Vamos dobrar a meta

O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte (UB-CE), desembarcou apressado do elevador que leva direto ao cafezinho do plenário da Câmara, no meio da tarde da última terça-feira. A correria era para marcar presença na sessão de votação. Não podia perder o ponto. Interceptado por uma leva de jornalistas, o cearense prometeu voltar para conversar um pouco sobre o orçamento e, principalmente, sobre a meta de déficit fiscal, tema que gerou barulho na discussão do arcabouço fiscal, aprovado no primeiro semestre, e vem dando o que falar, agora, na discussão do orçamento para 2024.

Nordestino, veterano, boa-praça, representante do Centrão e amigão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Forte chegava de uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto. No encontro, ele mostrou ao presidente sua disposição em “não atrapalhar o Brasil”, expressão que serve à sanha gastadora instalada no Legislativo e no Executivo, mas que vem causando arrepios em quem defende o rigoroso empate entre os gastos do governo e a arrecadação.

Forte falou com Lula sobre a possibilidade de um deputado do PT apresentar uma emenda, alterando a meta zero. Isso teria de ocorrer até o dia 16 de novembro, quando findará o prazo para que os parlamentares apresentem sugestões ao projeto da LDO. A sugestão, claro, seria acatada sem problemas pelo relator. “Tem que vir de um governista. E melhor que seja de um do próprio partido do presidente. E o governo teria votos para aprovar”, calculou o deputado. “Três deputados do PT já me procuraram”, apontou.

A conveniência de ser um nome do partido do presidente é a seguinte: mostrar que não é só o Centrão que quer dinheiro, mas o governo também. O relator fez questão de falar que o clima é de total harmonia com o outro lado da rua. “Nós não estamos travando uma guerra. Ao contrário. Eu estou guerreando para ter orçamento”, disse Forte ao Meio. Para justificar a pretendida bonança, o cearense passou a exibir a sequência de furos no finado teto de gastos, que vigorou do governo de Michel Temer até sua substituição pelo arcabouço fiscal. “A pior verdade é melhor do que a melhor mentira. O que não pode é ficar do jeito que está.” E a evocar a justificativa de fazer girar a roda que sempre moveu o mundo. “A economia está estagnada. Nós temos que atiçar a atividade econômica. A não ser que se tenha uma medida para aumentar imposto”, argumentou.

O goleiro e o artilheiro

A entrega do relatório final da LDO está marcada para o dia 20 e a sua votação deve ser feita até o dia 24 deste mês. A decisão de mudar agora a meta fiscal, apesar da fala de Lula de que o déficit zero “dificilmente” seria alcançado ano que vem, ainda não está tomada. O assunto opôs ministros palacianos que hoje disputam o poder de influenciar o presidente. Há dois blocos: um é liderado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT-SP), perseguidor da meta. Outro, pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), a quem Lula entregou a responsabilidade de propagandear e gerir o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e espalhar obras por todo o país. Haddad, em reservado, responsabiliza Rui por ter atiçado a já conhecida veia desenvolvimentista de Lula antes daquele café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto.

Entre os mais alinhados a Haddad estão a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, e o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT-SP). Rui Costa também coleciona apoios. Ministros petistas das áreas de desenvolvimento estão com ele. E, na equipe econômica, um apoio mais sutil tem surpreendido: o de Simone Tebet (MDB-MS), que levou a mensagem ao Congresso com a meta zero, mas, como Lula defendeu na conversa com jornalistas, admitiria um endividamento “dentro da banda” (a variação de 0,25 ponto percentual prevista no arcabouço).

Padilha e Haddad defendem que esse assunto só seja tratado em março do ano que vem, depois que for divulgado o primeiro relatório trimestral da execução orçamentária. Com isso, Haddad acredita que a possível alteração vai considerar dados mais reais da economia. Nesse caso, o governo teria de enviar ao Congresso um projeto de lei (PLN) pedindo a alteração.

Parte desse argumento embute o cuidado de que entrar em negociação nesse momento com o Congresso para uma revisão da meta atrapalha totalmente a articulação para passar, até o final do ano, as matérias que podem gerar receitas de impostos. Além da reforma tributária, que voltou para a Câmara para análise dos pontos alterados pelo Senado, Haddad ainda tem uma lista de projetos que precisa ver aprovados ainda em 2023. Na Câmara, a equipe econômica espera a aprovação da proposta que acaba com parte das subvenções estaduais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). No Senado, ainda tem para ser votado o projeto que taxa as aplicações em fundos especiais e offshore, além da proposta que regulamenta as apostas esportivas.

O que Padilha e Haddad não querem nesse momento é instalar, antecipadamente, um balcão de negociações com o Centrão, que durará meses e contribuirá para que a conta saia ainda mais cara para o governo. E nesse preço estão incluídas as vice-presidências da Caixa, cargos na Funasa e liberações de emendas. Melhor seria, na opinião dos dois ministros, deixar a realidade se impor. Para que manter um balcão aberto por meses se o governo pode negociar somente lá na frente, por algumas semanas?

Padilha sabe que a apetência do Centrão não tem fim. A decisão de mexer na meta é sensível e o Planalto não tem ainda todos os fatores para dimensionar a necessidade de “investimentos” na negociação. Ao mesmo tempo, Lula quer ser ativo nas eleições municipais do próximo ano e Rui Costa tem a função de transformar o país nesse palanque. No mesmo café em que falou sobre a meta, Lula informou que no próximo ano vai substituir as viagens internacionais que marcaram 2023 por viagens dentro do país. Para viajar internamente, tem que ter obra para lançar, inaugurar, vistoriar. Ou seja, tem que ter dinheiro entrando nos estados e municípios. Tem que ter PAC de um lado e liberação de emendas do outro.

Para saciar a fome dos parlamentares nessa reta final e tentar desfazer o ciúme dos senadores em relação ao tratamento que dispensado à Câmara, o governo terá de se esforçar. Lula precisou se colocar na negociação política e levar os líderes da Casa Alta para uma reunião no Planalto para aprovar no Senado a reforma tributária. Lá, ouviu queixas. Houve senador reclamando que deputado de sua base levou mais dinheiro que ele, “um absurdo”. Mesmo com o empenho do presidente, o placar foi apertado. Diante do que consideram privilégio dos deputados, senadores pediram um adicional em emendas parlamentares no valor de R$ 2 bilhões, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo. O argumento: Haddad teria se comprometido a destinar outros R$ 4 bilhões à Câmara dos Deputados — o que ministro e governo negam. É bom lembrar que há matérias importantes no Senado para serem votadas com impacto direto na arrecadação.

De bilhão em bilhão, de acordo com dados compilados pelo Planalto, dos R$ 21,2 bilhões previstos para emendas parlamentares individuais do orçamento desse ano, quase R$ 18 bilhões já foram empenhados (84%). As emendas parlamentares individuais são um dos três tipos que estão nas mãos dos congressistas — há ainda as emendas das bancadas estaduais, e as de comissão, que são recursos indicados por colegiados temáticos. Até o momento, foram pagos mais de R$ 13 bilhões nas individuais. Já a proposta de orçamento para 2024 prevê um incremento para esse tipo de emenda. A mensagem do governo prevê R$ 25 bilhões para serem distribuídos individualmente a deputados e senadores. O orçamento geral para o próximo ano também sugere um incremento de 8,5% nas despesas discricionárias, aquelas que o governo pode decidir onde gastar e que incluem as emendas parlamentares. Dos R$ 2 trilhões previstos para o total de despesas do governo, R$ 225,8 bilhões estão reservados para essas despesas. Desse montante, R$ 37,6 bilhões foram destinados para emendas parlamentares individuais ou de bancada. Esse valor é um pouco menor que os R$ 38,8 bilhões para as emendas a serem pagas neste ano. Trocando em não tão miúdos, a frágil coalizão de Lula no Congresso está estimada em quase 17% do que o governo tem para gastar livremente. E com o ágio de uma eleição municipal no meio.

Quem quer dinheiro?

Antes de decidir, Lula tem ouvido os dois lados. Na terça, antes de se encontrar com o relator da LDO, Lula almoçou com Haddad e com o diretor de política monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, a quem o presidente costumava chamar na época da campanha para se aconselhar sobre destinos na economia. O almoço não constava na agenda oficial. Naquele mesmo dia, Haddad pôde comemorar a vitória em uma batalha: a Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou o relatório preliminar da LDO, encerrando assim o prazo que o governo tinha para enviar nova mensagem alterando o objetivo fiscal em 2024. Agora, Haddad torce para que não haja até o dia 16 de novembro uma iniciativa do governo de alterar a meta.

No Congresso, parlamentares ávidos por levar recursos para seus estados em um ano de eleições municipais parecem dispostos, sempre “pelo bem do Brasil”, a inclusive criar rubricas novas que possam engordar os repasses. O relator já incluiu em seu texto um novo tipo de emenda parlamentar, destinada às bancadas partidárias. A negociação agora está em torno de fazer com que o governo seja obrigado a pagar, ou seja, que essas emendas, a serem apresentadas pelas legendas, se tornem também impositivas, como todas as demais. “Está claro que parlamentares já têm mais dinheiro do que jamais tiveram para mandar para suas bases. Os valores das emendas aumentaram substantivamente no ciclo orçamentário passado, com Jair Bolsonaro. Além disso, não houve, na mensagem orçamentária enviada ao Congresso, uma diminuição desses valores aos patamares anteriores”, diz Lara Mesquita, cientista política e professora na graduação da FGV e do curso de pós-graduação em Ciência Política da FESP-SP.

Não só não houve diminuição como o relator Danilo Forte aposta que uma alteração apresentada pelo governo para mudar a meta seria facilmente aprovada por senadores e deputados, contabilizando aí os votos de partidos da base do governo e o Centrão, recentemente incorporado. Uma aposta que vai no fluxo contrário da resistência que algumas matérias de interesse do Planalto encontram. Para Forte, a alteração da meta “passaria fácil”.

A sanha por cargos e dinheiro pautando a relação entre os dois Poderes é própria de um governo inaugurado sem base no Congresso, na opinião da professora, mas não só isso. O fisiologismo ampliado nas articulações também mostra um desarranjo na oposição. Não há um partido que apresente uma proposta alternativa ao que está no poder — a não ser nos costumes — e, para além do toma-lá-dá-cá, tenha convicção de onde investir o dinheiro ou quando votar com ou contra o governo, independentemente das promessas. Fato é que, na época da polarização entre o PT e PSDB, existia sempre na oposição um partido que se colocava verdadeiramente como uma alternativa ao poder. “Havia ali um partido que dizia: ‘eu vou ganhar do governo de novo. Tem um problema no governo atual, eu tenho um programa de governo e eu sei o que eu quero’”, destaca Lara. “Tem uma parte do Centrão que não está nem aí para a reforma tributária ou outras, porque nunca vai governar o país e só quer conseguir uma melhor condição para o grupo que o financia ou ao qual está alinhado economicamente.” Nem que precise dobrar a meta.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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