Bolsonaro é um agente do caos

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“Bolsonaro preso amanhã?”
Amanhã, quarta-feira, é quando se esgota o prazo que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, deu para que o ex-presidente Bolsonaro explique suas duas pernoites na embaixada da Hungria, em fevereiro.

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A nota de defesa e a própria admissão de Bolsonaro sobre por que foi, em pleno Carnaval, com passaporte retido, passear numa embaixada, falam em conversas com autoridades húngaras sobre o cenário político dos dois países.

Muitos juristas acreditam que há razões de sobra para que a prisão preventiva seja decretada. Outros argumentam que o ex-presidente estava em seu pleno direito.

Pra quem por acaso esteja retornando ao planeta Terra hoje depois de uma abdução, vamos recapitular. O New York Times publicou uma reportagem em que exibe vídeos de Bolsonaro chegando à embaixada da Hungria e sendo recebido pelo embaixador Miklós Halmai. O ex-presidente admitiu ter passado duas noites ali, entre os dias 12 e 14 de fevereiro.

Colocando em contexto, quatro dias antes, no dia 8, foi deflagrada a operação Tempus Veritatis, que prendeu o ex-assessor Filipe Martins e militares envolvidos na tentativa de golpe de 2022. A operação também apreendeu o passaporte de Bolsonaro. Isso quer dizer, na prática, que em vez de mandar prender o ex-presidente, o ministro Alexandre de Moraes optou por uma medida menos grave.

Isso porque na Justiça a decisão de tirar a liberdade de alguém deveria ser sempre adotada somente em último caso. Claro que a gente sabe que no Brasil isso não vale para todos. Mas para homens brancos, com algum tipo de poder e num ambiente político conturbado, vale.
Em São Paulo para dois eventos, Bolsonaro questionou: “Porventura, dormir na embaixada, conversar com embaixador, tem algum crime nisso?”.

Então…depende. Porque se ele estava proibido de sair da jurisdição, do alcance do Supremo Tribunal Federal do Brasil — e é isso que a retenção do passaporte de um investigado representa —, ao se abrigar numa embaixada ele faz algo bem nessa linha, né?

Tem um senso comum antigo de que embaixada é território estrangeiro. Um amigo até me contou que essa é uma pegadinha clássica da prova do Itamaraty. Não é exatamente assim. O que acontece é que uma embaixada é inviolável. Ou seja, as autoridades brasileiras só podem atuar dentro de uma embaixada com autorização do governo do país “dono” da embaixada.
Agora, o direito brasileiro e o direito internacional têm previsão de pedido de asilo por perseguição política. E mesmo o direito a fugir tem algum resguardo por aqui.

Cá entre nós, é muito difícil acreditar que Bolsonaro tenha decidido acampar numa embaixada estrangeira apenas para manter reuniões com bate-papo sobre o cenário político brasileiro. Ainda que fosse esse o caso, fica bastante suspeito ele fazer isso dentro da embaixada, fora da jurisdição brasileira.

A Polícia Federal agora investiga o episódio. Não há provas, até aqui, de que Bolsonaro estava na embaixada pedindo um asilo político na Hungria, o que seria bastante crível. O que divide os juristas é que um cidadão tem a prerrogativa de buscar asilo político em outro lugar e cada Estado tem o direito de conceder ou não.

Julian Assange ficou numa embaixada por 9 anos. Embaixadas brasileiras em outros países já abrigaram cidadãos estrangeiros que se diziam perseguidos. O próprio presidente Lula já afirmou que “poderia ter ido a uma embaixada” antes de ser preso em 2018. Naquele caso, ele fala que poderia ter ido para uma embaixada em outro país. Mas não foi. Entregou-se à Polícia Federal.

Por outro lado, uma das justificativas mais clássicas para a prisão preventiva é a tentativa de escapar de uma aplicação penal.

Então, por que Bolsonaro ainda não está preso? E pode nem ser preso amanhã? A resposta é mais política do que jurídica. Fica aqui comigo pra gente conversar disso.

Eu sou Flávia Tavares, editora executiva do Meio. Tem alguns de vocês que estão com a gente desde o comecinho, seja recebendo nossa newsletter diária, gratuita, que já tem mais de 200 mil assinantes, seja vendo nossos vídeos aqui no YouTube. Pois o que banca essa produção são as assinaturas premium, sabia? A gente faz duas newsletters muito especiais, às quartas e aos sábados, para os assinantes que pagam só 15 reais por mês. Assine!

Semana passada, eu falei aqui na coluna que os mais afoitos pela prisão de Bolsonaro precisariam ter paciência. Porque depois de Lava Jato, Vaza Jato e uma campanha maciça de descredibilização do Supremo, Alexandre de Moraes vinha dando sinais de que só mandaria prender o ex-presidente em último caso mesmo, depois de uma condenação e do trânsito em julgado — ou seja, depois de todos os recursos a que ele tiver direito na Justiça.

Isso seria fundamental para assegurar a lisura do processo e minar, em boa medida, o discurso de “perseguição política” que o bolsonarismo usa.

Muita gente comentou aqui ou me mandou mensagem argumentando que já havia elementos o bastante para a preventiva, com indícios claros de que Bolsonaro desrespeitava determinações judiciais contra si.

Pode ser. Bolsonaro nunca escondeu muito bem seu despeito pela Justiça. Ao contrário, sempre fez questão de bradar aos quatro cantos que não respeita o Supremo. Quando ainda era presidente, gritou no microfone que não cumpriria decisões de Alexandre, num 7 de Setembro.

Fez questão de gravar reunião com teor flagrantemente golpista.

Fez live mentindo que vacina da covid e HIV estão relacionados.

Mesmo assim, Alexandre de Moraes optou por uma medida “menos gravosa” do que uma prisão, pra gastar meu juridiquês aqui. Escolheu reter o passaporte do ex-presidente. Isso quer dizer que Bolsonaro precisava estar a todo momento sujeito ao alcance da lei e dos agentes de segurança brasileiros.

Abrigar-se numa embaixada é, para dizer o mínimo, dificultar esse alcance.

Juridicamente, há dissenso sobre se foi uma desobediência. Politicamente, foi uma afronta.
Bolsonaro está solto. E reportagens ora dão conta de que os ministros do Supremo estão “cautelosos”, ora decretam que já decidiram por não mandar prendê-lo.

O cálculo é jurídico e político. E Bolsonaro sabe disso, se alimenta disso, se aproveita disso.

Bolsonaro é um agente do caos. Opera nessa lógica. Esteve envolvido em planos para explodir quarteis generais e toda hierarquia militar pelos ares. Mais do que covarde, é um ator político que navega na sombra, na dúvida, na semente plantada de que ninguém é confiável.

Bolsonaro entrou na embaixada da Hungria quatro dias depois da operação da PF que deixou evidente seu envolvimento na conspiração golpista. Mas foi só uma hora depois de convocar a manifestação na Paulista em seu apoio.

Desde sempre, Bolsonaro e qualquer outro representante da extrema direita tem um método claro: primeiro, minar a confiança na Justiça; em seguida, testar os limites da legalidade em seus atos; daí, quando a Justiça vem atrás, gritar que é perseguição política.

O culto que virou a cerimônia de entrega do título de cidadã paulistana para Michelle Bolsonaro só tratou disso. Da perseguição política — e religiosa — de que seria vítima o casal Bolsonaro.

E como a Justiça brasileira é mesmo bastante falha e sempre praticou algum nível de parcialidade política, a coisa cola.

O Supremo atua politicamente desde sempre. Endossou o golpe militar. Endossou Lava Jato. Recuou na Vaza Jato. Alexandre de Moraes e outros ministros também testam limites com sua atuação, ainda sob a justificativa de defesa da democracia.

Determinar quem começou a “esticar a corda”, pra usar um termo caro ao bolsonarismo, é da mesma natureza do ovo e da galinha.

O fato é que Bolsonaro lê isso bem, certamente com o auxílio de seus compadres extremistas pelo mundo. O grupo que tanto fala mal do globalismo atua em rede — e isso é fundamental. Orban, Milei, Trump, todo mundo tem essa cartilha de usar as falhas do Judiciário para seus projetos de poder. E uns contam com os outros para ter apoio e asilo, se for o caso.

Como Alexandre de Moraes e o Supremo vão superar essa encruzilhada? Não sei. Só não adianta ignorar que ela existe.

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