Bolsonaro inelegível: as direitas se reposicionam

A sentença imposta pelo TSE, que pode ser ampliada pelo TCU, obriga um reposicionamento não só do bolsonarismo, mas da direita liberal anteriormente associada aos tucanos

A política vive essencialmente da expectativa de poder. No Estado moderno, esse recurso está identificado com a ocupação de cargos disponíveis em sua estrutura. Nas democracias, sua ocupação depende do êxito dos postulantes em competições periódicas, nas quais disputam a preferência do eleitorado. Para ter êxito, os candidatos precisam de partido, de um arco de alianças e de financiamento. Precisam também estabelecer sua condição de oposicionistas ou situacionistas, a fim de ocupar um lugar definido no espectro ideológico.

Embora mais do que previsível, a declaração de inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo TSE marca um importante momento de inflexão no tabuleiro político do país. Ela abre um vazio no campo da oposição de direita, a ser disputado por outros pretendentes a enfrentar em 2026 o futuro candidato da situação lulista. Mas o cenário é mais complexo, tendo em vista a circunstância histórica do país, que amplia o horizonte de indefinições.

Por 20 anos, as disputas presidenciais foram polarizadas por candidatos de dois partidos, o PT como representante da esquerda e o PSDB como representante de uma direita liberal. A “revolução judiciarista” da década passada, acompanhada pela emergência de uma direita dura, pura e crua – a chamada “nova direita” –, implodiu o modo de articulação da direita na Nova República.

Mas a eleição de Bolsonaro e a entrada da nova direita no Congresso em 2018 não resultaram em uma simples substituição do PSDB no polo direito do espectro político. Mero agitador, Bolsonaro nunca foi líder de coisa nenhuma, por falta de desejo ou inépcia política e intelectual. A institucionalização do bolsonarismo era até  contraditória com seu populismo de retórica antissistêmica. Talvez por isso, não conseguiu sequer criar um partido pessoal.

Por isso, a disputa ora aberta por sua declaração de inelegibilidade não se dá em torno da “liderança” do campo da direita, que nunca teve propriamente um líder. Trata-se de tentar criar uma liderança efetiva em torno da expectativa de poder em 2026, limitando-se o bolsonarismo à condição de herança eleitoral jacente a ser disputada.

Outro aspecto relevante é o momento histórico, muito diverso daquele de emergência da nova direita na década passada, marcada pelos escândalos de corrupção, pela instabilidade política da Lava Jato e pela desmoralização institucional, que viabilizou a eleição de um candidato de retórica antissistêmica como Bolsonaro. Esse momento foi consumido e exaurido durante seu próprio governo. Sua derrota decorreu justamente por não ter compreendido que lhe competia tão somente “normalizar” a chegada da direita, e não esticar a corda de um extremismo minoritário.

O momento atual é de reestruturação do sistema político em torno de um novo polo à direita, de modo a reestabilizá-lo em torno de alguma fórmula institucional. Esse esforço de reestruturação ou “normalização” vêm de dois lados. Em primeiro lugar, dos esforços de Lula por restabelecer o antigo presidencialismo de coalizão, contra as pretensões do Centrão, que governou com Bolsonaro, a seguir no poder por meio de um parlamentarismo bastardo. Em segundo lugar, do trabalho coordenado dos tribunais superiores por elevar o custo do extremismo a fim de torná-lo o mais proibitivo possível.

A própria direita não parece interessada em replicar o populismo bolsonarista. A condução caótica dos negócios públicos por Bolsonaro só agradava a parte conservadora da classe política, na medida em que lhe permitia na prática dirigir o governo acéfalo. A palavra de ordem parece ser antes moderação do que exaltação. Ninguém quer outro Bolsonaro na presidência da República – nem o chefe do partido que se pretende direita puro sangue, Valdemar da Costa Neto. Em seu infinito pragmatismo, tudo o que o dono do PL quer dos bolsonaristas são os votos e o dinheiro do fundo eleitoral que os acompanha.

Em síntese, o vazio bolsonarista ocorre em um momento de reestruturação do sistema político da República.

Aqui, o vento sopra a favor das tendências “restauracionistas” de Lula. O campo da esquerda, organizado em torno do PT, se mobiliza pela restauração renovada ou adaptada do antigo estado de coisas, com o presidencialismo de coalizão impondo-se em versão mitigada, uma política econômica fiscalmente responsável, mas com espaço para políticas públicas de caráter social, capazes de viabilizar a reeleição de Lula ou de seu sucessor. Ou seja, a mesma fórmula de sucesso dos mandatos anteriores.

Enquanto isso, no campo da direita, a situação é de grande, senão completa  indeterminação. Do ponto de vista partidário, o PL está muito longe de constituir um partido hegemônico como o PT à direita, disputando preferências com o PP e o Republicanos. O próprio partido está dividido entre representantes do extremismo, herdeiros da antiga situação bolsonarista, hoje acuados, e aqueles de pendor mais pragmático. Os extremistas falam em Michelle Bolsonaro ou em algum general. Os mais moderados preferem oportunistas saídos do bolsonarismo, como Tarcísio de Freitas, ou gente que lhe foi simpática, como Romeu Zema.

Mas o drama pela estruturação da direita em torno de candidatos e partidos mais ou menos definidos não se resume à “direita nua e crua”. Ela atinge também a direita liberal ou centro direita que, obrigada a combater Bolsonaro, nem por isso deixou de ser visceralmente antipetista. Órfãos dos antigos candidatos tucanos, esses setores hoje apostam também suas fichas em Tarcísio de Freitas como candidato, conforme se depreende de reiterados editorais do jornal O Estado de São Paulo. Sua força reside no momento justamente em se guardar como incógnita, depositário da esperança de todos os lados da direita.

Não há espaço aqui para discutir a situação particular de todos esses potenciais candidatos da direita. O exercício é fútil, porque a eleição está muito longe. Discutir hoje a eleição de 2026 só interessa aos próprios candidatos, porque a expectativa de poder ajuda a estruturar apoios e organizar estratégias para conseguir chegar até lá e a disputar o pleito com alguma chance de vitória. Mas a verdade é que, hoje, nenhum desses três nomes – Tarcísio, Zema, Michelle – é líder de nada, nem do ponto de vista eleitoral, nem partidário. Como candidatos da oposição, todos hoje seriam derrotados por Lula com certa facilidade, tendo em vista sua associação ao extremismo (Michelle), seu escasso carisma pessoal (Zema), sua inexperiência e desconhecimento do eleitor (Tarcísio) e, por fim, a rejeição maciça do eleitorado do Nordeste, aliás abertamente hostilizado pelos dois governadores (Tarcísio & Zema).

Isso significa que a direita ainda tem um longo caminho pela frente até 2026, em busca da estruturação e da liderança que o inepto Bolsonaro não lhe não deu.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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