O TikTok é uma máquina de propaganda chinesa?

A direita acusa a empresa chinesa de fazer propaganda palestina. Não parece ser o caso — e isso não quer dizer que a rede seja inocente

O TikTok é usado pelo governo chinês como arma de propaganda? Como a afirmação frequentemente vem da direita radical do Ocidente, de cara parece paranoia. Pura busca de conspiração. Mas rechaçar de cara a hipótese pode ser um erro. Na virada para o tempo digital, países como China e Rússia tomaram a decisão estratégica de se engajar fortemente em propaganda ideológica voltada para fora. Há orçamentos oficiais, produtos conhecidos — mas também ações escamoteadas. Ao mesmo tempo, enquanto vivem suas crises, democracias escolheram não se defender. Estão fora de qualquer iniciativa de conquistar ouvidos atentos para as bases de seu regime.

A polêmica do TikTok, de longe a rede social mais popular entre jovens, explodiu com a discrepância do engajamento entre os vídeos relacionados ao conflito que envolve Israel e o Hamas. Uma das comparações feitas por políticos de direita envolve as hashtags #FreePalestine e #Israel. A primeira gerou, nos primeiros trinta dias após o 7 de outubro 946 milhões de views e, a segunda, 117 milhões.

Os críticos sugerem que é o algoritmo que decide que vídeos aparecerão para quem está sendo manipulado. Que é frequentemente manipulado por influência do governo chinês.

Em 2021, uma investigação de jornalistas do Wall Street Journal mostrou que, sim, o TikTok tem e usa internamente uma espécie de termostato que lhe permite fazer viralizar vídeos específicos, ou temas de seu interesse. A reportagem mostrou o uso do mecanismo para objetivos comerciais — aumentar a presença de usuários interessados em determinados temas, por exemplo, ou atrair influenciadores que estão em outras plataformas.

A ByteDance, holding que tem no TikTok seu principal app, foi incorporada nas Ilhas Cayman e 60% dos acionistas são fundos ocidentais — dentre eles, alguns dos mais importantes do Vale do Silício. Ainda assim, o vice-presidente da companhia, Zhang Fuping, é membro do Partido Comunista Chinês e, de acordo tanto com relatórios do Parlamento Australiano quanto da ONG Human Rights Watch, lidera um comitê interno de adequação ao PCC. Entre suas atividades está a de estudar com um grupo de executivos os discursos e escritos do presidente Xi Jinping para garantir que a empresa se conforme às diretrizes de inovação tecnológica do país. Sempre que questionado, o comando do TikTok nega que o governo da China já tenha feito algum tipo de interferência em relação a conteúdo.

A ambiguidade está dada.

Há, porém, razões para duvidar que a alta proeminência de vídeos a favor da Palestina venham de manipulação.

Consistentemente, o Instituto Pew tem indicado que a posição de americanos jovens e os mais velhos difere muito a respeito do conflito e isto já ocorria bem antes da chegada do TikTok nos EUA. Uma pesquisa mais recente, da Universidade Quinnipiac, indicou que 52% dos americanos entre 18 e 34 anos condenam a maneira como Israel respondeu ao ataque do Hamas.

O mesmo padrão é percebido, também, nas redes sociais da Meta — americana e que tem por principal acionista Mark Zuckerberg. Um executivo judeu. No Facebook, a hashtag #freepalestine foi registrada 39 vezes mais do que #standwithIsrael. No Instagram, a diferença é de 26 vezes mais.

A maior popularidade dos vídeos a respeito da Palestina em detrimento dos pró-Israel é consistente com o que indicam as pesquisas e o comportamento não varia em outras redes sociais. É razoável acreditar, portanto, que o Partido Comunista Chinês não pesou o dedo nesta questão.

Não quer dizer que não o faça quando os temas são outros. Os indícios, na verdade, são de que a China é eficiente em propaganda.

Um estudo conduzido por cientistas políticos de Harvard, Yale e Groningen (Holanda) acompanhou seis mil pessoas em 19 países divididas em quatro grupos. Um foi exposto a propaganda chinesa oficial, outro a propaganda americana, um terceiro às duas e o quarto a nada em particular. Ninguém sai de assistir à TV chinesa acreditando que o país é uma democracia. Mas as pessoas saem com muito mais frequência acreditando que o PCC é mais competente, garante crescimento e estabilidade política. Um sistema de governo superior ao americano. A propaganda dos EUA tem, sim, impacto. Nem de longe equiparável. Mesmo aqueles que assistiram à programação de ambos saem inclinados a achar que o regime chinês é superior.

A eficácia é particularmente maior em duas regiões: África — e América do Sul.

A questão sobre se o TikTok é usado como discreta ferramenta de manipulação do público mais jovem permanece em aberto. É impossível descarta-la. O mesmo não pode ser dito a respeito da guerra de propaganda. Democracias parecem ter escolhido não se defender. Não há mobilização para convencer o público das qualidades que o regime democrático oferece.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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