, muito anti-PT”, acrescenta Zucco. Confira os principais trechos da entrevista abaixo.
O conceito de direita envergonhada que vocês investigam é o mesmo que temos no senso comum?
Timothy Power — O senso comum e a definição do termo são iguais, na verdade. É um político conservador, à direita do centro, mas que foge ao rótulo de direita, de conservador. Eu estava no Brasil no final dos anos 1980, observando as eleições, nos tempos da chamada Aliança Democrática. Percebi que os que estavam no PMDB ou em outros partidos usavam a sigla e os do PDS e PFL as evitavam. Um eleitor me explicou: se eles não se identificam no santinho é porque são do PFL. Então, era uma maneira de fugir de uma ligação direta com o regime militar, que naquele momento estava sofrendo sua pior crise de legitimidade. A direita envergonhada é exatamente o que o termo diz, na lata.
Cesar Zucco — O interessante nesse caso é que os números eram muito extremos. O Tim esteve no Brasil em 1988, na Constituinte, fazendo o trabalho que resultaria no livro sobre a direita no pós-autoritarismo [The Political Right in Postauthoritarian Brazil: Elites, Institutions, and Democratization]. Se você pedisse para os deputados se manifestarem, dos 300 a quem você poderia perguntar, não tinha praticamente ninguém que diria que era direita, ninguém. Era um fenômeno muito marcado, impossível de não se perceber. Talvez se perca essa dimensão do quão agudo isso era. Esse assunto ficou um tanto dormente por algum tempo, depois do fim dos anos 1990, em que o fenômeno não havia mudado tanto. O tema saiu de moda. Mas havia duas coisas que nunca tinham sido analisadas até retomarmos com esse artigo. A primeira é se esse fenômeno existia em outros lugares. A segunda é que não tínhamos voltado ao assunto para tentar mensurar, da mesma forma que se mensurou lá no início, como é que o fenômeno está hoje. O senso comum também sugeria que hoje não é mais assim. Mas a gente não tinha replicado os trabalhos anteriores.
Em que que o modelo da direita envergonhada brasileiro tem ressonância com outras direitas envergonhadas da América Latina?
Power — As pessoas usavam a expressão direita envergonhada e imaginavam que era uma jabuticaba brasileira. Só que suspeitávamos que não era. Agora, Cesar foi atrás dos dados da pesquisa de Salamanca [o estudo combina informações do projeto Elites Parlamentares da América Latina, o Pela, que cobre dez países da região, com nove ondas da Pesquisa Legislativa Brasileira, a PLB, aplicadas entre 1990 e 2021]. E mostrou que não é uma jabuticaba, é um fenômeno bastante comum. Só que ele é bem mais acentuado no Brasil do que nos outros países. Você pode imaginar que, mesmo se não houvesse um regime militar, existiriam razões estruturais para fugir do rótulo de direita em sociedades marcadas por pobreza, desigualdade, etc. As soluções propostas pela direita normalmente seriam vistas com suspeita. Há essa dimensão estrutural de sociedades em desenvolvimento, mas também há fatores conjunturais. Como a ressaca de uma ditadura. O Brasil tem tanto as razões estruturais como as conjunturais. Além disso, se fizermos um experimento psicológico e perguntarmos a todos os eleitores nos países pós-autoritários se eles poderiam identificar os apoiadores ou veteranos daqueles regimes, o Brasil é o país onde era mais fácil fazer isso para o eleitor. Isso porque a ditadura era um regime especial que tinha partido oficial, tinha partido governista com legenda, com candidatos, com rótulo. Então, uma ligação com a Arena ou o PDS era muito fácil de descobrir, era impossível de ocultar. Enquanto, por exemplo, no Chile não existiam partidos políticos entre 1973 e 1990. E na Argentina o regime sequer tentou criar um partido oficialista. Então, no Brasil existe esse atalho psicológico do eleitor, ele é bem marcado.
Zucco — Descobrimos essas tendências em outros países, menos claras do que no Brasil, mas porque realmente o Brasil tinha as condições ideais para esse tipo de fenômeno surgir. Foram 20 anos de funcionamento de regime autoritário ininterruptos, mas havia eleições legislativas e municipais na maior parte das cidades, havia atividade política, os políticos continuaram existindo, trabalhando. E ao longo de 20 anos, nesse mundo com menos partidos, eles desenvolviam algum tipo de reputação ligada aos partidos — ainda que isso não fosse super claro e, no interior, muitos eleitores não soubessem quem era da Arena, quem era do MDB. Mas ainda assim, acabado o regime, não era tão fácil eles simplesmente passarem a borracha no passado. Outras hipóteses surgem sobre a força do fenômeno, mas não há como testar de forma cabal. Um exemplo é a hipótese de que quanto mais repressivo tenha sido o regime, maiores as condições para haver uma direita envergonhada.
A vergonha estaria mais associada ao índice de repressão ou mais ao índice de maus resultados econômicos?
Zucco — Adoraríamos poder responder essa pergunta. Não tem evidência para isso. Mas ambas as hipóteses são plausíveis. O regime pode ter terminado de forma desonrosa por inúmeras razões. Um dos exemplos mais claros é o da Argentina, que teve uma crise econômica enorme — bem, todos nós tivemos crise econômica, mas a Argentina teve uma particularmente grave —, teve também uma repressão brutal nos últimos anos do regime e o país ainda perdeu uma guerra. Só que o ponto que faltou na Argentina é que não havia nenhum partido de sustentação do regime. Não havia nenhum político que quis dar a cara para proteger a ditadura.
A contrapartida é que o Brasil não teve o efeito dos “militares envergonhados”. O quanto o modelo de transição determina na vergonha dos envolvidos?
Power — Ele é bastante importante. Na Argentina, só havia militares para culpar. E alguns economistas vendidos, mas principalmente militares. No Chile, há outro fator: os últimos anos de Pinochet coincidiram com uma expansão econômica. Então, aquele regime saiu do poder em um momento de melhora, de ascensão econômica, e também de menos repressão. No Brasil, se a transição tivesse ocorrido em 1980 em vez de 1985, o legado agregado do desempenho econômico do regime teria sido bem melhor e eu acho que a direita não ficaria tão envergonhada. Mas isso é uma hipótese contrafactual, não há como testar isso. O que se sabe é que havia um corpo de políticos que o povo podia culpar. A Constituinte teve 559 membros, com mais ou menos 220 que tinham sido membros da Arena ou do PDS. É uma taxa de sobrevivência muito grande, mas ela foi alta porque muitos migraram para o PMDB ou para a PFL, se esconderam, trocaram a legenda.
Essa transição que não puniu ninguém deu espaço para que a vergonha ficasse no campo político exclusivamente.
Power — A transição não teve perdedores políticos no Brasil. Por exemplo, em Portugal a direita política foi destruída pela transição e eles ficaram afastados do poder durante anos. No Brasil, teve uma transformação, uma migração, um ofuscamento, troca de legendas. Mas também o fato é que Tancredo e Sarney fizeram a aliança democrática. Então, só quem foi contra a transição em 1984 foi uma minoria, os malufistas.
Zucco — Isso tem alguns paralelos com a transição pós-comunista no Leste europeu, onde alguns remanescentes comunistas do antigo regime saíram razoavelmente bem e outros, razoavelmente mal. A maneira com que as transições ocorrem tem impacto, tem associações gerais com o que acontece depois. No Brasil, os militares submergiram por um tempo, saíram de cena e escaparam de ser defenestrados como em outros lugares. E na classe política também não tinha ninguém defendendo os militares. Essa não era uma questão controversa, não estava em pauta, foi varrido para debaixo do tapete.
É correto deduzir que a direita envergonhada deu origem ao Centrão? Deixa de ser direita e propõe o que no lugar?
Zucco — Bem, o termo Centrão é de uma certa forma uma manifestação concretíssima da direita envergonhada. A primeira coisa é você não se chamar de direita, não forma o Direitão. Agora, você continua fazendo mais ou menos o que fazia antes, mas fala de forma diferente. O ponto da direita envergonhada é uma questão de terminologia, de uso do discurso, de etiqueta, de rótulo. As pessoas não eram menos de direita de fato. Não é que eles estivessem moderando as preferências. Eles estão tentando parecer moderados. A resposta típica era: “Ah, não, eu sou de um partido de direita, mas eu estou mais à esquerda, eu sou mais moderado do que meu partido”. Ninguém está votando ou agindo de uma forma diferente, mas estão todos tentando tirar esse rótulo da direita. Só que isso é feito de uma maneira muito sistemática. Isso pode parecer uma questão menor, uma questão de rotulagem, mas isso leva a uma outra questão do jogo político: “eu posso falar isso aqui, mas eu não vou ser abertamente de direita”. Isso é uma das principais mudanças, porque os políticos imaginavam, antecipavam que não seria eleitoralmente viável se dizer de direita, mas eles são.
Power — Bem, há o Centrão 1.0 e o Centrão 2.0. O Centrão da Constituinte foi uma rebelião muito específica sobre o regimento interno daquela assembleia, porque o primeiro ano tinha sido dominado pela ala progressista do PMDB. Depois da rebelião, foram trocadas as regras. Todo mundo sabia que era a vingança da direita, mas eles não podiam chamar isso de direita. Então, escolheram o nome Centrão, isso pegou na mídia. Essa foi a primeira instância de um rótulo sendo usado para ocultar a verdade, que aquele era um movimento conservador. Outra coisa de conjuntura é que eles eram sarneyzistas, ou seja, muito alinhados com o governo da hora, que queria a manutenção do presidencialismo e um quinto ano de mandato. É um governismo com o rótulo falso. Agora, depois de um tempo, não sei exatamente quando, esse rótulo ressuscitou.
De que maneira esse ocultamento ideológico se materializa nas pautas do Congresso e na terminologia dos políticos?
Zucco — Desde que o Tim começou essas pesquisas legislativas, e eu continuo tocando essas pesquisas com ele uma vez por legislatura, a divisão entre esquerda e direita é um eixo bem definido nas pautas — embora tenha arrefecido um pouquinho ali no final do período Fernando Henrique e no comecinho de Lula 1. Existem muitas dimensões possíveis de conflito político — religioso, social, econômico —, mas elas são muito correlacionadas no Brasil. Não existe um espaço bidimensional, não tem ninguém religioso antissecular de esquerda, por exemplo. Não tem nem nunca teve. Algumas dessas questões não eram tão relevantes, mas as questões relevantes da hora quase sempre podiam ser mapeadas em esquerda e direita. Não é que estivesse todo mundo concordando. Houve um pouco mais de concordância, de consenso econômico, no começo do governo Lula 1. Várias coisas aconteceram para isso. Primeiro, a esquerda ficou muito pequena. Depois, a esquerda cresceu e ficou um pouco mais moderada, enquanto a direita aparentemente sempre foi mais ou menos a direita. Mas o resumo é que, embora existam várias outras questões em discussão sempre na política brasileira, elas acabam colapsando, até hoje pelo menos, para uma dimensão esquerda e direita, que é essencialmente econômica, e as outras coisas mapeiam muito bem ali. O que aconteceu foi uma reorganização do como é que o político fala sobre si, do orgulho.
Qual foi o gatilho para que a direita deixasse de se envergonhar e voltasse a se orgulhar no Brasil?
Power — Há vários gatilhos. O principal é a morte. A substituição de quadros. As pessoas que tinham uma relação direta com o regime militar quase desapareceram da política brasileira. Tem alguns que ainda estão na ativa. Mas há uma renovação no Congresso muito forte. Esse é um fator permissivo, mas não explica por que uma direita desenvergonhada veio a tomar seu lugar. Isso precisa de outra explicação. No nosso trabalho, não ficamos muito tempo pensando sobre isso, mas o contexto de socialização dos novos quadros foi muito diferente. Temos de lembrar que o PT ganhou quatro eleições presidenciais consecutivas entre 2002 e 2014. Essa nova geração entrando na política, à direita do centro, foi socializada em um regime em que um partido dominava a presidência. Isso deu um foco muito forte de oposição, de polarização contra o PT, que é uma maneira muito diferente de se socializar se comparada com os anos 1980 e 1990. Outro fator são as influências internacionais. Veja a influência de Steve Bannon sobre o filho de Bolsonaro. Ou quando esse campo perde batalhas com o ministro do Supremo e vai buscar apoio de deputados republicanos em Miami. A velha direita não teria feito isso.
Zucco — É bastante provável que, nas condições do final dos anos 1980 e do início dos anos 1990, esses gatilhos internacionais não teriam surtido efeito justamente por conta da vergonha dos políticos de direita pela associação com a ditadura. Por isso, essa mudança geracional é permissiva. Sem ela, as outras mudanças não teriam rendido frutos, porque seria um ambiente inóspito para alguém se dizer abertamente de direita. Pode parecer meio óbvio que a alternância geracional possibilitaria esse tipo de coisa, mas é muito interessante quando se analisam os dados. Lá no início, as pessoas que individualmente estavam associadas ao regime tinham uma probabilidade muito maior de serem envergonhadas. Muito maior. Era um vínculo pessoal, “meu passado me persegue e eu quero escondê-lo”. Uma vez que esse passado “deixa de existir”, e que esses jovens são socializados e se tornam maiores de idade num período democracia, acontece uma mudança razoavelmente abrupta na propensão de essa pessoa ser envergonhada. “Minha vida começou num ambiente democrático, não tem essa ligação com o passado, esse não é um problema meu.” Agora, salpique isso com quatro, depois mais quatro anos de governos de esquerda. Se eu quero ser um político, sou jovem, não tenho nenhuma restrição à ditadura anterior, e tem esse governo aqui que eu sou contra, ali estão as condições ideais.
Power — O oxigênio dessa nova direita é diferente. Ele passou da vergonha para um antipetismo positivo, digamos, um antipetismo desenfreado, aberto. Há as influências internacionais e tem ainda uma certa legitimação por parte das igrejas neopentecostais. As batalhas de costumes não faziam parte da velha direita. Eles não se interessavam pela pauta de valores.
O fim dessa vergonha não vem só livre do passado autoritário, mas com uma boa parte da direita exaltando o passado autoritário. Seu expoente, Jair Bolsonaro, foge dessa curva por ter se mantido fiel a essa exaltação, inclusive no período da vergonha. Como se explica isso?
Zucco — Bolsonaro é um caso curioso porque ele era basicamente um pária. Quando eu comecei o mestrado, o doutorado, ele sempre era o exemplo de outro fenômeno. “Olha, tem algumas vantagens num sistema muito permissivo, porque até os caras muito extremos como aquele cara lá, o Bolsonaro, têm um espaço dentro do sistema, então ele não está lá fora organizando milícia, ou um grupo terrorista, qualquer coisa assim. Deixa ele ali, ninguém presta muita atenção.” Ele é a exceção das exceções, de ter se mantido naquele nível de estridência, de apologia da ditadura por todos esses anos, e razoavelmente bem-sucedido, conseguindo se reeleger continuamente. É um caso raríssimo. Agora, por que essa juventude faz uma retomada do ethos ou da razão de ser da ditadura, realmente é curioso. Essa mudança geracional aconteceu não somente entre políticos, mas entre os eleitores. As pessoas não lembram. Há evidências em outros estudos de que é muito mais fácil alguém responder numa pesquisa que a ditadura não é tão ruim assim quando não se dá, na pergunta, nada muito específico do que aconteceria com ela numa ditadura. Quando a ideia é genérica. Assim que você começa a detalhar algumas coisas que as pessoas deixariam de poder fazer, o apoio para a ditadura diminui muito. Parte da história aqui é de mudança geracional e de esquecimento mesmo. Se o político não tem mais o risco de se associar à ditadura, ele pode falar a favor da repressão, e as pessoas não sabem muito bem o que é, porque não lembram direito. A repressão no Brasil foi intensa numa certa camada social e em algumas cidades em particular, mas não foi necessariamente generalizada. Para muita gente, isso não as afetou diretamente.
A ponto de isso ser uma pauta aceitável e até desejável?
Zucco — Eu não sei se essa defesa do autoritarismo é em si a maior característica da direita atual. Não está todo mundo defendendo a ditadura o tempo todo. Ela é muito anti-PT. Uma das nossas perguntas na pesquisa recorrente com parlamentares é sobre o apoio ao artigo 142 da Constituição. O artigo 142 é controverso no que que ele está dizendo exatamente. Ao longo do tempo, esquerda e direita passaram a concordar mais e, mais recentemente, passaram a divergir de novo sobre ele. Uma fatia desse pessoal que pediu intervenção militar nas portas dos quartéis estava submersa menos numa adesão à ditadura e mais numa rejeição de 15, 20 anos de governos à esquerda. Havia uma sensação, depois da eleição apertada de 2014, de que “se não ganhamos agora, não ganharemos nunca mais”.
Pode existir uma direita envergonhada do bolsonarismo?
Zucco — Isso é interessante. O governo Bolsonaro, apesar de tudo, não foi um fracasso completo como o regime militar argentino foi, por exemplo. Houve erros monumentais, mas foi um governo que terminou com mais de 49% dos votos para se reeleger. Nesse sentido, não está claro que tenha sido ruim a ponto de justificar uma vergonha. Com sua eventual prisão pela condenação pelo golpe, seu apelo pessoal talvez diminua para uma parcela mais ampla da população. Mas, para os políticos que estarão disputando seu legado, se separar completamente do Bolsonaro não vai ser um bom negócio. Ele ainda tem um respaldo bastante razoável.
No campo oposto, há um movimento forte de alguns políticos do PT de se aproximar cada vez mais do centro. Pode estar surgindo uma esquerda envergonhada?
Zucco — Mesmo ali naquele momento pós-Dilma, que foi o a bacia das almas para o PT, não houve um petismo envergonhado. Houve um fracasso político, o momento era de crise econômica, embora tenha tido um período de boom anterior, mas o PT tinha estrutura suficiente para se manter e se recuperou razoavelmente rápido. A quantidade de pessoas na população que se diz petista caiu naquele período, mas três anos depois já estava de volta aos 25%. No auge da popularidade do Lula, chegou a 28%. Mas 25% é muito para um partido brasileiro, é algo sem precedentes. Eleitoralmente, acho que vamos ter candidatos tentando se afastar dos dois lados. Mas não a ponto de isso gerar uma vergonha. Até porque para ganhar o meio você tem que ganhar o seu campo primeiro. Não é tão fácil se livrar do PT do lado da esquerda e de Bolsonaro na direita.