Prezadas leitoras, caros leitores —

Em finais do século 20, o cientista político Gleb Pavlovsky encomendou ao diário russo Kommersant uma pesquisa eleitoral. Queria saber quem as pessoas gostariam de ver como sucessor do presidente Boris Yeltsin. Mas era uma pesquisa diferente — Pavlovsky não buscava sugestões de políticos. Queria personagens da ficção. E o segundo colocado das preferências populares imediatamente lhe chamou a atenção: Stierlitz.

Um dos homens que os russos exaustos com a corrupção, a crise econômica, o caos de um Estado ausente e as beberragens de Yeltsin era este tipo sisudo, um agente secreto da KGB, protagonista de uma popularíssima minissérie da TV soviética nos anos 1970. Uma versão mais contida e reflexiva de James Bond — só que comunista.

Com o perfil traçado, o marqueteiro contratado pelo oligarca Boris Berezovsky tratou de buscar quem pudesse se encaixar naquele perfil. Não precisou ir longe. O diretor da FSB, a agência sucessora da KGB, era um sujeito baixo e discreto que tinha todos os trejeitos de Stierlitz. Possivelmente nem era sem querer. Vladimir Vladimirovich Putin havia ingressado na agência de espionagem soviética poucos anos após a série ir ao ar. Toda sua geração tinha naquele homem um ideal.

Pavlovsky buscava um produto de marketing, um ator para o personagem que estava criando. Berezovsky queria um fantoche para presidir o país que ele controlaria de fora.

Putin está faz 22 anos no poder — não era um ator, tampouco fantoche, e nenhum dos homens mais poderosos da Rússia percebeu que o discreto agente sempre teve a habilidade de ir se encaixando, sem que lhe dessem propriamente valor, que tinha também uma ideia de Rússia, outra de mundo.

O caos passou, em seu governo. Os oligarcas que tentaram resistir a ele com suas imensas fortunas, também. Nunca conseguiu erguer a economia, mas mantém um rígido controle do país, das liberdades.

E agora quer reescrever as regras pelas quais o mundo funciona. Fazer do século 21 um pouco mais parecido com o 20. Um tempo em que guerras de conquista voltam a fazer parte do jogo e democracias não são a norma.

A história, a formação e o mistério de Vladimir Putin — este é o tema da Edição de Sábado do Meio. O fundador da nova direita autocrática no mundo.

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— Os editores

PS: Em tempo… Cá este Meio não circula na segunda e terça-feira de Carnaval. Voltamos na quarta. Ou, perante notícia grande, em edição extraordinária.

Kiev se prepara para ser invadida

A Rússia manteve o bombardeio de Kiev, a capital ucraniana, pela segunda noite seguida — as sirenes que alertam para o bombardeio ainda tocavam quando o dia amanheceu. Ao menos um edifício residencial estava em chamas, tendo sido atingido por artilharia. Até o fechamento desta edição, a informação do governo ucraniano era de que os tanques russos estavam a 30 quilômetros da capital, preparando uma tomada. O secretário de Estado americano, Anthony Blinken, afirmou que a Casa Branca está convencida de que a intenção russa é derrubar o governo. (Washington Post)

Vestindo uma camisa de gola redonda, com a sombra da barba aparente, o presidente Volodymyr Zelenski fez distribuir pelas redes um pequeno vídeo no início da madrugada local. “Temos informações de que grupos sabotadores entraram em Kiev”, ele afirmou. “É por isso que pedimos a todo os moradores que se mantenham vigilantes e sigam as regras da lei marcial.” Zelenski repudiou, também, a alegação russa de só estar buscando alvos militares. “Estão matando gente e transformando cidades pacíficas em alvos militares. De acordo com a inteligência que temos, fui marcado como alvo número 1 e, minha família, como o número 2.” O presidente está em um local não revelado. (New York Times)

Um dos argumentos russos colou em parte da esquerda brasileira — é o de que Volodymyr Zelenski teria simpatias nazistas. Há, sim, movimentos neofascista na Ucrânia. São minoritários. Zelenski, cujo avô lutou na Segunda Guerra no Exército Vermelho, é único judeu chefe de Estado na Europa. O Vox publicou um longo artigo sobre como a tática russa de classificar o conflito como um de ‘denazificação’ serve, na verdade, para negar legitimidade ao governo ucraniano. O Jewish Unpacked, site americano voltado para a comunidade judaica, também se debruçou sobre a acusação. “A extrema-direita é um problema na Ucrânia, mas o país está muito longe de ser um Estado nazista”, informa. O principal grupo neonazista ucraniano, a milícia Azov, se juntou em coalizão com outros partidos de extrema-direita. Receberam juntos 2% dos votos na eleição de 2019. Autor de Como o Fascismo Funciona, talvez o mais importante livro sobre o tema na atualidade, Jason Stanley foi ao Twitter. “O presidente ucraniano é judeu e muitos de seus familiares morreram no Holocausto”, escreveu. “A afirmação de Putin de que está ‘denazificando a Ucrânia’ deveria chocar o mundo.” O historiador brasileiro Michel Gherman, da UFRJ, também um especialista em fascismo, seguiu a mesma linha num tuíte sucinto. “Há um dirigente nacional judeu hoje na Europa: o presidente da Ucrânia.” O Museu Memorial de Auschwitz-Birkenau publicou nota em solidariedade ao povo ucraniano. “Não podemos nos silenciar quando, mais uma vez, pessoas inocentes estão sendo assassinadas por conta de megalomania pseudo-imperial.”

Então… Nos EUA, o Partido Republicano rachou. Os dois principais líderes no Senado, Mitch McConnell e Lindsey Graham, apoiam o presidente Joe Biden. Há alguns que dizem, como é típico dos republicanos no passado, que o democrata Biden deveria ser mais belicoso. Mas, após o ex-presidente Donald Trump elogiar a ação de Putin — “gênio, ele disse ‘vamos entrar para manter a paz’, ele é muito esperto” —, outros republicanos o seguiram. Pelo menos doze senadores e inúmeros deputados são só elogios para o líder russo. (Politico)

E... A UEFA tirou de São Petersburgo a final da Champions League. O jogo, que ocorreria na cidade russa em 28 de maio, foi transferida para Paris. (Guardian)

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David Frum: “Como Putin consegue evitar que sua guerra vire uma insurgência continuada com armas continuamente entrando na Ucrânia pela Polônia, Eslováquia e Romênia? Como Putin pode lidar com a insurgência sem as táticas de terror, evitando que suas táticas de terror apareçam imediatamente nas redes sociais? Se o plano é colocar um governo fantoche em Kiev, como fazer este governo ser reconhecido no Ocidente? Como fazer que a nova Ucrânia seja reconhecida na ONU, Banco Mundial ou FMI? Putin controlou a Síria com bombardeios ilimitados e facilitando que seu aliado local usasse armas químicas. O que ele acha que ocorre se fizer o mesmo a poucas centenas de quilômetros da Europa Ocidental? A Ucrânia tem escolas, hospitais, aposentadorias. Quem as paga durante a ocupação russa? Putin vai cancelar tudo? Quem reconstruirá aeroportos e edifícios? Putin vai cobrar impostos dos ucranianos? Ou pagará com fundos russos? O que os russos dirão? A Ucrânia tem 45 milhões de pessoas numa área do tamanho do Texas. Quantos soldados são necessários para controlar uma população enfurecida?” (Twitter)

Editorial da Economist: “Mr Putin não pode dizer a seu povo que está lutando contra irmãos e irmãs ucranianos, então diz que a Rússia está em guerra com os EUA e a OTAN. Mas a verdade abominável é que Mr Putin lançou um assalto não-provocado contra o país soberano vizinho. Está obcecado com a aliança defensiva ocidental. E está pisoteando nos princípios em que se baseia a paz do século 21. É por isso que precisa pagar um preço alto pela agressão. Começa com sanções punitivas ao sistema financeiro russo, sua indústria tecnológica e à elite endinheirada. O Ocidente não deve hesitar. Sanções vão ferir o Ocidente também. O preço do barril de petróleo passou dos US$ 100 após a invasão. A Rússia alimenta com gás a Europa. Exporta metais como níquel e paladium, além de trigo. É um problema num tempo em que a economia se debate com inflação e nós logísticos. Mas o fato de o Ocidente estar disposto a lidar com as sanções manda uma mensagem para Mr Putin. Depois, é preciso reforçar o flanco Oriental da OTAN. A OTAN deve enviar 40 mil soldados para os países na fronteira do conflito. Estas tropas darão credibilidade à doutrina de que o ataque a um membro é um ataque a todos. Mandarão para Mr Putin um sinal que, quanto mais ele avançar na Ucrânia, mais fortalecerá a presença da OTAN na vizinhança.”

Yuval Noah Harari: “Este é um dia de dor. A ambição cruel de uma pessoa inflige terror e violência contra dezenas de milhões e empurra toda a humanidade para um desastre. Estamos à beira do abismo. Se a agressão triunfar, todo o mundo será tragado por uma nova era de guerra e podemos não ver o fim desta era em nossas vidas. O futuro de todos nós depende da bravura do povo ucraniano. É nosso dever apoiá-lo.” (Twitter)

Meio em Vídeo: A expansão da Otan de fato houve, mas é uma desculpa. Putin aproveita um momento de crise nas democracias mundiais para mudar as regras de como se faz geopolítica enquanto trabalha para subjugar os países vizinhos. Ele quer que o século 21 seja mais parecido com o 20. No YouTube.

Na ausência de qualquer manifestação oficial do governo brasileiro, ainda na manhã de ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão se antecipou. “O Brasil não está neutro. O Brasil deixou muito claro que ele respeita a soberania da Ucrânia”, ele afirmou a jornalistas quando chegava a seu gabinete. E foi além. “Tem que haver um uso da força, realmente um apoio à Ucrânia, mais do que está sendo colocado.” (Metrópoles)

Pois é… Em sua tradicional live de quintas, o presidente Jair Bolsonaro o desautorizou. “O artigo 84 diz que quem fala sobre esse assunto é o presidente. E o presidente chama-se Jair Messias Bolsonaro”, disse. “E ponto final. Com todo respeito a essa pessoa que falou isso — e falou mesmo, eu vi as imagens — está falando algo que não deve. Não é de competência dela. É de competência nossa.” (g1)

Bem… O Brasil terá de se posicionar perante o mundo. Nesta sexta-feira, o Conselho de Segurança da ONU avalia uma resolução que condena de forma dura a invasão da Ucrânia pela Rússia. Como membro do Conselho, o Brasil terá de apoiar, rejeitar ou mesmo se abster, conta Malu Gaspar. “É certo, porém, que não vai dar para sair dessa reunião na ONU sem desagradar alguém.” (Globo)

O principal adversário de Bolsonaro na eleição, o ex-presidente Lula, se posicionou. “É lamentável que, na segunda década do século 21, a gente tenha países tentando resolver suas diferenças, sejam territoriais, políticas ou comerciais, através de bombas, de tiros, de ataques, quando deveria ter sido resolvido numa mesa de negociação”, afirmou em entrevista à Rádio Supra FM. (Correio Braziliense)

Mais cedo, a bancada do PT do Senado publicou uma nota confusa que mais atacava os EUA do que condenava a invasão. Mas a apagou rapidamente. (Twitter)

O fundo eleitoral público de R$ 4,9 bilhões para partidos está a um voto de ser autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A votação, que começou nesta quinta-feira, estava em 5 a 1 a favor da manutenção do chamado fundão. Por ora, somente o relator André Mendonça votou contra. Cinco ministros ainda precisam votar. O julgamento foi interrompido e será retomado em 3 de março. (Folha)

Mcapeta Feliz

Marcelo Martinez

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Viver

A perícia identificou o corpo do jovem Gabriel da Rocha, 17, que foi filmado em cima de um ônibus durante a tormenta em Petrópolis no dia 15 deste mês. A confirmação veio após a comparação entre o material genético dele com o do pai. Até o momento, são 208 mortos, dos quais 191 foram identificados, e 48 pessoas desaparecidas. (UOL)

O Brasil registrou ontem 996 mortos por covid-19. Com isso, a média móvel caiu abaixo de 800 óbitos após 16 dias, ficando em 784, e de casos foi de 91.360, há quinze dias em queda. E 71,9% da população foi vacinada com duas doses. Mas a Fiocruz lembra: cenário é promissor, mas a pandemia ainda não acabou. (UOL)

A Latam informou que cancelou mais de cem voos no Carnaval devido ao aumento de casos de covid-19 e influenza entre os tripulantes. (Aeroin)

Uma bomba explodiu dentro do ônibus da equipe de futebol do Bahia. O time ia ao próprio estádio, a Arena fonte Nova, para enfrentar o Sampaio Corrêa pela Copa do Nordeste. O goleiro Danilo Fernandes foi atingido no rosto por estilhaços. (UOL)

Cultura

Novos filmes chegam nesta semana ao circuito brasileiro de cinema. Um não é exatamente inédito. Trata-se de O Poderoso Chefão, clássico de 1972 e vencedor de três prêmios que será relançado em alta definição. Outro, esse de 2020, é a comédia dramática Adeus, Idiotas, que conta história de uma mulher que sai em busca do filho perdido com a ajuda de um homem com burnout e um arquivista cego. (O Globo)

A história do Grupo Estação, dono de uma rede cinemas no Rio, vai ser tema de livro. (O Globo)

Cotidiano Digital

O projeto de lei das fake news discutido na Câmara dos Deputados se tornou alvo de uma carta assinada por Facebook, Instagram, Google, Twitter e Mercado Livre. As empresas afirmam que a proposta pode ameaçar a “internet livre, democrática e aberta”. Além disso, “da forma como está hoje”, o projeto de lei trata pouco do combate à desinformação. Entre as críticas, estão as exigências do projeto em torno da moderação de conteúdo nas plataformas. O texto aponta que os serviços deverão notificar o usuário caso a sua postagem seja derrubada. O relator da proposta, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), tem discutido a PL com os partidos nesta semana e deve fazer alterações. Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a votação será realizada após o Carnaval. (g1)

Um estudo do Centro de Combate ao Ódio Digital (CCDH), do Reino Unido, mostrou que o Facebook não rotulou metade das postagens que divulgam conteúdo de negacionistas das mudanças climáticas. A pesquisa vem à tona após novas denúncias de que a companhia enganou investidores sobre seus esforços para combater as mudanças climáticas e a desinformação sobre a covid-19. (Estadão)

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