O STF caiu na armadilha

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, jogou no lixo o PL das Fake News. A lei que ia, enfim, criar a regulamentação para as redes sociais. Isso é um problemaço, tá? O projeto já havia sido votado e aprovado pelo Senado, é um projeto do senador Alessandro Vieira. Ou seja, era a Câmara votar e mandar para sanção presidencial. Poderia ter virado lei a qualquer momento. Mas foi enterrado. Este ano, não sai.

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Ou, quer dizer, pode sair. Só não vai é sair do Congresso Nacional. É bastante razoável a hipótese de que ainda neste semestre, o Supremo Tribunal Federal vá julgar uma ação a respeito do Marco Civil da Internet. Esta é a lei geral da internet brasileira. Ao fazer este julgamento, a Corte deverá ela própria criar regras que aumentem a responsabilidade das plataformas no Brasil.
E isso, gente, vai ser um problema grande.

Mas calma lá. Espera. Ouve. Muitos dos comentaristas ficaram zangados comigo na segunda-feira. E ficaram zangados porque, quando se discute política nas redes sociais, as coisas ficam simplificadas demais muito rápido. Vira um jogo assim: se você torce pro time vermelho, tem de ter as opiniões x e y, além de cultivar os heróis um e dois. Agora, se torce pro time verdeamarelo, aí precisa pensar k e z, além de homenagear os fulanos três e quatro. E tudo fica resolvido, não é mesmo? Nem precisamos nos dar ao trabalho de debater nada.

Só que não adianta ficar zangado porque a vida não é simples assim. É preciso entender como o jogo é jogado. Entender qual o objetivo do jogo. A maioria das pessoas não tem qualquer ideia sobre como regular as redes sociais e para quê. Elas dependem, essencialmente, de que uma história simples lhes seja contada. A maioria das pessoas não está nem aí para como democracia funciona. Mesmo para entender o que uma democracia é. E é este o jogo sendo jogado. Quem emplaca sua versão.

A Quaest fez um balanço de como as redes sociais acompanharam a briga entre o dono do Twitter, Elon Musk, e o ministro Alexandre de Moraes. Pelas redes, Musk ganhou. Claro que ganhou. A história que ele conta é mais simples de entender.

Hoje cedo tive uma conversa com o deputado Orlando Silva, um dos parlamentares que melhor entendem o mundo digital e que era o relator do projeto de lei que Arthur Lira enterrou. O que está em jogo, aqui, é como o Supremo Tribunal Federal é percebido pela sociedade brasileira. E não é à toa que esta é a questão central. Quando o grupo liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro planejou dar um golpe de Estado, o principal obstáculo eram justamente o STF e o TSE. O Tribunal Superior Eleitoral, claro, é comandado por ministros do Supremo. Se este grupo voltar ao poder, sua principal tarefa será desarticular a corte. E isso começa minando a confiança que os brasileiros têm nela.

Vem comigo.

Vem cá, vocês já entenderam o que é que a gente faz aqui, né? A gente faz uma defesa da Democracia. Não é porque somos de esquerda ou de direita, é porque entendemos que existem brasileiros de direita, existem brasileiros de esquerda, os dois grupos têm pleno direita cidadania e a gente precisa voltar ao mundo em que todos éramos capazes de saber sentar e conversar. Em que éramos capazes de gostar das pessoas mesmo quando a gente discordava delas. Vocês lembram como era? Tem dez anos, gente. Isso que estamos vivendo não é normal. E, olha, não tem ameaça à democracia quando todo mundo se fala na boa. Ameaça nasce quando as pessoas não são mais capazes de diálogo. Aqui no Meio traçamos uma linha. Cruzou, quis derrubar a democracia, você está fora do jogo. Mas todo o resto continua dentro. Tanto esquerda quanto direita são legítimos para jogar e isso inclui o centro que, sim, existe.

Precisamos da assinatura de vocês porque, se a gente não fica de pé, o que sobra na internet é jornalismo que torce para um dos lados. Se só sobra o Jornalismo das torcidas, a gente não vai ter paz. Vai ser para sempre aquele discursinho de porque o outro lado é tudo de ruim, nós somos a virtude encarnada. Assine o Meio se você acha que isso aqui faz sentido para você. Assine o Meio. É com você. É com todo mundo que entende que a internet, o digital precisa desse tipo de jornalismo nativo. Que a democracia precisa.

E esse aqui? Este esse é o Ponto de Partida.

Um dos problemas sobre o qual a Câmara dos Deputados está debruçada é a prisão de Chiquinho Brazão, um dos homens acusados pela Polícia Federal de serem mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. Parecia, uma semana atrás, que ia ser pule de dez. Mas a coisa começou a complicar. O problema é o seguinte: o Supremo precisa da autorização da Câmara para prender um deputado federal. Este é o caso de Chiquinho. E muitos deputados, em geral gente vinda da direita, dizem que o ministro Alexandre de Moraes está extrapolando de suas competências, está exagerando, que as provas não são claras assim.

E isto tem tudo a ver com a questão aqui, do Twitter, da regulação das redes.

O que a maioria de vocês têm na cabeça é o seguinte: todo mundo que teve sua conta suspensa no Twitter e em outras redes foi porque espalhou mentiras ou colaborou para a criação de um ambiente golpista. O problema é que nós não sabemos disso. Não existe um lugar em algum site em que se vá checar a lista de todas as pessoas que tiveram suas contas cassadas. Não existe, muito menos, uma explicação de por que as contas foram bloqueadas. Não existe uma data.

Sim, sabemos de alguns casos, os bolsonaristas famosos. Allan dos Santos, Paulo Figueiredo, esse tipo de gente. Mas são muito mais. Tudo em sigilo de Justiça. O Supremo Tribunal Federal proíbe as pessoas de estarem na internet e, se você é um bagrinho, bem-vindo ao tribunal kafkiano. As redes recebem a ordem de bloquear sua conta, você não tem qualquer recurso. Não sabe o que publicou que não devia.

E isto não é normal. Não quer dizer que a ordem seja ilegal, não é. O Supremo pode fazer isso. Mas, numa democracia, em geral você tem direito a se defender. Tem direito a um julgamento.
Vocês sabem que Donald Trump está bastante bem nas pesquisas americanas, não é? As pessoas não têm memória de como foi seu governo. Daqui a um ou dois anos, as pessoas não terão memória clara mais de como foi o governo Bolsonaro. E é por isso que o Supremo precisa ter cuidado. O Supremo precisa começar a ser mais transparente. O Supremo precisa explicar o que faz, por que faz, e como faz.

Os bolsonaristas da Câmara dos Deputados pressionaram Arthur Lira a enterrar o PL das Fake News porque esperam que o Supremo apresente uma regulação. A história que eles querem contar é bastante simples: o STF quer censurar a internet.

Sabe o que Elon Musk fez até agora? Nada. Ou quase nada. Permitiu que Allan Terça-Livre fizesse uma live de uma hora. Só isso. Não há notícia de que tenha aberto acesso a nenhuma outra conta. O Brasil é o segundo maior país em presença no Twitter, só perde para os Estados Unidos. Se desobedecer uma ordem judicial brasileira e a rede for cortada por inteiro daqui, o prejuízo vai ser gigante.

Mas este seria também um problema imenso para o STF. Porque muita gente vai ficar incomodada de não mais poder usar o serviço.

Por que os bolsonaristas querem então que o Supremo regule a internet? Dite regras de repercussão geral para as plataformas? Porque, assim, poderão dizer aos quatro ventos que o Supremo está censurando a internet. Que vivemos uma ditadura do Supremo.

A gente não pode cansar de repetir: se não fosse a atuação forte do ministro Alexandre de Moraes, se não fossem o TSE e o STF, é possível que não vivêssemos hoje numa democracia. Mas vivemos numa democracia. E, numa democracia, a Justiça não se porta como os tribunais do Processo de Kafka. Numa democracia, a Justiça sempre trabalha no máximo possível de transparência. A Justiça presta contas, a Justiça explica as coisas.

Quem vive a política de forma muito engajada pode simplesmente relaxar e se distribuir de forma automática no time que lhe cabe. Sou time careca, sou time Musk, e vamos lá. Nessa última semana, nas redes, quem ganhou a parada foi Musk. E a extrema direita no Congresso percebeu isso, viu ali um ponto fraco. O que fez? Enterrou o PL das Fake News. Por quê? Para dar corda pro Supremo. Para dar mais corda.

Eles têm uma história bastante simples para contar: o Supremo está censurando. E essa história vai sendo repetida, e repetida, e repetida. Até que vai virar uma percepção generalizada. Isso, gente, isso põe de fato a democracia em risco.

Transparência é a solução. Luz do Sol. Faz bem pra política, faz bem pra Justiça.

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