Como se faz um golpe
Foi golpe. Até ontem, a quarta-feira sete de fevereiro de 2024, poderíamos discutir semântica. Se as pessoas sabiam o que estavam fazendo, o quanto a depredação dos palácios dos três poderes são violência contra o patrimônio ou tentativa de derrubar o Estado Democrático de Direito. Poderíamos pegar a minuta do golpe, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, e dizer que aquilo foi um desmiolado qualquer do terceiro escalão que fez. Poderíamos dar toda sorte de desculpas para quando os generais Augusto Heleno e Braga Netto deixavam o Palácio do Alvorada dizendo pras pessoas aguentarem firme, que coisa boa vinha aí.
Com amor, Toffoli e Lira
A Lava Jato foi um problema, não só em Curitiba, mas principalmente em Curitiba. Foi um problema porque, ali, o juiz Sérgio Moro e os procuradores liderados por Deltan Dallagnol escolheram que teriam um alvo político específico para além da investigação criminal. O PowerPoint virou meme da internet por não ser possível sustentar com provas aquele bando de círculos apontando pra Lula como líder de uma quadrilha. A condenação do presidente é questionada por um sem número de advogados do ramo. E aí tem os detalhes mais sórdidos, né? A delação que não fica de pé do ex-ministro Antonio Palocci divulgada sem motivo aparente às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. Com cara, com jeito, com cheiro de jogada política para influir nas urnas. E tudo ficou muito mais feio quando dias após a vitória de Jair Bolsonaro, Sérgio Moro aceitou de bom grado deixar a carreira na magistratura para assumir como seu ministro da Justiça.
Bolsonaro, candidato em 26
A extrema direita tem um problema. Jair Bolsonaro é imensamente popular, no nível se as eleições fossem hoje, batia de frente com Lula tendo chances de ganhar. Só que Bolsonaro foi tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral. A turma do PL, do seu partido, já começou a testar nomes com pesquisas. Já andou circulando o nome do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas. Da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Mas nenhum desses nomes realmente decola. Ninguém tem o carisma de Bolsonaro. Se você acha estranha a ideia de atribuir carisma a Bolsonaro, deve ser porque andou por Marte nos últimos anos. Só dois líderes políticos no Brasil são capazes de atrair multidões para as ruas. Nos últimos anos, o que leva multidões maiores é Bolsonaro. O fato é que vivemos aquilo que o jornalista Thomas Traumann e o cientista político Felipe Nunes chamam de calcificação política. As pessoas estão congeladas onde estavam e tem um pedacinho pequeno que pode ir prum lado ou pro outro. É uma polarização afetiva. Não há qualquer indício de que isso vá mudar até 2026.
Liberal não é isso aí, não
Hoje Pedro estava de bom humor ao responder os haters — e teve de tudo. Gente que o considera comunista, gente que acha que a ditadura não perseguiu artistas, gente que o considera canhoto. (É destro. Bem incapaz com a mão esquerda.)
IA, Biden e Taylor Swift
Deixa eu tocar só um trecho desse robocall pra vocês. Esse é um termo muito comum nos Estados Unidos, robocall. São ligações robotizadas, automatizadas. O político grava uma mensagem, em geral uma mensagem curta, e ela é distribuída por telefone. É literalmente assim. O telefone toca, você atende, entra a mensagem. A gente não vê esse tipo de campanha no Brasil, porque aqui não pode. Mas lá é muito usado. Nessa ligação, a voz é uma que qualquer americano reconhece em dois segundos. É o presidente Joe Biden.
A Abin é igual ao SNI da ditadura
A Abin paralela está no centro das investigações da Polícia Federal. O antigo diretor do sistema de inteligência ainda tinha em casa um computador da agência. A família Bolsonaro ainda tinha acesso a informações da Abin. É, tudo, um desastre.
O que as redes fizeram de nós
O mundo talvez fosse mais simples se pudéssemos resumir toda a política a um debate entre esquerda e direita — mas não é assim. E isso, inevitavelmente, faz com que para resolver problemas a gente não possa usar a linguagem que a militância exige que se use.
Quem é, politicamente, Domingos Brazão?
Domingos Brazão é aliado de Lula! É de esquerda! Domingos Brazão fez campanha para Bolsonaro! É de direita! Faz um dia, já, que a internet brasileira está inundada pelo debate sobre quem é politicamente Domingos Brazão, ex-deputado estadual, hoje conselheiro de contas do Estado do Rio de Janeiro. Bem, Domingos Brazão não é nem de direita, nem de esquerda. Ele é um tipo bastante particular de político que proliferou no Rio de Janeiro entre os anos 1980 e 90, um tipo diretamente ligado à deterioração da política por aqui.
Racismo ambiental, pessoas que pariram
Quando, após chuvas pesadas no Rio e em São Paulo, a ministra Anielle Franco falou em racismo ambiental, fiz um comentário rápido no meu Instagram. Recebi um monte de respostas deste tipo. “É sério que vc não acha correto usar um termo baseado em fatos históricos, apenas pra extrema direita não ficar com medinho? Socorro! Muito triste e decepcionante ouvir isso de vc.” Ou então: “Não é sacar o termo racismo ambiental. É um conceito científico. Sacar é achismo, que não foi o caso.” “Não é uma ideia que foi inventada agora. É um conceito que existe. Não faltam estudos e teses sobre isso. As abordagens climáticas já falam disso há tempos.” “Só soa como lacre pra quem prefere taxar tudo como lacre. É fácil. Não dá trabalho de pensar, nem de escrever.”
E quando vocês discordam de mim?
Como se promove um bom debate quando sabemos, de antemão, que não será possível convencer a todos? Que certos preceitos sobre como o mundo funciona não mudarão? É possível discordar e ainda assim construir acordos sobre como governar? Boas conversas para uma sexta chuvosa.