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Annie Ernaux: o Nobel, o silêncio e a luta por uma voz genuína na literatura

Annie Ernaux não quer dar mais entrevistas. A revelação ocorreu em uma entrevista exclusiva à ELA, sua primeira com a imprensa brasileira desde novembro de 2022, quando participou da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Durante a conversa em sua casa, em Cergy-Pontoise, a uma hora de trem de Paris, a única mulher francesa a ganhar o Nobel de Literatura falou sobre as origens humildes, em uma família de ex-operários donos de um café-mercearia, e a trajetória como a primeira a concluir os estudos. Em tom introspectivo, refletiu ainda sobre o futuro, expressando o desejo de que ele seja quieto o suficiente para continuar sua escrita.

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Afinal, a vida pública a afastou de seu próprio tempo. “Um imbecil colocou meu e-mail na internet e recebo muitas mensagens. Todas muito gentis, evidentemente, mas me roubam o tempo. Recebo pedidos de todo lado. Me pedem para escrever prefácios, para participar de eventos. Agora eu sou uma marca. Quem é convidada não é a escritora, é ‘a Prêmio Nobel’. Não quero viver minha velhice assim. Tomei decisões drásticas: estou te recebendo aqui hoje, mas acho que não vou receber mais ninguém. Não tenho nada marcado para 2025”, conta.

Embora tenha uma agenda vazia por escolha, ela não pretende parar de produzir. “É o que me move, é por isso que, na minha idade, ainda quero escrever. Quando não escrevo, é como se estivesse morta”, compartilha. O que não falta é material para produzir, já que Ernaux faz de suas vivências o próprio objeto de reflexão coletiva. “À medida em que eu escrevia, foi se revelando esse desejo de me considerar como um objeto, como alguém que não tem nada de excepcional. Esse sentimento de pertencer a um coletivo tornou cada vez mais relevante o meu trabalho.”

Seus livros tratam de temas como sexo, feminismo e política, e Annie Ernaux tem posições firmes sobre essas questões. Ela declara sem rodeios: “É preciso buscar soluções políticas coletivamente. E, se possível, sem a extrema direita. Seja no Brasil, seja na França, a extrema direita não está do lado dos trabalhadores, do povo. Ela está na manutenção das hierarquias. Se conseguimos ascender, escapar individualmente, temos que ter consciência de que não é por mérito, mas porque tivemos circunstâncias favoráveis ou, como no meu caso, uma mãe excepcional”. Para ela, escrever é uma forma de vingança, uma maneira de “introduzir na literatura, no mundo dominante, uma outra voz”. “Isso me dá uma sensação forte de existir. Importa o que essa voz revela, não se sou eu ou outro quem escreve”, acrescenta.

Apesar das honras, como o Nobel, Ernaux se considera uma “trânsfuga de classe”, desconfortável com o reconhecimento, mas ciente de que ele é o reflexo de sua escrita e das pessoas que se conectam com seus livros. Para ela, o mais importante é o que sua voz representa no mundo literário e o impacto que ela tem na sociedade. “Eu não escrevo pensando em resultados, mas em buscar a verdade”, conclui. Confira a íntegra da entrevista.

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