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Trump e os religiosos

Drew Angerer/Getty Images via AFP

Na contramão do resto da população, apoio ao presidente americano se mantém firme entre os brancos evangélicos

Após cem dias do segundo mandato do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, os protestantes evangélicos brancos continuam entre seus apoiadores mais fervorosos, de acordo com uma pesquisa recente do Pew Research Center.

Enquanto entre a população adulta em geral o presidente apresenta em torno de 46% de avaliação positiva, no recorte entre evangélicos brancos a aprovação da forma como ele está conduzindo seu trabalho chega a 72%. Nesse mesmo grupo, 69% consideram excelente ou boa a ética dos principais membros do governo Trump e 57% dizem confiar mais no que Trump diz do que no que disseram presidentes anteriores.

Por que falar em “evangélicos brancos”? Por que fazer essa subdivisão para o contexto norte-americano? E por que essa diferença tão grande de avaliação e percepção nesse segmento com relação à população em geral? Isso é novo?

A filiação religiosa nos EUA é classificada como no Brasil, com autodefinição a partir de grandes categorias. Na maioria das pesquisas, pergunta-se: “Qual a sua religião atual, se houver?”. Os respondentes recebem as opções: protestante, católico, romano, mórmon, ortodoxo (como ortodoxo grego ou russo), judeu, muçulmano, budista, hindu, ateu, agnóstico, outra coisa ou nada em particular.  Ateus, agnósticos e nada em particular são normalmente classificados como “sem filiação religiosa”.

Dados de 2024 indicam o seguinte perfil religioso na população norte-americana: 62% são cristãos (sendo 39% protestantes, 19% católicos e 4% outros cristãos); 29% não têm filiação religiosa e 7% apontam outras religiões.

Como se trata de um país de formação protestante, com importantes diferenças históricas, de autodefinição, litúrgicas e de institucionalização e organização do protestantismo, as classificações e subdivisões para o grande grupo “protestantes” adotam as seguintes categorias: protestantes evangélicos brancos (os chamados “born again”, ou renascidos); os protestantes tradicionais (ou não evangélicos) brancos e os protestantes negros.

As diferenças de raça e de origem da formação e organização do protestantismo no Brasil não são medidas nas pesquisas e não aparecem, portanto, de forma tão marcada.

No Brasil também falamos em protestantes históricos e evangélicos, mas de forma geral adotamos o termo “evangélicos” para falar de todos. As diferenças de raça e de origem da formação e organização do protestantismo no país não são medidas nas pesquisas e não aparecem, portanto, de forma tão marcada. Mas, nos EUA, não só é classificado e medido, como as diferenças em valores, práticas cotidianas e litúrgicas, além de visões e opiniões políticas são muito marcadas e claras.

Usando como exemplo o nosso tema em questão — avaliação do segundo mandato do presidente Donald Trump —, enquanto a maioria dos protestantes evangélicos brancos (72%) afirma aprovar a forma de o presidente conduzir o seu mandato, sua aprovação cai para 51% entre protestantes (não evangélicos) brancos e para apenas 10% entre protestantes negros.

Enquanto isso, a maioria dos protestantes negros, católicos e adultos sem afiliação religiosa afirma desaprovar a maneira como Trump está conduzindo sua presidência.

A mesma divisão acontece quanto à percepção dos membros do governo Trump, não apenas dele. Cerca de sete em cada dez evangélicos brancos avaliam a ética dos principais membros do governo Trump como boa (35%) ou excelente (34%), patamares que caem para 16% e 21%, respectivamente, no público em geral.

Ao mesmo tempo, maiorias claras de protestantes negros (88%), adultos sem afiliação religiosa (76%) e católicos hispânicos (72%) afirmam que os padrões éticos dos principais membros da administração Trump são regulares ou ruins.

Quanto às medidas e ações concretas do governo que estão em curso, as opiniões dos grupos religiosos seguem a mesma divisão e se atribui à figura de Trump o desempenho de seu governo, sem muitas diferenças em relação ao objeto da medida em questão. Em outras palavras, seguem o líder e não a pauta. Mesmo que afete essas populações diretamente de forma negativa.

Três quartos dos evangélicos brancos aprovam as ações de Trump para encerrar políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) no governo federal. A mesma proporção aprova os cortes de Trump em departamentos e agências federais. E dois terços dos evangélicos brancos apoiam o aumento substancial de tarifas sobre produtos importados. Em comparação, um pouco mais da metade dos protestantes brancos não evangélicos e dos católicos brancos aprovam essas mesmas ações do governo Trump. Por outro lado, a maioria dos protestantes negros, dos católicos hispânicos e dos adultos religiosamente não afiliados desaprova essas medidas da administração Trump.

Essa “polarização religiosa”, com importante demarcação racial, reflete em grande parte as diferenças partidárias e a consequente polarização política nos EUA, como já escrevi aqui no Meio Político. A maioria esmagadora dos protestantes evangélicos brancos se identifica como republicana ou tende a apoiar o Partido Republicano, assim como uma maioria menor de protestantes brancos não evangélicos e católicos brancos. Em contraste, a maioria dos protestantes negros, dos católicos hispânicos e dos adultos sem afiliação religiosa são democratas ou independentes com tendência ao Partido Democrata. As diferenças aparecem refletidas em muitas dimensões da vida social e política.

Para a maioria dos cristãos e republicanos (63%) a política está ‘secularizada demais’.

Há cada vez mais clivagens importantes entre Republicanos e Democratas com relação ao papel da religião no Estado propriamente dito, não apenas na vida pública em geral. Para a maioria dos cristãos e republicanos (63%) a política está “secularizada demais”. E há um campo político nos EUA, e em outros países hoje, que está sabendo potencializar e canalizar o uso da religião como ferramenta política de expansão, aliado a um providencial e perigoso uso fundamentalista da religião como arma política. Esse uso se dá num dos polos, uma direita cada vez mais extremista que se aferra à Bíblia, ao ultraconservadorismo e aos cristãos como forma de demonização do outro e de radicalização da política.

Que no Brasil há marcada diferença entre evangélicos e público em geral, especialmente em se tratando de voto e visões políticas, isso já sabemos. Mas esse mesmo fenômeno sempre foi tão explícito assim nos EUA?

Tanto entre o público norte-americano em geral, quanto entre os principais grupos religiosos, os índices atuais de aprovação de Trump estão em níveis semelhantes aos do mesmo período em seu primeiro mandato (abril de 2017). Ou seja, sua vantagem entre o público protestante evangélico branco, especialmente, sempre foi acentuada. Nas intenções de voto e na aprovação e apoio. Estamos tratando, portanto, de uma tendência muito mais impactada pela política do que pela religião.

O uso político da religião tem sido a divisão política mais negligenciada e mais reveladora tanto nos EUA como aqui no Brasil.

 


*Ana Carolina Evangelista é cientista política com mestrado em relações internacionais pela PUC-SP e em gestão pública pela FGV-SP. É pesquisadora e diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser). Faz cobertura eleitoral desde 2018 com colunas na 'piauí' e no 'UOL'.

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