Lula não se entrega e Brasil para

O relógio bateu 17h, o prazo dado pelo juiz Sérgio Moro venceu, e o ex-presidente Lula continuava no prédio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. Lá fora, uma multidão de militantes, com suas bandeiras vermelhas, e um carro de som no qual sindicalistas, políticos e celebridades de todo porte se alternavam em discursos. O ex-presidente não fez o seu — ameaçou fazê-lo em vários momentos, mas não fez.

O plano, até o fechamento desta edição, é de que Lula assistirá à missa pelo aniversário de sua mulher, dona Marisa Letícia, que morreu em fevereiro do ano passado. Ela faria 68 anos. A cerimônia ocorrerá do lado de fora do sindicato, deve começar entre 9h e 9h30, e o ex-presidente gastou parte do dia escolhendo músicas para o ritual. Depois, se entregará à PF. Ainda não foi decidido como ele irá para Curitiba.

A madrugada foi bem mais calma do que aquela entre quinta e sexta. O cansaço está batendo na militância. (Globo)

A repórter Talita Bedinelli, do El País, passou o dia dentro do sindicato e conta como foi.

O principal motivo do impasse: Lula gostaria de ser preso ali. No sindicato que o lançou para o mundo. O ex-presidente, político sensível para imagens fortes, deseja criar impacto com sua prisão. Os policiais federais, porém, não querem. Têm receio de uma explosão de violência. Multidões são instáveis. (Globo)

Quando se aproximava o fim do prazo, uma negociação teve início com a Polícia Federal. Uma das exigências feitas pela PF é de que ele não falaria em público. O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo abriu as conversas e um grupo, liderado pelo deputado Wadih Damous, seguiu para a superintendência da PF. De lá, esta embaixada conversa por telefone com uma equipe isolada para fazer a negociação, numa sala fechada do sindicato. (Valor)

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No Supremo, correm em paralelo dois pedidos que podem garantir a liberdade de Lula. Um é o recurso da Defesa. Argumenta que o juiz Sérgio Moro não poderia ter decretado a prisão pois ainda há embargos dos embargos por julgar na segunda instância. Os advogados gostariam que o pedido fosse encaminhado ao ministro Marco Aurélio Mello, que já é relator de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade que questionam a prisão após condenação em segunda instância. Mas o pedido foi sorteado e o responsável será o ministro Edson Fachin. O outro pedido é uma liminar, apresentada pelo partido nanico PEN, que deseja suspender todas as prisões após segunda instância enquanto as duas ADCs não forem votadas. Marco Aurélio não decidirá sozinho. Seu objetivo é apresentar para o plenário, na quarta-feira.

É possível que a liminar não seja avaliada na quarta. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, pautou para o mesmo dia os pedidos de Habeas Corpus do ex-deputado Paulo Maluf e do ex-ministro Antonio Palocci. HCs, por tratarem da liberdade, são prioritários.

Pois é. Segundo Monica Bergamo, a ministra Rosa Weber não é mais vista como voto certo contra a prisão em segunda instância. (Folha)

De Lisboa, o ministro Gilmar Mendes voltou as armas contra seus colegas de corte. “Esta foi uma crise embrenhada, mal gerida pelo Supremo”, afirmou à repórter Célia Froufe. Para ele, a prisão de Lula é “absurda”, um ato de “despotismo judicial”. E culpa o próprio PT. “Foram péssimas indicações para o Supremo. Pessoas que não eram conhecidas foram indicadas, não tinham formação, não tinham pedigree. Eram para preencher vagas como de simpatizantes do MST, de causas, de grupo afro, sem respeitar a institucionalização do país, por ser amigo de algum político.” (Estadão)

Aliás... Gilmar mandou que o governador de Tocantins, Marcelo Miranda, fosse reinstituído no cargo. Ele fora cassado pelo TSE por corrupção durante a campanha.

Um grupo de militantes favoráveis ao ex-presidente Lula foi ao prédio onde Cármen Lúcia tem apartamento, em Belo Horizonte, no fim da tarde. Lá, jogaram bombas de tinta vermelha. Ao menos em parte, os responsáveis pelo estrago são do MST.

Eugênio Bucci observa o embate entre Lula e a Justiça: “Na hora H, o Poder Judiciário brasileiro perdeu para o poder das ruas de São Bernardo. O juiz Sergio Moro, depois de despachar o mais impactante ‘teje preso’ da história recente, conheceu o vexame de ver seu decreto ignorado por um réu que parece maior do que a cela especial que montaram para recebê-lo em Curitiba. Ontem, dia 6 de abril de 2018, a fissura mortal que transpassa o Brasil ficou escancarada. Contra o poder do Estado, outro poder se insurgiu. Justa ou arbitrária, formalista ou humanista, pouco importa, a mão do Poder Judiciário bateu contra um muro — um muro de gente fula da vida.” (Globo)

Ascânio Seleme, porém, acha que na aposta política o PT perdeu: “Por alguns momentos desde a emissão da ordem de prisão contra Lula, temeu-se o pior. Os conhecidos revoltados do PT e dos partidos e movimentos satélites cerraram os punhos e sustentaram que Lula não sairia da sede do sindicato para a cadeia. O líder do MTST Guilherme Boulos conclamou sua turma a resistir ‘em trincheira’. A amigos escreveu que havia um pacto para que Lula não se entregasse, e pediu que a militância ocupasse pelo menos 30 quarteirões em torno do sindicato. Gilberto Carvalho pediu que a militância fizesse uma barreira humana para impedir a entrada da polícia. Desenhava-se uma tragédia. O aloprado pai, João Pedro Stédile, do MST, chamou seus liderados para ocuparem as praças e as ruas de São Bernardo do Campo. ‘Vamos nos insurgir’, bradou o líder. Não colou. As praças ficaram vazias e só mesmo as ruas ao redor do sindicato se encheram. Não aconteceu o ‘mar de gente’ sonhado por outro ativista do caos, o senador petista Lindbergh Farias. Aparentemente, não houve tempo para Stédile arrumar ônibus e quentinhas e juntar o seu ‘exército’. O fato é que não houve mobilização popular em favor de Lula. Talvez por isso tenha prevalecido o bom senso.” (Globo)

Kennedy Alencar explica o ponto de vista do PT: “É possível dizer que existe um conjunto de indícios que demonstra que Lula recebe tratamento diferente de outros acusados e condenados. Até mesmo para os parâmetros de celeridade estabelecidos pela Lava Jato, há uma rapidez maior quando se trata de analisar o caso do petista. Essa é uma das razões que levam parte significativa da comunidade jurídica a considerar que ocorre uma perseguição judicial a Lula. Segundo sua defesa, seria apresentado até o dia 9 mais um recurso — embargos dos embargos. Defensores da medida afirmam que se trata de respeito ao devido processo legal e à presunção de inocência. O TRF-4 enviou ofício a Moro às 17h31 de quinta considerando que houve exaurimento de recursos na corte. Em 22 minutos, às 17h53, Moro deu o despacho de quatro páginas com a ordem de prisão. Tal agilidade transmite a imagem de despacho pronto e coordenado com a comunicação que chegaria do tribunal a fim de permitir que Moro mandasse prender o ex-presidente em prazo recorde num processo já marcado por ligeireza. Para conter a ansiedade, Moro deveria levar em conta uma variação da figura da mulher de César. Além de ser imparcial e justo, deveria parecer imparcial e justo. A imagem de magistrados e procuradores justiceiros prejudica a Lava Jato e o combate à corrupção.”

André Singer analisa o futuro da esquerda: “O lulismo não morre com a condenação do ex-torneiro mecânico. Mas terá que se reinventar para sobreviver sem a liberdade daquele em torno do qual o movimento cresceu ao ponto de chegar à Presidência. A despeito de quaisquer outras considerações, Lula demonstrou, durante esses 40 anos, a inegável capacidade de aglutinar o campo popular em torno de si. O juiz Sergio Moro, mais uma vez mostrando que age olhando para a política, apressou-se a executar a sentença antes que pudesse haver algum recuo superior. Uma disputa sem Lula candidato, e com dificuldade para explicar ao seu eleitorado quem o representa, esvaziará o pleito de outubro. A possível vitória de um candidato de ‘centro’, na realidade do campo da classe média, nessas circunstâncias, terá a sua legitimidade diminuída. Dependerá, então, da capacidade dos dirigentes forjados neste ciclo, que permanecem em liberdade, reconstruir o polo que representa os pobres. Sobre o seu sucesso, o futuro dirá.” (Folha)

João Domingos considera que a tática do PT é o berço da instabilidade política: “A posição de enfrentamento que o PT adotou em relação ao Ministério Público, à Justiça e aos meios de comunicação desde o escândalo do mensalão, com maior radicalização a partir do início do impeachment, tem sido danosa para tudo e para todos. Por um lado, prejudica o próprio PT, haja vista a surra que o partido levou na eleição municipal de 2016. Por outro, faz surgir, como reação a esse clima de beligerância, algo impensado até pouco tempo, como o apoio à volta dos militares ao poder ou o crescimento de uma candidatura que se propõe a ser a antítese de Lula, esta representada pelo deputado Jair Bolsonaro.” (Estadão)

Enquanto isso... Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, foi preso. Apontado como operador financeiro do PSDB paulista, teve a prisão provisória decretada por ameaçar outra ré no caso, que estava colaborando com a Justiça. Ele é motivo de preocupação para a candidatura de Geraldo Alckmin. (Folha)

Joaquim Barbosa se filiou ao PSB e está apto a ser candidato. “Há quase quatro anos deixei espontaneamente a vida pública, após 41 anos de serviços prestados ao Estado e à sociedade brasileira”, escreveu em um post fechado no Facebook. “Afastei-me formalmente, mas continuei a acompanhar atentamente a evolução da vida econômica, política e social do país. O PSB deixou claro que não me garante de antemão a legenda para uma possível candidatura à Presidência da República. Tal arranjo me convém, pois, ainda questiono se devo ou não ingressar na disputa político-eleitoral. No entanto, a legislação eleitoral brasileira impõe prazos peremptórios. Restam-me, pois, duas opções: não me filiar e ficar fora do processo; ou filiar-me, sem o compromisso de ser candidato, consciente de que o partido pode escolher outro caminho que não a candidatura própria. Escolherei uma dessas opções dentro do prazo regulamentar.” (Folha)

Errata: cá este Meio, na edição de ontem, cometeu um mandato. Quando deveria ser mandado. Bem mais que um leitor o observou.

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