Um início aos 40

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Após um longo e tenebroso inverno, os Red Hot Chilli Peppers voltaram ao Brasil. E mais: voltaram com a formação consagrada do grupo, que une Chad Smith na bateria, Flea no baixo, Anthony Kiedis nos vocais e John Frusciante na guitarra. Foram 21 anos sem que o quadrado mágico californiano viesse aos palcos brasileiros. Até estiveram por aqui em 2011, mas com o jovem Josh Klinghoffer, uma espécie de “cria da base” do RHCP, que já participava dos shows da banda desde os 16 anos e assumiu os palcos quando Frusciante deixou o grupo, em 2009. 

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Voltaram e voltaram com sede. Em nova turnê, os Peppers mataram as saudades dos fãs brasileiros com um show nostálgico, de exaltação ao passado, mas também inovador, lançando os braços ao futuro. Canções do Blood Sugar Sex Magik (1991), como Give it Away – do auge do hiperssexualismo da banda californiana – foram mescladas à energia um tanto caótica do Californication (1999) e à pegada intimista, mas agitada, do Stadium Arcadium (2006), o último álbum de estúdio antes da saída de John. E foi um espetáculo. Quase equivalente a um time de futebol muito bom jogar “com o regulamento embaixo do braço”, na gíria da bola. 

Um setlist montado para marcar a volta do filho pródigo – que, apesar do sucesso, é o quarto guitarrista na cronologia da banda. Os menos atentos poderiam pensar que houve um hiato de 13 anos nas produções do grupo, já que os discos I’m With You (2011) e The Getaway (2016), feitos com Josh na guitarra, ficaram de fora. As mais recentes canções do Unlimited Love (2022) entraram pontuando os sucessos antigos, nos momentos certos, casos de Black Summer, faixa de abertura, e Watchu’ Thinking, uma enorme tiração de onda com os críticos, no melhor estilo provocador-surfboy de Kiedis, que grita “Come get me!” (“Venha me pegar!”) a plenos pulos e pulmões. 

Para os saudosistas, ver o baixinho Flea, agitado em suas quatro cordas, de frente para o tímido e introvertido Frusciante castigando sua velha Stratocaster desgastada – tão icônica quanto o baixo Violin do beatle Paul McCartney –, representou o fim de um divórcio. A sinergia entre baixista e guitarrista dá a entender que nunca houve qualquer saída, qualquer mal-estar. Uma emoção sentida por diversos fãs que acompanharam os shows. Mesmo assim, John parecia um pouco fora de foco, comendo acordes de solos e perdendo as entradas em músicas-chave. Nada incômodo para um retorno tão aguardado. 

Jovens de uma outra geração

Anthony estava pleno, como um garoto do alto de seus 60 anos, e – se me permitem – com um corpo de dar inveja a um punhado de jovens. Chad, apesar dos cabelos brancos por baixo do clássico boné, parece não envelhecer. E limpos, segundo eles próprios, claro, sem marcas de agulhas nos braços e com a cabeça nas nuvens. Os doidões mais caretas da música atual. Lúcidos. Uma pena que, em Brasília, no Mané Garrincha, a produção demorou a achar o timbre certo para os microfones do vocalista. Algo que não aconteceu no Rio de Janeiro, onde os norte-americanos se apresentaram em 04/11. O som se espalhou grosseiro, rebombou nos rincões do estádio e só foi devidamente ajustado a partir da terceira música – um dos males de não contar com banda de abertura. Ao sair da capital, os californianos seguem para São Paulo, onde tocam na sexta (10), depois Curitiba, no dia 13, e finalmente Porto Alegre, cidade que fecha a turnê brasileira da banda no dia 16. 

Os Peppers aproveitaram uma oportunidade que poucas bandas do tamanho do Red Hot tiveram ao longo das carreiras: um retorno ainda no auge. Os Beatles e o Pink Floyd, por razões distintas, não tiveram essa possibilidade. Apesar de ter sentido a saída de John, o RHCP se manteve ativo, produziu bons e profundos álbuns, abordaram questões psicológicas, como a depressão e o suicídio, e conquistaram um novo público, talvez avesso às ideias de sexo explícito e por vezes até criminoso cantado por Kiedis nos primeiros discos. A guitarra de Josh tinha muito menos funk que a de John, e isso fica claro até quando se percebe que Flea tomou para si a direção musical do quarteto, deixando seu baixo ainda mais estalado, ainda mais pulsante nas obras de 2011 e 2016. 

O bacana deste retorno é que não houve uma sobreposição; tanto Flea quanto Frusciante assinam as linhas que marcam os shows e os novos álbuns (o mais recente, o psicodélico Return of the Dream Canteen, ficou fora da turnê). Ambos deixaram registradas suas marcas em meio às letras cada vez mais evoluídas de Anthony e às batidas sempre marcantes e frenéticas de Chad. Melhor para os fãs. Como cantaram em Easily, do Californication, “you think it’s almost over, but is only on the rise”: ao fim e ao cabo, aos exatos 40 anos de carreira, os Peppers estão apenas começando. 

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