Olimpíadas de Paris são pódio de manifestações político-religiosas, que são proibidas
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Você já parou pra pensar como as Olimpíadas refletem tensões globais? Prancha de surfe com Cristo banido, hijab na abertura não, Rayssa Leal notificada pelo Comitê Olímpico Internacional por fazer mensagem religiosa em Libras. Até público vaiando hino israelense.
Qual o problema? É… É as Olimpíadas.
E não tem como separar o maior evento do esporte dos eventos geopolíticos atuais. É instabilidade política na França, tensão na Faixa de Gaza, Rússia invadindo a Ucrânia.
As Olimpíadas acontecem, como a gente conhece, desde 1896, em Atenas. Para isso, precisou do COI – o Comitê Olímpico Internacional. Garantindo patrocínio, organização e… regras. Uma dessas regras, o artigo 50, se repete nesta edição:
“Não é permitido nenhum tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial.”
Estamos falando de Paris, na França. O país da liberdade, igualdade e fraternidade… e da laicidade também. No país em que símbolos religiosos já geram debates políticos, mesmo sem a competição como pano de fundo. E ainda temos a delegação russa punida, participando sem hino e com uniforme neutro.
A Anistia Internacional ainda chama a proibição do hijab nas Olimpíadas de violação de direitos humanos.
Com hijab ou sem, há um histórico de quebra-regras na era moderna dos jogos, algumas com penalidades, outras não.
Na Carta Olímpica, a prática de esportes é considerada um direito humano, com o dever de ser acessível a todos, sem discriminação de nenhum tipo, incluindo a religiosa. Os direitos e liberdades devem ser garantidos sem discriminação com base em raça, cor, sexo, orientação sexual, língua, religião, opinião política, origem nacional, nascimento ou outro status.
Para garantir a isonomia, nenhuma demonstração política, religiosa, racial é permitida em qualquer área olímpica. Seja nos jogos ou na Vila. O atleta em si não pode se manifestar, mas também não pode usar acessórios, roupa ou equipamento que contenha
Allons-y, que ainda estamos em clima olímpico, onde a filosofia é exaltar e combinar num conjunto harmônico as qualidades do corpo, vontade e espírito.
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Se a ideia da Olimpíada é criar um mundo melhor e mais pacífico por meio da educação através do esporte praticado em acordo com o olimpismo e seus valores…. Como deixar as expressões individuais – ou políticas – de fora disso?
Difícil, né, não à toa a nossa Fadinha fez um gesto de fé quando conquistou sua medalha de bronze. Afinal, fé, demonstração de agradecimento a quem ela crê ser superior. Ela gesticulou que, em Libras, Jesus é o caminho, a verdade e a vida.
Mas não pode, porque as Olimpíadas são sobre o todo, é se manter imparcial sem apoiar e sem se opor à religiões.
E todos os atletas estão sujeitos às regras do COI. É um ideal, é a filosofia do olimpismo.
Num quase mesmo ponto, o surfista Chianca, que competiu ontem com o Medina, teve que trocar suas pranchas antes das competições. Porque elas tinham uma imagem do Cristo e, de novo, laicidade. Não pode.
Mas ele nem chegou a competir com elas, então não levou nenhuma penalização – só trocou as pranchas.
Não é de hoje, em 1906 o atleta Peter O’Connor teve que competir pela bandeira do Reino Unido mesmo sendo irlandês. A Irlanda ainda não tinha um Comitê Olímpico próprio. Depois de receber a medalha como britânico, ele escalou um mastro de 6 metros e hasteou a bandeira da Irlanda.
Peter seguiu hasteando a bandeira irlandesa em todas as três competições que ele ganhou.
Fé ou política, se você une o mundo todo e coloca câmera para televisionar cada conquista – todo momento terá um dos elementos refletindo o contexto atual do atleta. Mesmo sendo proibido. Porque o mundo não está muito pacífico no momento, temos a invasão russa sobre a Ucrânia, que iniciou em 2022. Tem os ataques do Hamas contra Israel e a sucessão de bombardeamentos.
É o esporte que nos mostra onde está o interesse popular, que nos conta sobre a cultura. Esse é o primeiro ano do breakdancing na competição. Cada modalidade tem sua história.
Em 1968, o símbolo Black Power esteve no pódio da corrida de 200m. Atletas negros americanos, Tommie Smith e John Carlos, os dois fizeram o gesto, em silencio. Foi um grito para pedir liberdade e direitos humanos em que tinham de ser vistos porque não eram escutados, disse o Smith numa entrevista em 2008
O COI suspendeu os dois atletas. Os mandou para casa por deliberadamente violarem de forma violenta os princípios do COI. Ao voltarem para casa, foram recebidos com ameaças de morte e ostracizados pela comunidade esportiva dos Estados Unidos.
Ou querem agradecer quem crêem que os levaram até ali ou querem denunciar uma situação e pedir por ajuda.
No Rio, em 2016, o etíope Feyisa Lilesa cruzou os braços na linha de chegada da maratona chamando atenção para os protestos que aconteciam na Etiópia. Ele ficou em segundo lugar.
Agora, em Paris, além das manifestações de fé, atletas palestinos tentam comunicar seu descontentamento enquanto testam até onde o artigo 50 vai.
No desfile de abertura, o atleta do boxe Wasim Abusal estava com uma camisa mostrando crianças sendo bombardeadas. A AFP, ele disse que representava o estado atual da Palestina. O presidente do comitê olímpico da Palestina disse ao The Guardian que não cumprimentaria seu par, o presidente do comitê de Israel, a não ser que ele reconhecesse o direito da independência palestina.
O Comite Olimpico Palestino disse que cerca de 400 atletas foram mortos desde que os ataques iniciaram dia 7 de outubro pelo Hamas, incluindo o campeão de karatê Nagham Abu Samra, que se preparava para as Olimpíadas – segundo a Al Jazeera.
Ainda, durante a partida de futebol entre Israel e Paraguai, espectadores estavam com uma bandeira escrito “olimpiada do genocídio” e vaiaram o hino Israelense.
Segundo o Le Pariesen, outros gestos antissemitas foram observados durante a partida, levando a investigações
Paris 2024 quis o impossível; distanciar o esporte de qualquer tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial.
Não tem como. Esporte é contexto e contexto é político. É indissociável do contexto global.
O ideal do olimpismo, pensado lá por Pierre de Coubertin, que idealizou os jogos olímpicos da Era Moderna segue. É um imaginário do esporte como pedagogia.
É sobre união, cooperação, inclusão social. Mas não importa, é inevitável refletir as tensões e os desafios que o mundo está vivendo. É um evento global e desde os protestos silenciosos até as manifestações de hoje, o esporte segue sendo pódio para expressar fé, política e identidade.
Eu sou Bruna Buffara e vejo vocês na próxima Curadoria.