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Edição de Sábado: Ser Negro na América

Na história do racismo americano, poucos personagens têm a complexidade de Thomas Jefferson, o terceiro presidente. É de Jefferson o texto da Declaração de Independência, o documento que promoveu o rompimento das Treze Colônias com o Império Britânico. “Temos estas verdades por auto evidentes”, escreveu, “que todos os homens são criados iguais, que a eles são outorgados por seu criador certos direitos inalienáveis, dentre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade.” Palavras fortes naquela década de 1770. Ao longo de sua vida, foi dono de mais de 600 seres humanos. Em sua fazenda, Monticello, trabalhavam pelo menos 130 escravos. Dentre os pais fundadores dos EUA, poucos eram tão reflexivos a respeito dos valores do liberalismo — que começam pela liberdade. Nenhum escrevia como ele. Nem Benjamin Franklin, nem Alexander Hamilton. Ele era o grande escritor. E foi por isso que encomendaram a ele, que era um dos mais jovens no Congresso aos 33, o texto daquela declaração. Seu texto tinha qualidade não só pela fluidez e pelo talento. Era também porque Jefferson era um leitor voraz, um homem por toda a vida endividado pelo que gastava em livros e vinhos. Conhecia profundamente a filosofia sobre a qual escrevia como político. Ainda por cima, falava de seus valores com sinceridade ímpar.

Mas como?

Liberais setecentistas donos de escravos não eram raros. Havia muitos nos EUA, assim como no Brasil, como por exemplo os inconfidentes de Minas. Em alguns casos, era hipocrisia. Noutros, pior: não viam escravos como gente. Com Thomas Jefferson era mais complexo. Sua mulher, Martha, morreu quando ele tinha 39. A sua foi uma vida marcada plea tragédia — ao todo, tiveram ele e Martha seis filhos. Jefferson enterrou cinco.

Por toda vida escreveu contra a escravidão. Os outros fundadores dos EUA que tinham escravos evitavam o tema — Jefferson, não. Ao mesmo tempo, tinha convicção de que as colônias do Sul não sobreviveriam sem escravos. Assim como ele, boa parte dos ricos fazendeiros de algodão e açúcar eram homens endividados. O negócio jamais foi rentável, o que criava um desequilíbrio grande perante o Norte, industrial. Que era rico. Jefferson, assim como George Washington e James Madison, os três fundadores que vinham do estado da Virgínia, temiam que se o país formado a partir da independência abolisse de cara a escravidão em nome dos ideais do liberalismo, seriam dominados pelo Norte. E, ainda assim, esta relação entre economia e política não é capaz de explicar tudo.

A tradicional história americana não tratava de Sally Hemings. Até meados dos anos 1990, ela era um rumor, nota de rodapé, teoria conspiratória. Foram testes genéticos que obrigaram toda a releitura do personagem Thomas Jefferson. Sally apareceu em sua vida como parte do dote, presentes de casamento do sogro. Ela era meia irmã de Martha, sua mulher. Segundo alguns registros, eram muito parecidas. Quando o terceiro presidente serviu como embaixador em Paris, após a independência, Sally e seu irmão o acompanharam. Poderiam ter deixado a residência — na França, escravidão era ilegal, e Jefferson era obrigado a lhes pagar um salário. Aprenderam francês. James, o irmão da moça, se tornou um sofisticado cozinheiro e voltou para Monticello como chef. Já com Sally, Jefferson começou um caso. Um caso que durou 32 anos até a morte de seu dono, em 1826. Tiveram, juntos, quatro filhos. Todos viveram. Jefferson só lhes concedeu a alforria em testamento. Mas, alforriados, todos eram alfabetizados, sabiam tocar música, conheciam carpintaria muito bem de tanto trabalhar junto ao pai. O autor da Declaração de Independência era exímio carpinteiro. Um dos filhos, literato, virou pastor.

Sabe-se que Jefferson fazia questão de Sally a seu lado, e fez por toda vida. Sabe-se que seus filhos com ela foram educados como escravos não eram educados. Mas a natureza real do afeto é impossível determinar. Porque a relação de propriedade também existia. Thomas Jefferson teve interesses fugazes por outras mulheres, mas jamais avançaram. Na história que sempre se contou, foi viúvo aos 39 e nunca mais. Sally era boato — até o DNA comprovar que todos seus filhos eram filhos de seu dono. Era Sally que estava a seu lado, já uma senhora, quando ele morreu no dia em que fazia aniversário a assinatura daquela Declaração. Hoje, que Monticello é um museu, duas exposições convivem. Uma sobre o fundador dos EUA. Outra, sobre a família Hemings. As duas são histórias fundamentais para compreender os EUA. E uma vez por ano ocorre o encontro dos descendentes. Todos eles.

Jefferson já tinha um relacionamento com Sally quando se encontrou em Nova York com Alexander Hamilton, em 1790. A história do bipartidarismo americano é fundada nas diferenças de posição entre os dois — e neste encontro. Hamilton queria um governo central. Queria, igualmente, um Banco Central capaz de emitir títulos da dívida que pudessem absorver o que os estados deviam por conta da Guerra da Independência. Àquela mesa, Jefferson trazia consigo o temor não apenas seu, mas de todos os do Sul, de que aquele governo central seria o início do domínio nortista. Fizeram um acordo. Seu acordo determinou que o governo central teria sua capital em terras da Virgínia. No Sul. Isso daria aos vizinhos uma voz mais alta para garantir a manutenção da escravatura.

A cidade de Washington nasceu assim.

2.

Abraham Lincoln não era o mais radical dentre os republicanos. Bem o contrário. Mas se algo unia os partidários daquela jovem legenda, nascida apenas cinco anos antes, era que todos eram abolicionistas. Os radicais queriam que fosse de imediato. Gente como Lincoln topava negociar prazos para que a economia do Sul se adequasse. O ano: 1859. Trinta e três anos após Sally Hemings assistir Jefferson morrer na estreita cama de um quarto em Monticello. O partido de Hamilton, os Whigs, havia se dissolvido para ser substituído por aquele novo. O de Jefferson, não. Os democratas continuavam consolidados nos estados do Sul, ferrenhamente escravistas. Mas quando Lincoln terminou eleito primeiro presidente do Partido Republicano, os do Sul entraram em pânico. Pela primeira vez, havia na Casa Branca alguém que punha como prioridade a abolição.

Eram Estados Unidos. O acordo entre Jefferson e Hamilton estabelecia um governo central, mas ainda se percebiam como estados unidos que poderiam se desunir no momento que desejassem. Como países que se juntam numa federação enquanto os interessar. Pois quiseram se separar — e houve a secessão seguida da Guerra Civil. Ao longo do conflito, quando já estava claro que a União venceria, Lincoln providenciou no Congresso a assinatura de uma lei que abolisse a escravatura e, assim, começou a planejar o projeto de Reconstrução. Mas, embora já terminando, a guerra não coube num mandato. E, com a reeleição garantida pois com apenas os estados do Norte votando Lincoln era certo, ele escolheu mudar o vice-presidente. Convocou um dos raros políticos democratas vindos do Sul que haviam recusado a romper a União. Era um senador do Tennessee chamado Andrew Johnson.

O que não estava nos planos era o assassinato de Lincoln pouco mais de um mês após tomar posse em seu segundo mandato.

O homem que venceu a Guerra Civil tinha um plano para o após. Os escravos livres permaneceriam por um ano nas fazendas em que trabalhavam, mas agora como assalariados. Todo soldado do Sul que depusesse armas e declarasse fidelidade à União seria anistiado. Havia a ideia de oferecer aos ex-escravos o direito ao voto e, até, um projeto de reforma agrária que ofereceria para cada família 40 acres e uma mula.

A produtora de cinema do diretor Spike Lee se chama 40 Acres and a Mule.

Mas Lincoln foi assassinado e substituído por Andrew Johnson, um democrata sulista constantemente bêbado, incompetente, racista, cujo mérito era ter se mantido favorável à União. Foi o primeiro presidente americano a sofrer um processo de impeachment — só não perdeu o mandato pela diferença de um voto. Comprado. Mas, por quatro anos, o projeto republicano de impor ao Sul derrotado a integração dos escravos à sociedade não ocorreu. A abolição, sim. Mas só.

E repentinamente homens e mulheres, em geral analfabetos, sem perspectiva, não tinham escolha que não aceitar o que lhes fosse oferecido.

A Guerra Civil não resolveu a escravidão.

Durante o governo Johnson, o Exército abriu mão de acompanhar o processo de integração de quem havia sido cativo na vida livre. E foi neste ambiente que nasceu a Ku Klux Klan. O número de veteranos de guerra era imenso, a estrutura dos estados que tentaram deixar a União e não conseguiram havia se desmontado e o regime legal se perdeu. Ex-escravos foram as primeiras vítimas do ódio — assassinatos e estupros se tornaram corriqueiros. Naqueles primeiros anos, a Klan e outros grupos similares operaram como milícias difusoras de uma cultura de ódio e terror.

3.

No início do século 20, vários processos haviam ocorrido. O Sul não fizera a integração. Se recusou. Uma onda de emigração negra em direção ao Norte e ao Oeste provocou uma explosão cultural, principalmente na música. Nasceu nos Spirituals, a música com sonoridade trazida da África que incorporava valores cristãos. Canções de uma tristeza profunda e muita fé que desembocaram no Blues. A tradução literal é ‘azuis’, mas o significado é tristeza. Na estrutura musical, uma série de notas faz o papel de chamado, e outra série responde, em geral uma frase é verbalizada na canção e a resposta vem instrumental. A origem está na cultura africana, mas também na construção imposta pela história, o Blues se tornou a primeira narrativa de viver sendo negro na América. Uma única canção, Strange Fruit, dá conta.

Foi Billie Holiday que a cantou pela primeira vez, em 1937.

Árvores do Sul trazem frutas estranhas
Sangue nas folhas e sangue nas raízes
Corpos negros balançando na brisa do Sul
Frutas estranhas penduradas nos salgueiros

São os linchamentos que se tornaram comuns, terminando sempre com os homens em geral emasculados e após enforcados nas árvores das estradas. Não é à toa que o estilo musical atendia pelo nome tristeza. Àquela altura, inúmeros estados haviam aprovado leis que no conjunto foram batizadas Jim Crow — Zé Corvo. A Segregação se tornou legal. Restaurantes para brancos e negros, banheiros, lugares no transporte público, escolas. Foi institucionalizada uma doutrina legal que atendia pelo formato ‘separados porém iguais’ — embora só um dos lados fosse passível de linchamentos.

Se a Guerra Civil terminou em 1865, a segregação permitida por Andrew Johnson levou quase um século mais. Cá esta Edição de Sábado do Meio já contou que a narrativa moderna do cinema americano teve início com O Nascimento de Uma Nação, longa-metragem épico no qual a cavalaria que parte em salvação à mocinha, no final, é a Ku Klux Klan.

4.

Esta outra história é uma simpatia só. No final da tarde em 1º de dezembro de 1955, Rosa Parks, uma secretária do Alabama, sentou-se no ônibus. Estava, dizia, cansada. Quando os assentos reservados para os brancos encheram, como de praxe, o motorista se levantou e pediu aos negros do fundo que se erguessem para dar lugar. Rosa não se mexeu. Na narrativa heroica ela estava cansada e um senso profundo de justiça a tomou. Em verdade, Rosa era mulher de um ativista da NAACP, a organização de direitos civis negros, e ela seguia um plano. Seu objetivo era ser presa, para que a prisão fosse questionada judicialmente e o caso chegasse à Suprema Corte. Ativismo político sofisticado: os advogados do movimento negro haviam percebido que uma mudança no equilíbrio da Corte favorecia um ataque à constitucionalidade das leis de segregação. Estavam certos.

Foi um choque aquele ano, 1955. Apenas uns meses antes, um menino de 14 anos criado em Chicago, Emmett Till, passava o verão no Sul quando foi acusado por uma mulher adulta branca de ter assoviado quando ela passava, além de tê-la tocado. O rapaz não havia sido criado no ambiente de brutal de segregação que ditava a região. Emmett foi brutalmente linchado, seus assassinos inocentados no julgamento. Mas quando o corpo voltou para sua cidade, a mãe fez questão de celebrar um funeral com caixão aberto para que todos pudessem ver as marcas da brutalidade no corpo do menino.

A indignação estava latente. Viva. E foi no rastro do horror provocado pelo caixão aberto de Emmett Till que o caso de Rosa Parks subiu instância após instância. O caso judicial se tornou menos importante porque, a partir daquele dia, a comunidade negra de Montgomery, Alabama instituiu um boicote. Pararam de usar transporte público. Caminharam. Em parte, as palavras do jovem e novo pastor batista da região os inspirava.

Chamava-se Martin Luther King Jr.

King. Rei em inglês — um típico sobrenome escravo. Na ausência de qualquer referência, muitas vezes mesmo de história familiar, ao serem libertos escolhiam nomes que, pensavam, poderiam dar respeito. King e Queen. Bishop. Lawyer. Judge. Até hoje sobrenomes comuns a quem não trouxe da história familiar sobrenomes europeus. Nomes de família que, os primeiros ao adotarem acreditavam, traria alguma dose de respeito.

Em 13 de novembro, 1956, a Suprema Corte determinou que segregação em ônibus era inconstitucional. O boicote terminou no dia 20 de dezembro, quando a ordem chegou oficialmente a Montgomery.

Caminharam por um ano longos quilômetros.

5.

Eleito em 1960 presidente da República, John Kennedy fez de seu irmão e conselheiro, Robert, Attorney General — equivalente a um misto de ministro da Justiça e Procurador-Geral da República. Bobby era motivado por uma missão radical — queria resolver de vez a questão dos direitos civis. Mas não era um problema trivial — não politicamente. Os Kennedy eram democratas.

Durante o período da Grande Depressão e Segunda Guerra, a população pobre do Norte havia se convertido ao Partido Democrata. Mas, no Sul, ainda era em essência o partido anti-Lincoln. O partido da KKK. Vindos de Boston, Nova Inglaterra, os Kennedy pretendiam comprar uma briga com metade de seu partido.

Há um truísmo em política: reformas trabalhistas têm de ser feitas pela Esquerda, processos antitruste pela Direita, problemas grandes que precisam ser encarados fluem com mais facilidade quando feitos dentro de casa. Os Kennedy tinham este projeto. Mas o presidente foi assassinado. Sucedeu-o um político muito diferente, o vice-presidente texano Lyndon Johnson.

Johnson não era sujeito talhado para o Executivo — era um parlamentar. Um excelente líder de Parlamento, capaz de negociar por horas até o ponto de impor sobre seu adversário sua opinião, por um misto de cansaço e intimidação. Tinha inúmeras diferenças com os Kennedys — porém encampou a briga pelos Direitos Civis, e praticamente a extorquiu do Congresso. A impôs. Quando assinou o Ato dos Direitos Civis, em 1964, Johnson teria dito: “Perdemos o Sul por uma geração”.

Trata-se de uma daquelas frase que fazem sentido, podem ter sido ditas, mas não há registro oficial. Johnson certamente conhecia o preço que pagaria. Nos anos e décadas seguintes, políticos de toda uma vida dentro do Partido Democrata migraria para o Partido Republicano. Senão eles, seus filhos. Richard Nixon se elegeu, durante o segundo mandato quase sofreu o impeachment — o segundo desde Andrew Johnson. Tal o desgaste que, por um mandato, um democrata do Sul teve quatro anos de governo. Jimmy Carter. Foi seguido por dois anos de Ronald Reagan, e um de George Bush, o pai. A partir da aprovação do fim do regime Jim Crow, de segregação, por Johnson, foram vinte anos de Republicanos para quatro de Democratas. Bill Clinton, um democrata do Arkansas — do Sul — se elegeu. E ficou oito anos no governo. Foi substituído por Bush, o filho, por outros oito anos.

E aí Barack Hussein Obama, um homem negro criado no Havaí, educado em Nova York e Boston, e que se formou politicamente na Chicago de Lincoln chegou à presidência.

Foram literalmente 44 anos, entre a assinatura da Lei dos Direitos Civis e o retorno de um Democrata que não era do Sul à Casa Branca. E foi um homem negro. Ainda assim o problema não está resolvido. Negros morrem a um ritmo de 3 para 1 quando comparados a brancos de Covid-19. A brutalidade policial está presente e não é um problema de periferia, de comunidades pobres.

Em um ensaio publicado no Facebook, o astrofísico Neil DeGrasse Tyson, que apresentou a segunda versão da estupenda série Cosmos, o estupendo cientista e educador de ciência escolhido por Carl Sagan para seguir com seu projeto, falou de como é a experiência de ser um negro nos Estados Unidos. Não importa se você é um dos cientistas mais celebrados e conhecidos de Nova York, se Harvard está no currículo — sempre haverá um policial a parar seu carro para ter certeza de que você tem o direito de dirigi-lo.

Tyson, outro popular nome adotado por ex-escravos. Quer dizer ‘filho de Dionísio’, referência ao deus grego.

6.

Thomas Jefferson é um dos mais importantes personagens da história americana. No entorno da Casa Branca existem grandes memoriais de três ex-presidentes. Do primeiro, George Washington, de Jefferson e de Lincoln. É mostra de seu tamanho. Escreveu inúmeras cartas, deixou cópias da vasta correspondência, e no entanto só há registro de três mulheres em sua vida. Aquela da qual ficou viúvo, Martha. A italiana Maria Cosway, que era casada com o pintor britânico Richard Cosway quanto ela teve um caso com o então embaixador americano em Paris. E Sally Hemings, com quem viveu metade da vida. Mãe de quatro dos cinco filhos que teve e que deixaram descendentes.

A história não deixa qualquer pista sobre a natureza emocional desta relação. O poeta inconfidente Cláudio Manuel da Costa, na mesma época, era igualmente casado — embora não oficialmente — com uma mulher negra. Com quem teve filhos. Não era sua escrava. Porém nunca educou os filhos — sequer sabiam ler, embora filhos de um dos maiores escritores em língua portuguesa do tempo.

O acordo entre Jefferson e Hamilton possibilitou a formação dos Estados Unidos da América. Teve custo: não se deu valor a vidas negras.

Alexander Hamilton era percebido, no tempo, como um homem de pele escura.

A importância do Jazz no movimento pelos direitos civis

Em 1957, Orval Faubus, governador do Arkansas, determinou que a Suprema Corte criava uma situação de emergência ao obrigar a integração racial nas escolas. Por conta, mobilizou a Guarda Nacional para impedir nove estudantes negros de frequentarem as aulas. Um enfurecido Charles Mingus respondeu com a letra de Fables of Faubus, música que foi gravada pela primeira vez em seu celebrado disco Mingus Ah Um; de 1959. Os que conhecem o disco devem estar estranhando, pois a versão gravada é apenas instrumental (Ouça). A Columbia Records, gravadora do disco, achou a letra tão incendiária que se recusou a permitir que ela fosse gravada. Mingus regravou a música no ano seguinte pela Candid Records, com letra e tudo, no disco Charles Mingus Presents Charles Mingus (Ouça a versão original).

Oh, Lord, don’t let ’em shoot us!
Oh, Lord, don’t let ’em stab us!
Oh, Lord, no more swastikas!
Oh, Lord, no more Ku Klux Klan!
Name me someone who’s ridiculous, Dannie.
Governor Faubus!
Why is he so sick and ridiculous?
He won’t permit integrated schools.
Then he’s a fool! Boo! Nazi Fascist supremacists!
Boo! Ku Klux Klan (with your Jim Crow plan)
Name me a handful that’s…

Pois é... O Gospel embalou as primeiras marchas do movimento dos direitos civis, r a partir da década de 1960 o Jazz assumiu esse papel. Enquanto os precursores do Jazz, como Louis Armstrong e Duke Ellington, eram mais contidos ao criticar a injustiça racial, a nova geração, que criou o Bebop, se libertou dessas amarras, como bem explica Amiri Baraka em um ensaio escrito em 1962: “Esses músicos falavam em alto e bom som sobre o que acreditavam. Se você não gosta, não ouça. Essa era a atitude.”

Também da Candid Records é o disco We Insist! Freedom Now Suite, do baterista Max Roach. Na capa uma foto de um dos protestos da época, em que jovens negros se sentavam em balcões de lanchonetes e exigiam ser servidos como qualquer cliente. O encarte começava com uma frase de A. Philip Randolph: “Uma revolução está se desenrolando – a incompleta revolução americana. Está se desenrolando nos balcões das lanchonetes, ônibus, bibliotecas e escolas — em todo lugar onde a dignidade e o potencial de pessoas são negados. Juventude e idealismo estão se desenrolando. Massas de negros marcham no palco da história e demandam sua liberdade agora.”

Em 1964, Martin Luther King escreveu um manifesto para ser lido na abertura do primeiro festival de Jazz de Berlin: “O Jazz fala para a vida. O Blues conta a história das dificuldades da vida, e se você pensar por um momento, vai perceber que eles pegam as mais duras realidades da vida e as colocam em música, e terminam trazendo uma nova esperança, ou um senso de triunfo. Isso é música triunfal. O jazz moderno continua com essa tradição, cantando as músicas de uma existência urbana mais complicada. Quando a vida não nos oferece ordem nem sentido, os músicos criam ordem e sentido com seus instrumentos. Não surpreende que tanto da busca de identidade dos negros americanos foi defendida por músicos de jazz. Muito do poder do nosso movimento pela liberdade nos Estados Unidos veio dessa música. Ela tem nos fortalecido com seus doces ritmos quando nossa coragem começa a falhar. Tem nos acalmado com suas ricas harmonias quando nossos espíritos estão para baixo. E hoje, o jazz está sendo exportado para o mundo. Pois a luta do negro na América tem algo similar à luta universal do homem moderno. Todo mundo sente o Blues. Todo mundo busca sentido. Todo mundo quer amar e ser amado. Todo mundo que bater palmas e ser feliz. Todo mundo quer ter fé. E na música, em especial nesta larga categoria chamada de Jazz, temos uma fundação para construirmos tudo isso.”

Quadrinhos negros

A indústria de quadrinhos não tem diversidade, mas escritores negros como Vita Ayala, Christopher Priest, NK Jemisin e outros estão lançando trabalhos nesse sentido. A CBR apresentou uma lista de livros que serão lançados nos próximos dias e uma outra lista de vários escritores de histórias em quadrinhos que precisam ser conhecidos. No Brasil, destaque para Jeremias - Pele, de Rafael Calça e Jefferson Costa, prêmio Jabuti 2019, esgotada no momento, e Angola Janga, de Marcelo D’Salete, que ganhou o Jabuti no ano anterior.

Esta semana fez 31 anos da famosa foto de um misterioso homem chinês sozinho na frente de tanques militares. Em 4 de junho de 1989, acontecia o mais notório ato de repressão do regime chinês, o massacre na Praça da Paz Celestial em Pequim. Apesar de os números oficiais só registrarem 300 mortes, estima-se que milhares de estudantes que protestaram durante 50 dias pela democracia foram mortos ou presos.

Pela primeira vez, o governo chinês proibiu este ano a vigília anual. Mas os manifestantes de Hong Kong se reuniram na quinta e acenderam velas às vítimas. O movimento chega em um momento em que a ilha vem perdendo sua independência e tem virado uma nova frente de tensão entre EUA e China.

Em meio a protestos que acontecem desde 2019, a China aprovou mês passado nova lei que restringe a liberdade na cidade. Pune, por exemplo, a interferência estrangeira no território e permite que suas agências de segurança operem abertamente no antigo protetorado britânico. Donald Trump reagiu e disse que revogará o estatuto que libera a cidade das restrições legislativas existentes no resto da China.

A medida pode ter um impacto profundo na economia local. A região é muito dependente do investimento externo e até então estava imune aos efeitos de uma guerra comercial entre EUA e China. Mais do que isso, a lei coloca em risco o princípio de “um país, dois sistemas”, que governa as relações com Pequim desde que o território foi devolvido pelo Reino Unido à China em 1997. Hong Kong conta com sua própria “mini-constituição”, sistema jurídico e alguns direitos democráticos como liberdade de expressão.

O status de centro financeiro global de Hong Kong depende de ter o Estado de Direito, uma reputação confiável e acesso contínuo aos mercados financeiros ocidentais. Outras cidades chinesas têm grandes bolsas de valores, como Xangai e Shenzhen. Mas não têm tribunais justos, um banco central independente, livre circulação de capitais ou uma mistura de empresas ocidentais e chinesas.

Porém… As recentes restrições da China em Hong Kong apontam para uma nova estratégia. Hoje, as táticas do país sob comando do Xi Jinping contrastam com as de seus antecessores imediatos, que priorizaram as reformas e abertura frente ao confronto. Além de Hong Kong, a China também está em tensão com vizinhos como Taiwan. Para especialistas, o objetivo do país é aumentar o controle enquanto aumenta sua influência global. E algumas medidas já apontam para isso. Este ano começou a testar uma moeda digital que pode reduzir, com o tempo, a dependência do país em relação ao dólar e acelerar o desenvolvimento das capacidades financeiras do continente, para que fique menos exposta a possíveis punições americanas. E com o recente aumento da tensão com EUA, o governo chinês apresentou plano para transformar a ilha de Hainan em uma “nova” Hong Kong como centro de livre-comércio.

No mês em que se celebra a comunidade LGBTQ+, obras de arte sobre amor

Nos últimos 50 anos, a Pride, celebração global da comunidade LGBTQ +, foi tradicionalmente marcada por marchas, festivais e eventos culturais em todo o mundo. Este ano, a maioria desses eventos serão reinventados online. A Artsy, por exemplo, lançou uma nova coleção de obras de arte que expressam o amor queer, acompanhada por um recurso editorial de 14 dos artistas em destaque.

A coleção apresenta artistas contemporâneos que desafiam a heteronormatividade dominante da história da arte e que exploram o amor queer em suas muitas interações: do amor e desejo românticos, ao amor próprio, ao amor que une amizades, famílias e comunidades. Os trabalhos variam de pinturas recentes de Matthew Stone e Gisela McDaniel à fotografias de Isaac Julian e Catherine Opie, que criaram representações pioneiras do amor queer nos anos 80 e 90. Quando perguntada sobre a importância de retratar o amor estranho, Opie explicou: “Expressar amor com ousadia e publicamente é exatamente o que acontece na sociedade heterossexual; então, por que devemos ficar sem voz nisso? Amor é amor”.

Os álbuns favoritos de Lars Ulrich

Para o fim de semana, uma playlist com os álbuns favoritos de Lars Ulrich, baterista do Metallica. Ulrich seleciona alguns dos antepassados do heavy metal, olha para os contemporâneos em busca de mais entusiasmo e até encontra espaço para alguns discos mais recentes. A lista foi divulgada pela Rolling Stone, mas organizada no Spotify pela FarOut Magazine. A seleção incluí o clássico de 1977 do AC / DC, Let There Be Rock.“Este é o registro mais pesado do AC / DC, o registro mais denso do AC / DC, o registro mais energético do AC / DC”. Já sobre Overkill do Motorhead, o baterista disse que “nunca tinha ouvido nada parecido".

A lista completa:

AC/DC – Let There Be Rock, 1977.
Alice in Chains – Dirt, 1992.
Black Sabbath – Sabotage, 1975.
Blue Öyster Cult – On Your Feet or On Your Knees, 1975.
Deep Purple – Made in Japan, 1972.
Diamond Head – Lightning to the Nations, 1980.
Guns N’ Roses – Appetite for Destruction, 1987.
Iron Maiden – The Number of the Beast, 1982.
Judas Priest – Unleashed in the East, 1979.
Mercyful Fate – Melissa, 1983.
Motörhead – Overkill, 1979.
Rage Against the Machine – The Battle of Los Angeles, 1999.
System of a Down – Toxicity, 2001.
UFO – Strangers in the Night, 1979.
Warrior Soul – The Space Age Playboys, 1994.

E os mais clicados desta semana de protestos...

1. UOL: Rodrigo Maia confronta deputado Bolsonarista sobre faixas contra congresso.

2. New Yorker: Uma Nova York de cabeça para baixo na capa da revista.

3. Buzzfeed: Fotos dos protestos Black Lives Matter que estarão nos livros de história.

4. Teen Vogue: 11 coisas que você pode fazer para apoiar os protestos Black Lives Matter.

5. El País: Enquanto isso... Elon Musk curte o auge de seu sucesso.

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