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Flávia Tavares
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Edição de Sábado: Conto de Natal

O problema da história do Zé, o detalhe que deixa ela difícil de contar, é que parecem pura mentira todas aquelas coincidências de nomes e data e tal, como se o contador da história estivesse forçando a barra para atualizar uma parábola surrada: o nascimento do menino, a promessa de redenção, o milagre do Natal. Só que a história do Zé aconteceu de verdade, e não dois milênios atrás mas outro dia mesmo, embora tivesse começado bem antes, quando ele mal principiava a bater bola com os outros meninos da rua e a sua prima Maryllyndsey nasceu.

Maryllyndsey, tão linda e frágil no berço, tão roxa quando chorava como se em seu peitinho miúdo coubessem foles magníficos, o bebê por quem o Zezinho pirralho se apaixonou para sempre — a sua Mary mal nasceu e já tinha treze anos. Um dia bateu desesperada na porta do Zé, ele na época vivia o seu melhor momento no clube, vice-artilheiro do campeonato juvenil, já ouvindo um burburinho de que poderiam lançá-lo no profissional: dezoito anos mas, diziam, futebol de gente grande. O caminho era difícil, mas pela primeira vez o Zé começava a acreditar que podia mesmo seguir os passos do seu ídolo, o menino preto com cara de bebê chorão que ele imitava com grande descaro e razoável competência.

Largou isso tudo, descolou um Fiat emprestado e caiu na estrada com Mary. A prima falava pouco, quase nada, numa secura de palavras que obrigou o Zé a juntar com paciência os caquinhos, os farelos, para deles tentar fazer um presépio. Nos primeiros dias soube só três coisas: Mary esperava um filho; esse filho corria perigo; eles tinham de fugir para o mais longe que pudessem.

Uma noite, no sul da Bahia, Mary estava mais falante depois de tomar uns dedais de licor de pitanga. Foi a única vez que falou do bispo Gabriel, de como ele a deixara inconsciente antes de profanar seu corpo. Zé sentiu o ódio subindo lá do fundo, feito lava. O tom de Mary era calmo, quase monocórdio, como se ela descrevesse fatos banais ocorridos com outras pessoas. Disse que mais tarde, ao saber da gravidez, o líder da Igreja do Cristo Redivivo tinha tentado obrigá- la a abortar, tornando-se violento quando ela respondeu que não, de jeito nenhum. Mary declarou serena saber com todo o seu corpo, em cada átomo, que aquele filho concebido sem sombra de pecado da parte dela – o monopólio do pecado sendo, evidentemente, do bispo — precisava nascer.

O que mais aborreceu o Zé, no primeiro momento, foi o que parecia um capricho sádico do contador da história, detalhe desnecessário – o nome do bispo e o do seu herói serem o mesmo. Sim, quem ele mais adorava e quem ele mais detestava eram xarás, o que, não bastasse o brusco desvio de carreira que o drama de Mary introduzira em sua biografia, fez o Zé passar uns dias bem atarantado. Dirigia o Fiat quente por estradinhas capilares poeirentas com a sensação de que o seu destino estava sendo escrito, entre risadas maníacas, por um palhaço.

Naqueles dias o Zé não entendeu tudo, mas entendeu o suficiente. Refletindo um pouco, desistiu de pôr em prática as fantasias de vingança que o perseguiam. Compreendeu que um rival tão poderoso só podia ser atacado por quem estivesse disposto a empenhar nisso a própria vida. As peças estavam posicionadas em campo de tal modo que a única paga possível do mal infligido pelo bispo Gabriel à sua Mary — além de um modo seguro de evitar por toda a eternidade que ele viesse um dia reclamar aquele filho — era matar o cara. Mas isso o Zé não ia fazer.

Acharam acolhida junto a uma família de oleiros, entre um rio e um deserto. Trabalhavam em troca de teto e comida, a dona da casa se chamava Glória, e foi então, como todos ali acreditassem que os forasteiros eram um jovem casal feliz à espera do primeiro rebento, foi então que o Zé entendeu o que parecia estar escrito desde o princípio dos tempos, que Mary era sua mulher, e pediu a prima em casamento.

Para sua surpresa, a moça toda inchada — no sexto mês, era o fim de setembro — teve um acesso de riso e disse sim. Por tudo o que é sagrado, falou, pelo Santo Nome e suas invocações, em vão ou não, eu digo sim, sim, sim. O Zé? Não cabia em seu corpo, achou que ia sair flutuando. Mas então Mary disse que havia uma condição, e a condição era que o marido se absteria de encostar nela um dedo enquanto não viesse à luz o seu bendito fruto. E o Zé topou.

Topou, mas um dia bebeu mais do que devia num bar, se engraçou com uma jovem bonita um palmo mais alta do que ele e acabou passando a noite com ela. Ao chegar em casa de manhã, Mary de oito meses o esperava com olhos secos. Agora estamos quites, falou. E não disse mais nada, nem nunca mais o Zé desejou outra mulher.

Sabia que renunciava a um caminho promissor, onde talvez houvesse até riquezas, mas nunca teve dúvida — não em condições normais, embora a dúvida pudesse às vezes assombrar seus sonhos — de que estava fazendo o que precisava fazer, nem mais nem menos, só o que tinha vindo ao mundo para fazer.

O que tinha vindo ao mundo para fazer não era brilhar no futebol internacional; era ser oleiro entre o rio e o deserto e ali criar um moleque, que no fim das contas nasceu no dia em que tinha de nascer e que ele propôs a Mary, e ela topou, batizar em homenagem ao seu herói. Não o primeiro nome, agora maculado, mas o segundo, que de todo modo sempre tinha sido o mais bonito dos nomes do craque do Arsenal.


*Sérgio Rodrigues é um escritor, jornalista e roteirista mineiro que vive no Rio. Já lançou onze livros, entre ficção e não ficção, com destaque para os romances “O drible” (2013), livro do ano no prêmio Portugal Telecom, e "A vida futura" (2022), finalista do Jabuti deste ano, além do almanaque "Viva a língua brasileira!" (2016), todos pela Companhia das Letras. Tem livros publicados na Espanha, nos EUA, na França e em Portugal. É colunista da "Folha de S.Paulo".

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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