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O que o Rio nos ensina?

Mauro Pìmentel/AFP

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Violência na cidade espelha o resto do país e exige união das diferentes esferas de governo

O Rio de Janeiro certamente é uma das capitais culturais do Brasil. Ao lado de cidades como Salvador, São Luís e Ouro Preto, possivelmente, forma aquilo que poderíamos chamar de um quadrilátero de construção da brasilidade. Este, remontando historicamente à chegada dos portugueses, ao contato com os indígenas, aos embates de conquista e à incorporação forçada de corpos escravizados provenientes do continente africano.

O fato é que, enquanto suas cidades irmãs possuem marcadores mais específicos de determinados momentos da história nacional, o Rio assume, ao longo do tempo, no caldeirão que envolve transformações, econômicas, políticas e sociais, o papel de representar o que é o Brasil.

Tal tarefa, difícil em termos geográficos, complexa em termos sociais e essencial em termos políticos, transforma a cidade, a sua gente e a sua cultura quase que em um sinônimo do que é ser brasileiro.

Da retratação do povo simpático, hospitaleiro, do fascínio exercido pela relação com a natureza. Cada um dos elementos que marcam esta cidade e sua gente, efetivamente, se torna marcador da nacionalidade ao longo dos séculos 19 e 20.

E se a transferência da capital federal para Brasília em 1960 marca uma mudança em seu status político, segue sendo inegável o impacto e a capacidade de irradiação de influência cultural e social representada pelo Carnaval, pela música, pelo futebol e várias outras expressões tão típicas daí.

O ponto é que ao mesmo tempo em que a cidade construiu em torno de si uma aura idílica, turbinada pela genialidade de Cartola, Tom, Vinicius e outros tantos, ela não deixou de ser um microcosmo das adversidades que marcam o país.

Do corporativismo que transforma membros de determinados grupos profissionais em verdadeiras castas, passando pelo clientelismo que permite a uns serem tratados como cidadãos “mais iguais” que outros, cada um dos elementos que faz do Brasil, Brasil, se manifesta também na Cidade Maravilhosa.

E tal retrato permite a compreensão de que, se o Rio não é apenas praia, Bossa Nova e carnaval, ele também não é apenas violência e crime organizado.

E aqui vale um recorte, que permite encarar e contextualizar as imagens do ocorrido na última semana nos complexos da Penha e do Alemão. Para tal, deixemos de lado aquilo que exaustivamente tem sido reproduzido: armas, sangue, pessoas armadas, pessoas mortas, familiares inconsoláveis. Inversamente, foquemos aqui, por um breve instante, no esforço de compreensão do impacto da violência sobre a vida do carioca, nossos irmãos de pátria, cuja cidade tem a maior parte do seu território tomado por grupos criminosos.

Em termos práticos, tal movimento — que ocorre a pelo menos três décadas — se manifesta na retração da população da cidade: uma diminuição de 2% no censo de 2022 (6.211.423), em comparação com o número de cidadãos aferidos no censo de 2010 (6.320.446). Comparativamente, São Paulo cresceu 2%, enquanto Goiânia e Manaus tiveram aumentos populacionais de 10% e 15%.

O Rio é um microcosmo que nos mostra que algo não está funcionando de maneira efetiva

E mesmo que se opte aqui pela prudência em termos de não tratar crescimento populacional como um marcador único de qualidade de vida ou minimamente do direito de possibilidade de vida, é possível fazer um vislumbre de que o Rio é um microcosmo — um microcosmo que nos mostra que algo não está funcionando de maneira efetiva. E é esse entendimento que permite a transposição do diálogo regional para o nacional.

Em todo o país, estima-se que 50 milhões de brasileiros, aproximadamente 24% da população nacional, residem em áreas dominadas pelo crime organizado. Tais dados, resultantes de uma pesquisa construída pela Universidade de Cambridge e publicada no jornal da Universidade de São Paulo, além de preocupantes, permitem que possamos dimensionar o impacto do crime na vida da população, e que possamos, pela dedução lógica, compreender aquela que é a falha estrutural mais grosseira da Nova República.

Concretamente, apesar de avanços em uma série de direitos e da conquista da estabilidade econômica, a Constituição de 1988 falhou no quesito segurança pública. E, neste sentido, mais importante do que entender as causas destas falhas, vale o debruçar sobre a qualidade do debate público sobre a questão no dia de hoje.

Se de um lado há um esforço sério de profissionais egressos das mais diversas origens para compreender o problema e seus impactos, de outro há uma ameaça no horizonte — que, impulsionada pela sua simplicidade discursiva, alimenta um afã belicista, que tende a tornar ainda mais aguda e aterradora a realidade daqueles que, não por escolha, vivem sob o assombro da violência.

Dito isto, o apego de lideranças políticas àquilo que possa ser chamado de “bukelização” — terminologia derivada do nome do Presidente de El Salvador, Nayib Bukele — reduz um desafio complexo a uma peça teatral de corte maniqueísta.

Ao enquadrar a questão da violência e do crime como um discurso de campo de batalha, lideranças políticas podem efetivamente transferir responsabilidades para outros entes — o cidadão, o policial ou Poder Judiciário —, sem assumir os riscos e custos de suas próprias ações.

Retome-se o exemplo do ocorrido no Rio de Janeiro na última semana. O confronto aberto, o apoio popular massivo — do qual o governador Cláudio Castro (PL) se beneficia até aqui — e as reportagens divulgadas não mudam em nada a vida de cada uma das pessoas que vivem sob domínio do crime.

Afinal, a ação policial, com todos os seus componentes cinematográficos, não resultou na retomada efetiva do território, nem na consequente mudança de vida de cada uma das pessoas afetadas cotidianamente pela presença da violência em suas vidas.

O dado é que cidadãos dos mais diversos extratos sociais se sentem acuados. E aqueles que possuem maiores e melhores meios de ação e pressão se ancoram nestes em sua tentativa de sobreviver. Condomínios fechados, carros blindados e seguranças privados são alguns dos marcadores que viabilizam um mercado que alimenta uma fugaz sensação de segurança, ao mesmo passo que tem no medo o seu vetor de vendas mais pujante. De outro lado, aqueles que não possuem esses meios entregam suas existências à fé, à religião e à espiritualidade, das quais esperam a benevolência que lhes traga conforto e acolhimento.

Esse cenário levanta a seguinte questão: por que as autoridades municipais, estaduais e federais ainda não superaram suas diferenças para combater o crime organizado?

Se as imagens do ocorrido na última ação policial do governo do Rio chocam e despertam atenção de todos os lados no tabuleiro político, não seria momento adequado para que todos se sentassem à mesa e discutissem ações que tornassem menos confortável o empreendimento do crime?

O que se observa é um avanço na capacidade do crime de reunir informações, transformá-las em conhecimento e tirar vantagem deste

Do modelo de ocupação territorial do Comando Vermelho aos processos de lavagem de dinheiro e organização do Primeiro Comando da Capital, o que se observa é um avanço na capacidade do crime de reunir informações, transformá-las em conhecimento e tirar vantagem deste.

O Estado, em paralelo, parece preso ao período pombalino, onde a lógica de autarquias concorrentes buscando seus carimbos, taxas e benefícios exclusivistas não dava conta — e certamente não daria conta agora — do desafio que é representado por um crime a cada dia mais interconectado.

Afinal, aquilo que infelizmente acontece no Rio ao longo de algumas décadas, e que era muitas vezes observado de forma jocosa e pouquíssimo solidária, hoje afeta um número considerável de cidades e cidadãos ao redor de todo o país.

E a expectativa de uma resposta, de uma solução, de posturas que não sejam meramente retórica vazia, todas elas demandam consenso e trabalho em conjunto entre os entes federativos. Mas a compreensão reinante, até aqui, para o infortúnio de tantos, é a de que este é e será um embate de longa duração.


*Colunista do Central Meio e do Meio Político, o mestre em Relações Internacionais Creomar de Souza é sócio fundador da Consultoria de Análise de Risco Político Dharma e professor da Fundação Dom Cabral.

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