Edição de Sábado: Nossa Senhora de Copacabana

Hoje à noite Madonna sobe ao palco erguido nas areias de Copacabana, no Rio de Janeiro, para o encerramento da Celebration Tour. Esta é a única parada da turnê que comemora os 40 anos de carreira da rainha do pop na América do Sul. Mais do que o show em si e a excepcionalidade de ser um espetáculo gratuito — o que está fazendo com que um bando de forasteiros, eu incluído, invadam a orla carioca seduzidos pela promessa de que a praia vá virar uma gigantesca pista de dança para 1,5 milhão de pessoas —, o público vai ver se encontra ali a resposta para uma pergunta. Como uma estrela do pop, gênero efêmero por natureza, consegue galvanizar a atenção de tanta gente, de gerações tão diferentes, depois de quatro décadas de superexposição?

Acompanho a carreira de Madonna desde os anos 1980, e a resposta a essa pergunta vem um pouco sem esforço. Ela sempre soube dialogar com seu tempo. Mais: embora tivesse afinidades estéticas com segmentos sociais marginalizados e com uma música de nicho, como a cultura gay e o som dos clubes nova-iorquinos do fim dos anos 1970 e começo dos anos 1980, sua mira sempre foi a cultura de massas. De certa maneira, Madonna entende muito rápido que é uma artista com potencial para se tornar um ícone. Por outro lado, sabe também que precisa ser um produto. E uma coisa não diminui a outra. Na verdade, essa renovação incessante da projeção de desejo é um trabalho incansável, com pitadas de Sísifo, e parece acontecer de um jeito muito natural ao longo de sua carreira.

Para entender as dimensões desse desejo, volto a 1984, para encontrar o meu eu de 12 anos, começando a me interessar por música. Um garoto de classe média de São Paulo, que, como todo moleque da época, vivia com acessos bastante limitados para entender o mundo pop: um três em um com poucos discos (clique aqui se você tem menos de 30 anos e nunca viu um três em um), mas com o rádio bastante usado, sete canais de TV aberta para assistir, um videocassete, coisa meio rara ainda, um punhado de revistas e o jornal do dia. 

Já tinha ouvido Holiday e Everybody, os singles do primeiro disco, que rolavam na FM e nos bailinhos, mas sou arrebatado mesmo pelo álbum Like a Virgin (Spotify). E não apenas pela música. O pacote incluída uma boa dose de informação visual. A questão da moda era super importante, e dois veículos foram fundamentais para projetar essa imagem fashionista. Primeiro, os videoclipes – em 1984 começava o Clip Clip na TV Globo. Depois, a atuação no cinema, que se inicia com Procura-se Susan Desesperadamente, de Susan Seidelman, em que Madonna basicamente interpreta a si mesma, uma jovem liberada e moderna, que desperta o interesse e uma leve inveja da dona de casa Rosana Arquette, filme que vi inúmeras vezes na Sessão da Tarde

Like a Virgin, a música, foi seu primeiro número um na parada da Billboard. O álbum, que também chegou ao topo das paradas, trazia sucesso atrás de sucesso: Material Girl, Into the Groove e Crazy for You, todos com clipes mega bem produzidos e já abrindo diálogo com os filmes. O clipe de Into the Groove, por exemplo, é quase um trailer hedonista de Procura-se Susan Desesperadamente.

Fazer música pop é muito complexo. Existia uma cultura de muito cultivada pela crítica da época de torcer o nariz para tudo que feito para vender, coisa que ainda vemos com uma certa frequência hoje. Ao mesmo tempo, a canção pop tem um poder de atração inegável. Quando olhamos para essa primeira fase, o que Madonna estava fazendo na realidade era pegar um som que já existia nos clubes de Nova York e amplificar seu alcance, dando a ele novo contexto. Saem de cena as noites de uma Nova York tensa, como nos filmes de Martin Scorsese, e entra uma rebeldia jovem, superproduzida, com uma sensualidade atraente para quem era hétero. 

Se Madonna era frequentadora do Studio 54 e bebia diretamente em Larry Levan e nas noites do Paradise Garage, o mais icônico club de Nova York para a cultura da dance music e do underground gay, na sua tradução para o mundo das massas só quem entendia de onde aquilo vinha conseguia ver o quadro completo. Quem não entendia direito, como o meu eu adolescente, podia curtir o som e as fotos dela nua nos anos 1970, publicadas pela revista Playboy nos Estados Unidos, e republicadas na edição nacional. Convenhamos que é um apelo bem diferente da cena dos clubs, principalmente nos anos pré-Aids.

Uma coisa que tem de ser dita é que a cena de clubs que Madonna costumava frequentar e onde se apresentava no começo de carreira era bastante eclética, e ela se vale desse ecletismo. Tovaca em lugares clássicos de dance music como o Danceteria, e também fazia shows em casas como o Mudd Club, frequentado pela turma das artes visuais; o CBGBs, berço do punk rock e da new wave; e o Roxy, com sua pegada multicultural que atraía os novos nomes do hip hop. Pode-se dizer que o som dançante de Larry Levan com sua disco moderna é a planta baixa do som da cantora nos anos 1980, mas que todas essas influências, da new wave ao hip hop, também colaboram para o caldeirão sonoro dos primeiros discos.

Trocando de pele

A partir da Marilyn Monroe meio punk, meio glamurosa que estampa a capa de Like a Virgin, ela começa a trocar de peles, visuais e até de personalidade. Claro que isso acontece depois de ela explodir como fenômeno pop e já não circular mais da mesma forma. Ela já não é mais um produto de Nova York, o mundo toda passa a ser sua casa. Da ingênua Material Girl ela vai pra mulher provocante e empoderada de Vogue e Erotica, na virada dos 80 para os 90, chegando à mulher espiritualizada dos últimos discos. Um paralelo interessante, para além da música, é ver como isso se reflete em dois campos: no do cinema e no da moda. 

Olhando para o cinema, ela deixa para trás comédias  jovens como Quem É Essa Garota, de James Foley, para encarar mulheres mais fatais como a Breathless Malone de Dick Tracy, dirigido por Warren Beatty, e a Rebecca Carlson de Corpo em Evidência, de Uli Edel. 

No campo da moda, não só evoca o voguing e a cultura drag queen como uma dose de fetichismo. Nessa época, ela está muito próxima do estilista Jean-Paul Gaultier, que desenhou o inesquecível corset da turnê Blond Ambition, com um pé na arte e outro na sensualidade. Outra colaboração próxima desse período é com três grandes fotógrafos. Mario Testino começa a fotografá-la para revistas de moda e faz capas com ela durante décadas. Com Steven Maisel ela faz o livro Sex. Mas talvez quem mais influencie seu visual seja Herb Ritts, autor também de uma série de clipes como True Blue e Like a Prayer.  Ao longo de toda a sua carreira a moda é sempre definidora. 

Quando chega ao mega estrelato, a relação passa a ser de mão dupla. Por um lado, ela dita a moda, por outro, ao fazer campanhas publicitárias e vestir frequentemente Givenchy, Dolce & Gabbana e Stella McCartney, também é inspirada por esses criadores. 

Fim de uma era

A década de 1990 também vê Madonna se afastando um pouco dos holofotes para cuidar de sua filha recém-nascida. Quando ela volta a gravar, com Ray of Light, a temática muda. As bases eletrônicas estão cada vez melhores, mas agora as letras trocam o sexo pela espiritualidade. Ela segue, pelo menos do ponto de vista sonoro, por caminhos semelhantes até American Life, um de seus discos mais mal recebidos pela crítica, justamente por conta de um excesso de correção política. Pode-se dizer que foi um ponto da carreira em que ela se mostra mais afinada com seus propósitos do que com seu público. Mas não podemos esquecer que esta é uma das fases mais turbulentas da indústria da música.

O disco é de 2003. Três anos antes, o Napster havia mudado radicalmente a maneira como a gente se relaciona com música, deixando de comprar discos para piratear os sons favoritos. É o momento em que vira uma chave cultural importante. Saímos da cultura da recessão, onde poucos produtos são oferecidos ao longo do ano, e todos eles com preço alto, para uma cultura da abundância. Com a produção musical mais barata e a troca de arquivos livre, há toda uma mudança em curso que artistas mais estabelecidos têm dificuldade de manejar, acostumados aos caprichos das grandes gravadoras com seus adiantamentos milionários, presentes nababescos e todos os mecanismos de jabá para impulsionar sua produção.

É justo dizer que Madonna se perde um pouco nessa fase, mas rapidamente volta poderosa, com Confessions on a Dance Floor, em que, de certo modo, volta à sua essência de pista, mas ainda muito presa aos padrões da indústria. O que faz a próxima virada na carreira da cantora é o que também fez nossas vidas virarem numa velocidade estonteante: a chegada das redes sociais e do YouTube. Para quem havia surfado a onda dos videoclipes como ninguém e sempre manteve uma relação simbiótica com a moda, as mídias sociais e sua evolução para a cultura da imagem caem como uma luva.

Talvez seja exatamente esse aspecto de a figura pública se tornar mais relevante do que a produção estritamente musical que tenha feito com que seus lançamentos seguintes, como Hard Candy, MDNA e Rebel Heart , continuassem chegando ao número um das paradas, a despeito de críticas bem irregulares. A falta de inspiração com uma produção mais padrão pra época em Hard Candy, a falta de profundidade de MDNA, ou o uso pouco criativo do EDM, a forma mais pop de eletrônica, em Rebel Heart

Que mané novo?

A realidade é que os novos lançamentos pouco importam. Quando ela lança MDNA, em 2012, o mundo já está todo migrando para uma nova forma de ouvir música: o streaming. E aí já não é mais o lançamento que conta, e sim o conjunto da obra. Nesse ponto, Madonna tem um catálogo imbatível. 

O streaming foi a saída da indústria da música para combater a pirataria. De um jeito inteligente, dá comodidade e facilidade em vez de repressão. Mas, claro, para manter o bônus dos executivos jurássicos da velha indústria, um braço Torquemada contra a pirataria nunca deixou de existir. A realidade é que o streaming é muito bom para o usuário mas não enche barriga da maioria dos artistas. As carreiras acabam todas voltadas para o ao vivo. E se tem uma coisa que Madonna sabe fazer bem é show. Vi só uma vez ao vivo de fato, no show do Morumbi em 1993. Mas já vi vários trechos de outros no YouTube. Ela é mestra, com uma presença de palco inigualável, coreografias originais, projeções... Um show de Madonna é sempre algo grandioso.

Até porque, de novo, não é sobre música, é sobre uma vida incrível no topo da indústria do entretenimento e suas muitas facetas. Da produção com muitos momentos de arrojo estético, à atuação fora do palco abraçando causas que vão da óbvia militância LGBTQIA+ à da adoção, às relações umbilicais com o universo da moda, e à disposição para estar em constante mutação, que ela aprendeu com David Bowie e ensinou para as gerações seguintes de artistas pop como Lady Gaga, Britney Spears, Rihanna, Beyonce, e Miley Cyrus, só para falar de algumas.

Dos shows grandiosos, esse de Copacabana tem tudo pra ser histórico. Primeiro porque é realmente uma celebração de toda uma vida, com sucessos de todas as épocas, inclusive com uma e outra música mais global do último disco, Madame X. Tomando pelos outros shows, vai ser um hit atrás do outro, e, no Rio, ainda há a promessa de ser um show mais longo, com músicas que não foram mostradas em outros países. Tudo envolto em mistérios e boatos. Que brasileiros vão tocar com ela? Vai ter bateria de jovens com arranjo do Pretinho da Serrinha? Vamos ver lado a lado Anitta e Madonna e com que roupa?, Vai ter dueto com a Pabllo Vittar? Nada é certo. Para entrar nesse jogo de adivinhação, fiz no Spotify uma playlist do que acho que pode rolar no palco, pensando nos shows anteriores. Mas é mero chute. A real eu vou saber o que ela vai tocar com vocês mais tarde. A gente se encontra na pista.

Lula e o Dia do Trabalho sem trabalhadores

Quando saiu da prisão em novembro de 2019 e passou a vislumbrar sua candidatura à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva já estava especialmente preocupado com o alcance das “narrativas” da extrema direita. Não só no Brasil, mas na articulação entre radicais de vários países. Lula se considerava vítima da construção retórica que resultou da união desses radicais com o centro político no Brasil. Para o petista, a chegada de Jair Bolsonaro ao poder era a consequência dessa união e da habilidade com que a direita passou a operar as redes sociais para mobilizações.

Pula para abril de 2022. Ainda na fase de pré-campanha, Lula usou um evento organizado na sede da Central Única dos Trabalhadores (CUT), no Brás, em São Paulo, e tentou abrir os olhos de sindicalistas sobre a necessidade de olhar para o mundo do trabalho de uma forma diferente daquela que o formou e construiu o pensamento político de seus contemporâneos na luta sindical. “Não dá mais para ficar na porta de fábrica somente”, disse Lula.

Era um dia de encontro do expoente do Partido dos Trabalhadores, o PT, com velhos companheiros. A CUT entregaria a ele uma pauta de reivindicações para o governo que, na época, se pretendia. Lula criticou tudo. Falou das novas formas de trabalho, da “escravidão moderna”, disse que não dava mais para se comunicar com um jornal em papel, com textos longos que o leitor não consegue ler indo para o trabalho, falou das redes sociais e focou na palavra da moda naquele momento: “narrativas”. “Nós temos perdido muito o jogo porque os adversários têm feito as narrativas mais rápidas e mais acertadas que as nossas”. E apelou: “Pelo amor de Deus, o movimento sindical tem que dizer qual é o novo que a gente deseja”.

Lula nem leu o conjunto de ideias compiladas e entregues pela central. Pediu para que os dirigentes da CUT se sentassem com as demais centrais para elaborar um documento conjunto a ser recebido pela campanha. E passou a dar o tom do que deveria constar na pauta trabalhista, que não podia ser apenas baseada em formas tradicionais de trabalho. “Se você acertar na narrativa, você ganha o jogo. Se você errar na narrativa, você perde o jogo”, orientou o petista, dirigindo-se aos velhos conhecidos dos movimentos grevistas do ABC. “Como é que eu vou convencer o cara do Uber de que ele não é um pequeno empreendedor, que ele é quase um escravo nos tempos modernos porque ele não tem direito nenhum? Como é que a gente vai construir uma narrativa para acabar com o trabalho intermitente?”, insistiu Lula. “Pelo jeito que o povo está, era de se esperar que estivesse com maior disposição de luta e isso não acontece. A gente não está conseguindo fazer a mobilização que a gente acha que tem que fazer.”

Novo salto, agora para 1º de maio de 2024, Dia do Trabalho, última quarta-feira. Lula não se conteve. Precisou dar uma bronca pública no seu ministro da Secretaria Geral, Márcio Macedo (PT-SE), responsável pela articulação do governo com movimentos sociais, incluindo os sindicatos. Do palco do 1º de Maio das centrais, montado na Zona Leste de São Paulo, o que se via era um pequeno aglomerado de militantes com bandeiras e muitos espaços vazios no estacionamento da Arena Corinthians, em Itaquera. O evento reunia a CUT, a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), a Intersindical e a Pública. Da Petrobras, foram recebidos R$ 3 milhões, via Lei Rouanet, para o Festival Cultura e Direitos, que incluía os shows de quarta e outros encontros até o fim do mês. A festa estava dimensionada para receber 50 mil pessoas. Recebeu duas mil. Furioso, Lula disparou: “(Macêdo) é responsável pelo movimento social brasileiro. Não pensem que vai ficar assim. Ontem (terça-feira), eu disse para o Márcio que o ato está mal convocado. Não fizemos o esforço necessário para levar a quantidade de gente que era preciso levar”.

E que narrativa Lula tinha para apresentar? O governo chegou a esse 1º de Maio sem anúncios marcantes para fazer para a base. Até havia números positivos para comemorar, como o aumento do valor real do salário mínimo e as 719 mil vagas com carteira assinada criadas no primeiro trimestre deste ano, alta de 33,9% em relação a 2023. O resultado foi apresentado na véspera pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em um pronunciamento em rede de rádio e TV. Mas, sem grandes novidades, Marinho se ocupou de falar, por exemplo, sobre o fato de Lula ter firmado com o presidente americano, Joe Biden, uma “parceria inédita” em defesa dos trabalhadores — em 2023.

No palco dos sindicalistas, Lula falou da correção da tabela do imposto de renda e recuperou seu compromisso de isentar pessoas com renda mensal até R$ 5 mil. Além da falta de anúncios, Lula chegou ao 1º de Maio pressionado. No Congresso, o presidente enfrenta sucessivos impasses. A pauta que ele gostaria de ver deslanchar ainda patina em debates e na resistência da oposição. É o caso da regulamentação da profissão de “trabalhador autônomo por plataforma”. A proposta do governo prevê R$ 32,09 por hora de trabalho e remuneração de, ao menos, um salário-mínimo, de R$ 1.412, e contribuição de 7,5% ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Duas semanas antes, na comissão-geral do Congresso, bolsonaristas conseguiram mobilizar uma verdadeira torcida, trazendo representantes da categoria que ocuparam as galerias do plenário e vibravam a cada discurso inflamado, a favor da “liberdade”.

Trata-se de um projeto que não empolga, ao contrário, divide. Lula já sabia disso desde o início. A inspiração do governo brasileiro vem da Espanha, país que conseguiu aprovar a regulamentação em uma reforma trabalhista que venceu no Parlamento com um voto de diferença. Isso depois de dois anos de negociação mediada pelo governo, com a participação de empresas, trabalhadores e sindicatos. No início de 2022, ainda na pré-campanha, o então presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante, que também foi o responsável pelo plano de governo de Lula, organizou uma rodada de conversas com a vice-primeira-ministra do país europeu e ministra do Trabalho e Economia Social, Yolanda Diaz, em São Paulo. Chamou Lula, representantes de sindicatos, centrais e economistas, para começar um processo de construção da proposta. Só no mês passado o projeto foi enviado ao Congresso. Também às vésperas do 1º de Maio, em um desses embates com a Câmara, Arthur Lira ameaçou colocar em votação um projeto de decreto legislativo que acabava com a medida provisória que exige igualdade salarial entre homens e mulheres.

Não me representa

“Hoje o sindicalismo não sabe como enfrentar a sua perda de relevância”, analisou, em reservado, um petista de calibre, oriundo do movimento sindical. Além da diminuição dos trabalhadores em várias categorias, houve ainda uma incapacidade dos sindicatos de manter o percentual de sindicalizações. Ou seja, é crescente o número de trabalhadores que pertencem a determinadas categorias, mas não se sentem atraídos a se filiar a alguma entidade. Esse fenômeno se intensificou a partir de 2017, quando a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional acabou com a obrigatoriedade do imposto sindical, que equivalia a um dia de trabalho, descontado anualmente. As contribuições dos empregados se tornaram opcionais.

Aliados de Lula no Planalto e no Congresso reconhecem que a reprimenda teve Macedo como receptor, mas que muitos foram os que erraram ao dimensionar o evento que contaria com a presença do presidente. Pior, foi inevitável o contraste do evento das centrais com o ato que Bolsonaro realizou na Avenida Paulista no final de fevereiro, com cerca de 185 mil pessoas. Mais que arrumar culpados para o constrangimento de Lula, o problema para o presidente é que no intervalo entre a pré-campanha e o fiasco do 1º de Maio de 2024, poucos no PT, no governo, nos movimentos sociais e no entorno do presidente se dedicaram a tentar identificar maneiras novas de mobilização.

Bolsonaro se utiliza de dois polos importantes nos quais consegue juntar eleitores de sua base: igrejas e quartéis. Nas redes sociais, o ex-presidente tem um desempenho de causar inveja. Lula, por sua vez, além do governo, tem ao seu lado movimentos sociais que, hoje, passam por um desafio de definir o grau de proximidade e de submissão ao governo. Um episódio revelador desse dilema foi o que ocorreu com entidades de trabalhadores sem-terra em Alagoas, que voltaram a ocupar a sede do Incra em Maceió, exigindo que o governo trocasse o novo superintendente da instituição, por ele ter sido indicado por Arthur Lira, presidente da Câmara. O ministro do Desenvolvimento Social, Paulo Teixeira, não aceitou a reivindicação. Os sem-terra continuam acampados no órgão. Ao mesmo tempo em que pressionam, membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também ocupam cargos na Esplanada dos Ministérios, inclusive nomeados do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS).

Outra dificuldade apontada por petistas é a de ter quadros políticos novos nos sindicatos. Olhando o palanque do 1º de Maio, todos que estavam ali são velhos conhecidos da luta sindical das décadas de 1970 e 1980. “É preciso avaliar o quanto essa articulação não está enferrujada. Quem vai sair de casa no feriado do Dia do Trabalho, pegar transporte para a Zona Leste de São Paulo, para poder ouvir os velhinhos dos sindicatos? Naquele palanque não tinha um jovem”, avaliou um petista.

A toca do coelho

A inteligência artificial vai revolucionar tudo, já sabemos. Tem gente que se assusta, tem quem não veja a hora. Usuários mais ávidos por novidades se entusiasmaram com lançamentos anunciados no começo deste ano que prometeram mudar a maneira como lidamos com a IA e com buscas na internet. Mas, aos poucos, começam a pintar resenhas e análises de especialistas e testadores mostrando que esses produtos podem não estar tão prontos para remodelar o nosso cotidiano digital, tampouco nos fazer repensar o uso dos smartphones.

O exemplo mais recente de decepção é o Rabbit R1. Um dos destaques da Consumer Electronics Show (CES), uma das maiores feiras de tecnologia do mundo, o dispositivo de IA autônomo foi projetado pela Teenage Engineering, e está sendo vendido por US$ 199. Com uma tela sensível ao toque de 2,88 polegadas, uma câmera giratória, processador MediaTek de 2,3 GHz, 4 GB de memória e 128 GB de armazenamento, o R1 parece um bloco de post-it laranja brilhante com conexão Wi-Fi e bluetooth.

Seu sistema operacional, chamado Rabbit OS, é o grande diferencial, junto com a tecnologia de IA embutida: um modelo de ação grande (LAM), que permite ao assistente de IA pedir uma música, um carro pelo Uber, comprar comida pelo aplicativo, entre outras atividades, sem a necessidade de abrir um app no celular para executar a função. A companhia treinou seu próprio modelo para usar os aplicativos existentes nele mesmo, com humanos interagindo com apps como Uber e Spotify, mostrando a LAM como eles funcionam. A ideia é que isso possa ser replicado em todas as tarefas.

Não é bem assim

Passado o frenesi da novidade, os testadores contumazes puderam analisar o produto com frieza, percebendo que nem tudo que reluz é tão brilhante. Em um dos mais recentes reviews, o editor do The Verge David Pierce ficou frustrado com o dispositivo, que insistia em dizer que ele estava comendo um taco, quando na verdade era apenas um Doritos, enquanto perguntava à IA quantas calorias tinha aquele chips. O aparelho também confundiu uma bolinha vermelha para cachorro com um tomate, e depois com um pimentão, garantindo ao jornalista que era totalmente seguro comê-lo. Pierce também teve problemas com reprodução de músicas, que o R1 passou a tocar sem conseguir pausar ou alterar o volume. Previsões climáticas vieram com erros. Também não foi possível solicitar uma corrida pelo Uber utilizando o R1, ainda que ele consiga dizer o endereço de partida e chegada.

O youtuber Marques Brownlee, famoso por seus vídeos de tecnologia, faz uma lista de reclamações sobre o produto da Rabbit, começando pela bateria, que dura apenas quatro horas e descarrega mesmo com pouco uso. Também sente falta de um pacote de aplicações que são ridiculamente comuns em qualquer aparelho celular, como alarme, cronômetro, calendário, a possibilidade de fazer fotos e vídeos, além do envio de emails por meio de sua assistente de IA. O hardware também não foi poupado de críticas, com botões que não ajudam na usabilidade e uma tela touchscreen que não pode ser utilizada para selecionar opções na tela, mas apenas para fazer perguntas em texto no modo terminal — vai entender.

A Rabbit parece ter ouvido algumas das críticas e liberou as primeiras atualizações, prometendo melhorias no desempenho da bateria de até cinco vezes no modo inativo. Outras correções incluem melhorias na estabilidade do gravador de voz.

Para Dave Lee, conhecido nas redes sociais por revisões tecnológicas em seus canais como Dave2D, o motivo para que não se possa utilizar a tela touch para acessar as opções é porque isso tornaria seu botão de rolagem lateral totalmente supérfluo e inútil. Ele é mais contundente em suas críticas sobre gadgets, como o R1 e o AI Pin, da Humane, que, segundo ele, deveriam ser apenas aplicativos de celular. Dave também reclama do capricho desses produtos, que parecem ser mal acabados, sendo colocados à venda ainda em fase de testes.

Mas não é um app?

A questão sobre esses gadgets serem desnecessários ganhou mais força na terça-feira, quando Mishaal Rahman contou no Android Authority que o Rabbit R1 parece rodar o Android internamente, sendo que toda a interface com a qual o usuário interage é alimentada por este sistema. Com alguns testes, ele conseguiu fazer com que a aplicação do R1 funcionasse em um Google Pixel 6a como se estivesse no próprio dispositivo de quase US$ 200, após um informante compartilhar o APK, arquivo de instalação do aplicativo, do coelho.

Rahman ressalta que não fez todos os testes, como da integração com Spotify, e que o aplicativo provavelmente não ofereça todas as funcionalidades de que o dispositivo dispõe porque o “aplicativo inicializador do Rabbit R1 foi projetado para ser pré-instalado no firmware e receber várias permissões privilegiadas em nível de sistema”. Mas destaca a comicidade de ter um produto dito tão revolucionário rodando uma versão modificada de um sistema aberto como o Android.

A sobrevivência

Com as grandes empresas de tecnologia lançando chatbots de IA em sistemas Android e iOS, como o ChatGPT, da OpenaAI, o Claude, da Anthropic, e o Gemini, do Google, resta saber se esses produtos vão manter a sustentabilidade de seus negócios e convencer o público de que valem a pena.

Questionado sobre se não se preocupa com a possibilidade de ter seu negócio incorporado ou copiado por uma dessas big techs de IA, Jesse Lyu, CEO e fundador da Rabbit, foi direto. “É claro que estamos preocupados, somos uma startup. Mas só porque eles podem fazer isso não significa que precisamos parar.” Lyu destaca que, apesar dos vastos recursos, essas companhias carecem da agilidade de uma startup e que sua LAM é construída com base em dados proprietários visando uma experiência de usuário muito específica em um aparelho igualmente específico.

Se as pessoas vão comprar a ideia, na prática, são outros quinhentos. Por enquanto, a estratégia de marketing do coelhinho parece estar dando certo. Foram vendidas 40 mil unidades e abertas encomendas para um novo lote com mais 10 mil aparelhos com data de entrega para até julho deste ano.

Frustrações e êxtase, erros e reparos, o caminho do desenvolvimento de uma tecnologia nova é de vaivéns. Mas tem um rumo só. Como disse Sam Altman, da OpenAI, em Stanford essa semana: “No curto prazo, as coisas vão mudar menos do que imaginamos. No longo prazo, as coisas vão mudar mais do que imaginamos”.

Pedro Doria, como todo mundo sabe, se define como liberal. Mas o que é ser liberal? É defender o estado mínimo? Existe liberal de esquerda? Para desmistificar o termo liberalismo, Pedro convida você a participar desse curso que vai fazer uma viagem pelas ideias liberais da Idade Média até os dias atuais. Amplie seus conhecimentos e descubra o quanto dessas ideias fazem sentido para você. Aproveite a promoção de lançamento e ganhe 30% de desconto. Mas corra que ela só vale até terça.

Os leitores do Meio tentaram entender as razões das chuvas que deixaram 40 mortos no Rio Grande do Sul:

1. g1: As causas da calamidade no Rio Grande do Sul.

2. Panelinha: Receita de uma panela só é sempre sucesso.

3. Meio: Ponto de Partida — Com quem dá para conversar na direita?

4. Panelinha: Um inesperado brócolis com parmesão.

5. Meio: Ponto de Partida — Existe bolsonarismo moderado?

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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