Edição de Sábado: A mão forte de Lula

No aniversário de 132 anos do Porto de Santos, ao discursar ao lado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, bolsonarista cada vez mais convicto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dedicou especialmente a mostrar que faz política de um jeito bem diferente de seu antecessor. Queria reforçar a Tarcísio e a quem de direito que, acima de qualquer coisa, está sua convicção de que o Estado brasileiro deve estar sempre pronto a investir em qualquer ente da federação. E que, quanto mais investimento, melhor.

Lula e Tarcísio participavam do lançamento da obra do túnel Santos-Guarujá. O presidente aproveitou para anunciar que o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, acabara de aprovar R$ 1,350 bilhão para a construção do eixo Norte do Rodoanel. “Logo, logo, você vai receber a notícia do Aloizio Mercadante.” Ainda se gabou de ser “um presidente de sorte” e de ter gosto por governar. Corrigiu-se: “Governar, não, cuidar das pessoas. A palavra correta é cuidar. Governar é com o ministro da Fazenda, que fica preocupado com a contabilidade.” Fernando Haddad amarelou seu sorriso. Pouco antes, o presidente elogiara a habilidade política do ministro na lida com o Congresso para a aprovação das pautas econômicas. Mas o que ficava mais forte ali, naquele palanque, era Lula cravando que da política e do povo é ele quem toma conta.

O “cuidar” de Lula passa por sua visão de que é o Estado que deve fazer a economia rodar e crescer, por meio de muito investimento. E esses recursos devem vir de todas as fontes possíveis, incluindo as estatais e as empresas de capital misto em que o governo tem participação. Para Lula, uma parte expressiva de seus ministros e uma boa fatia da esquerda, essas empresas são estratégicas para gerar negócios, emprego e renda — e precisam ser direcionadas a isso pelos representantes do governo com assentos em seus conselhos. Vem daí a ideia de Rui Costa, chefe da Casa Civil sempre em busca de recursos para robustecer os investimentos do governo federal, de “oxigenar” os conselhos das estatais e promover um rodízio de conselheiros mais afinados com esse entendimento.

As regras de governança dessas empresas, porém, buscam blindá-las desse tipo de conduta. Deixá-las menos suscetíveis aos diferentes projetos de cada governo e mais confiáveis para investidores no médio e longo prazo. É essa a raiz do imbróglio da distribuição de dividendos extraordinários da Petrobras nos últimos dias. É o que está também na disputa na Vale, uma empresa privada em que Lula tentou emplacar Guido Mantega como presidente primeiro, depois como conselheiro. A diferença é que na primeira o governo é acionista majoritário.

Em Santos, Haddad permaneceu em silêncio ao ver seu papel reduzido à técnica. Coisa de um mês depois, o “contador” foi chamado às pressas no Planalto. Sua função era tentar aplacar uma crise causada pela ingerência de Lula e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, do PSD, na Petrobras. Na segunda-feira, dia 11 de março, Lula já havia convocado o presidente da empresa, Jean Paul Prates. Também havia mandado voltar de Belém o ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência, Paulo Pimenta. Era preciso lidar com o mercado diante da perda de R$ 55,3 bilhões em valor de mercado da petroleira no dia 8.

Na reunião, Haddad reclamou. Estava sendo acionado para apagar um incêndio que não havia causado, sequer testemunhado, já que a Fazenda não tinha assento na instância decisória, o conselho de administração da Petrobras. Ele havia ruminado a ideia no fim de semana e desabafado com políticos ligados ao governo que lhe telefonaram para saber o que estava ocorrendo na maior empresa do Brasil. “Eu sou o único ministro da Fazenda que não tem assento no conselho da Petrobras”, disse a um petista próximo. O apelo deu resultado e Haddad saiu da reunião no Planalto com uma cadeira garantida, para a qual indicou, ao longo da semana, Rafael Dubeux.

Quando foi ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, Mantega presidia o conselho de administração da Petrobras e expressava a vontade do governo. Em 2016, a Lei das Estatais (Lei 13.303) vedou a indicação de ministros para conselhos ou diretorias de empresas controladas pelo governo. Essa proibição foi suspensa por uma liminar do Supremo Tribunal Federal em 2023. Mas a Fazenda ficou sem seu representante desde então. A entrada de Dubeux no conselho muda o perfil da força do governo no colegiado.

Haddad também ficou com a tarefa de dar uma entrevista ao lado de Silveira no fim da reunião. O endosso de Haddad era importante para acalmar o mercado, com o qual conquistou prestígio. Uma tarefa política, afinal.

O ministro da Fazenda fez questão de, inicialmente, desfazer uma confusão. Muitos diziam que a pasta estava contando com os dividendos extraordinários no Orçamento de 2024 para fechar contas. Haddad diz que não, que só os lucros ordinários, que virão acima do esperado, estão na previsão. Por isso, não precisaria pressionar para nenhum lado: nem pela retenção dos dividendos nem pela sua distribuição. “Se distribuir a mais ajuda? Ajuda”, admitiu. Em seguida, reforçou o que Silveira já havia dito, que os dividendos extraordinários serão eventualmente distribuídos, assim que o conselho tiver segurança de que isso não afetará o plano de investimentos da companhia.

Um parecer interno da Petrobras dava conta de que os critérios para a distribuição dos dividendos extras não haviam sido cumpridos e que, com o pagamento dos R$ 43,9 bilhões, o grau de confiança do plano estratégico cairia para 64%. Mas o documento também assegurava que a situação financeira da companhia era “confortável”, que os acionistas tinham grande expectativa dessa partilha e, como esses critérios não haviam sido formalizados, a decisão caberia apenas ao conselho.

O lado de Silveira e Rui Costa era pelo cancelamento. Prates, que depois de um período de intensa desconfiança caiu na graça dos investidores, e Haddad queriam distribuir pelo menos metade dos R$ 43 bilhões o quanto antes. Lula decidiu por suspender a tudo. Completamente. Parte do que gerou a queda nas ações da petroleira e a insegurança entre investidores foi a dúvida sobre se o governo estava apenas adiando ou cancelando essa repartição dos lucros extraordinários entre os acionistas, garantida por Prates em janeiro.

“Vamos ver isso até o final do governo Lula: o presidente ora arbitrando pró-Rui, ora pró-Haddad”, diz Thomas Traumann, jornalista, cientista político, autor de O Pior Emprego do Mundo e co-autor de Biografia do Abismo, com Felipe Nunes. “Alguns se iludiram, dizendo que Lula é o chefe de Estado e Haddad, o chefe de governo. Não é. Lula comanda os dois. Além disso, a agenda de Haddad não é de corte de gastos, mas de aumento de arrecadação, e Lula está de acordo com isso, com taxar os mais ricos.” A questão é que no Lulanomics, termo usado por Traumann e outros analistas para descrever a visão econômica e política do presidente, o sucesso eleitoral em 2026 só virá se o país estiver crescendo bastante e, para isso, a conclusão do presidente é de que é necessário um bom empurrão do Estado, com obras, compras de refinarias, Petrobras, Banco do Brasil, plano industrial, etc. “A postura do governo Lula ainda é a de voto econômico, na ideia de ‘se eu crescer para caramba e distribuir entre os pobres, o resto vem’. Não discordo que isso seja importante. Mas nossa tese é que não é mais o suficiente. A eleição está muito mais complicada e passa por outros valores.”

A política e o petróleo

Após a forte reação do mercado à decisão do governo de segurar os dividendos extraordinários, as versões sobre como ela foi tomada e quem influenciou mais se avolumam, com políticos se alinhando a Silveira ou a Prates. Só que na miúda. Tudo é falado em reservado. Paira um medo de desagradar o time do presidente ou o do mercado. Tanto que os articuladores do governo no Congresso cuidam para que o barulho não aumente, o que seria muito ruim para a pauta do Planalto no Senado, visto que o PSD, partido de Silveira, tem a maior bancada e a presidência da Casa, com Rodrigo Pacheco. Randolfe Rodrigues, líder no Congresso, e Jaques Wagner, líder no Senado, estão fugindo de jornalistas para não ter de comentar o assunto. Sinal do quanto é sensível o tema que envolve a vontade do presidente e as divergências de interesses.

Um parlamentar do Centrão mais identificado com Silveira criticou Prates por ter levado a voto no conselho a proposta de meio termo no pagamento dos dividendos e depois ter optado pela abstenção. “Prates queria ficar bem com o mercado”, acusou. Não está de todo errado. Traumann lembra que Prates não foi o primeiro escolhido de Lula para o cargo. O presidente queria Mercadante, que preferiu o BNDES. Prates não tem grupo político no PT, não tem padrinho. Mas foi uma escolha pessoal do Lula e ganhou o presidente na ideia de que iria abrasileirar os preços dos combustíveis, algo pedido pelo chefe ainda em campanha.

“Prates não é um neófito, entende de petróleo, e entendeu que a Petrobras é um transatlântico, em que você tem de mexer pouco“, diz Traumann. Desde outubro de 2022, ele já podia ter baixado os preços dos combustíveis, que estavam acima dos praticados internacionalmente. Não baixou e, com isso, fez caixa para a Petrobras, que teve o tal lucro extraordinário em 2023. O mercado, claro, gostou. Rui e Silveira não. E pressionavam Lula, dizendo que a gasolina estava muito cara. “Eu brinco que Prates não fez nenhum amigo em Brasília. Rui e Silveira articulam a todo instante para derrubá-lo do cargo.”

As tensões entre os dois grupos estão públicas há algum tempo. Silveira já cobrou de Prates publicamente que os preços dos combustíveis caíssem. Prates rebateu, dizendo que Lula jamais lhe havia pedido isso. “Volta e meia ele (Lula) me liga para saber como está o mercado de petróleo, mas pedir para baixar preço, nunca.” Sobre o episódio dos dividendos, Prates usou suas redes para dizer que falar em “intervenção” é “querer criar dissidências, especulação e desinformação”. Também declarou que uma “empresa mista com controle estatal tem todo o direito de conversar com o presidente da República e de receber ministros” e que Lula “compreende perfeitamente a governança da Petrobras". E reforçou a tese de que a decisão sobre os dividendos extraordinários “foi meramente de adiamento e reserva”.

Um importante diretor da Petrobras disse ao Meio que Silveira tem uma “obsessão por agradar a Lula” e que nesse episódio, diante da fama de intervencionista do petista, “quis ser mais realista que o rei”, levando a proposta de não pagamento para o Planalto. “O ministro fez parecer que o dinheiro deixado em caixa poderia ser usado para investimento e tudo indica que Lula, ou pelo menos a Casa Civil, embarcaram nessa, a despeito dos alertas que foram feitos pelo presidente da Petrobras. Deu no que deu.” A ideia de que Rui Costa e Lula “embarcaram” em uma informação equivocada de Silveira irritou um deputado do PT, que disse ainda ter dúvidas sobre o que de fato ocorreu antes da decisão de não pagar os dividendos. “Se isso realmente aconteceu, houve um desgaste completamente desnecessário” comentou.

Esse é um ponto central da celeuma. Pelo estatuto da companhia, o fundo para onde foi destinado esse dinheiro só pode ser utilizado para esse mesmo fim. Só que nas falas de Lula sobre o assunto ele dá a entender que queria esses bilhões para que a Petrobras investisse mais. “Tem que pensar o investimento e em 200 milhões de brasileiros, que são donos ou sócios dessa empresa. O que não é correto é a Petrobras, que tinha que distribuir R$ 45 bilhões de dividendos, querer distribuir R$ 80 bilhões. Esses R$ 40 bilhões a mais poderiam ter sido colocados para investimento, fazer mais pesquisa, mais navio, mais sonda. Não foi feito”, disse Lula ao SBT. Não foi feito e não pode ser, se as regras da companhia seguirem como estão. Houve notícias de que a Petrobras estaria estudando uma forma de criar um novo fundo para isso. A empresa negou.

Um outro argumento de Lula para querer direcionar os investimentos da Petrobras é o da transição energética. A petroleira precisa de investimentos vultosos que promovam essa mudança, diz o presidente. De fato, essa é uma pauta de gigantes do petróleo em todo o mundo. Há quem defenda que a transição seja feita para ontem. Outros querem que se extraia a maior quantidade de petróleo possível do solo antes que isso não seja mais aceitável ou viável. De qualquer forma, o Brasil só deve entrar mais fortemente nessa discussão pós-COP 30, em 2025. “Essa transição exige, sim, investimentos. Existem várias formas de fazer esse financiamento, não precisa dos dividendos extraordinários. Gastar dinheiro no Brasil é muito difícil, tem uma burocracia imensa, principalmente depois da Lava Jato. Se a Petrobras gastar os bilhões que já estavam previstos, dá para comprar refinaria, construir navio e tudo.”

Enquanto não fica 100% claro o que vai ser feito com os tais dividendos, investidores privados foram a público pedir menos interferência política nas diretrizes da empresa. “Representantes do próprio acionista controlador (estamos falando aqui da presença de ministros e do próprio chefe do Executivo federal) têm se manifestado sobre a companhia e, portanto, influenciando a leitura dos investidores sobre o cumprimento dos seus planos de investimento, sobre a estratégia da empresa, entre outros”, disse Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais, a Amec, em nota. Ressaltando que se deve respeitar o fato de que o Estado é o acionista majoritário, Coelho diz que “é importante que a forma de condução dos temas seja também considerada. Ou seja, que as discussões sejam feitas dentro do conselho de administração. A gente aguarda até uma certa manifestação da própria área técnica da CVM cobrando postura dessas partes interessadas que estão se manifestando em nome da companhia. Isso não pode acontecer, sob pena de sanção.”

O diretor da Petrobras ouvido pelo Meio minimizou o impacto que a empresa teve com a queda das ações e apontou um “ataque especulativo” diante da decisão do governo. “Tem um ataque de quem investe na Petrobras achando que está investindo em uma startup, que tem retorno imediato. Alguém tem dúvida de que daqui dois ou três meses a Petrobras vai recuperar esses R$ 55 bilhões que ela perdeu? Ninguém tem. As ações caíram e vão subir de novo.”

É, sem dúvida, um curso corriqueiro da companhia. Mesmo com Paulo Guedes, tido como liberal e pouco intervencionista pelo mercado, Jair Bolsonaro trocou o presidente da Petrobras quatro vezes por conta da alta dos preços. A empresa viu seu valor de mercado cair R$ 102,5 bilhões em dois dias numa dessas trocas. “O sonho liberal na Petrobras foi quando Pedro Parente era o presidente. Foi quando ela esteve realmente blindada. Só que isso não vai acontecer mais, pelo menos nos próximos 10 anos. Esquece”, diz Traumann. Isso porque, segundo ele, o governo Temer quase caiu com a greve dos caminhoneiros, porque a Petrobras tinha um gestor olhando só para os números, sem pensar nas consequências. “Quem investe na Petrobras tem que ter claro que essa companhia tem uma maioria de ações da União e que essa maioria será utilizada eventualmente. Bolsonaro tinha grupo de WhatsApp com caminhoneiros, morria de medo. A maioria dos presidentes não arrisca deixar totalmente na mão do mercado, porque o mercado não tem sensibilidade política.”

De mangás e mangakás

Mangás são muito mais do que quadrinhos em preto e branco. São uma manifestação da cultura japonesa, como janelas para os valores morais, tradicionais e as dicotomias dos seus escritores, que rodam o mundo. Esses autores, os mangakás, publicam suas histórias e tocam profundamente sua audiência, sejam crianças, jovens ou adultos. Arte depende de inspiração — e não raro ela vem de outros artistas. Osamu Tezuka, Akira Toriyama, Eiichiro Oda, Masashi Kishimoto são renomados mangakás, que se inspiraram em obras anteriores e até em filmes ocidentais.

No dia 1º de março, foi anunciada a morte de Akira Toriyama, aos 68 anos, conhecidíssimo por seu trabalho em Dragon Ball. Milhões de fãs de diferentes gerações lamentaram. Mas vale dar um passinho atrás antes de falar dessa lenda.

Alguns mangás são sobre robôs (mecha), outros são high-tech, outros focam na beleza de uma vida ordinária. Pornografia, violência e crítica social também aparecem. Mangá se traduz como “ilustração involuntária” e suas imagens são em preto e branco. Eles eram apenas tirinhas cômicas, com pouco desenvolvimento. Quem definiu o estilo criativo do mangá, diferentes formas de balões de fala, efeitos especiais e os desenvolvimentos clássicos de personagens foi Osamu Tezuka. Ele trabalhou por 40 anos e foi o mangaká de Astro Boy, como é conhecido no Ocidente. Criou mangás sobre sua própria experiência ao ver o bombardeio de Osaka e incorporou narrativas pacifistas em diversas histórias, ao criticar armas nucleares e constantemente tratar da dificuldade de duas culturas diferentes se entenderem.

Tezuka começou a publicar durante seus estudos na faculdade de medicina. Tocava muitas histórias ao mesmo tempo e trabalhava sob a pressão de editores dentro da sua sala. Osamu Tezuka é tido como um deus do mangá e um museu foi erguido em sua homenagem na sua cidade natal. Criou mais de 150 mil páginas de mangá, publicou mais de 500 títulos e tinha um objetivo: que seus jovens leitores pensassem objetivamente sobre a fragilidade da Terra e lembrassem o que é ser humano. Mas seu sucesso também alimentou expectativas irreais de produção dos mangakás.

Eiichiro Oda reportadamente trabalha das 5 às 2h da manhã. Kishimoto passava 19 horas desenhando em sua mesa. Toriyama chegou a terminar um capítulo inteiro de Dragon Ball em um só dia. A indústria é incrivelmente competitiva e a entrega é semanal, com poucos hiatos. Oda já comentou as péssimas condições de trabalho e seus problemas de saúde, como pressão alta e privação de sono. Numa compilação feita por fãs, e considerando apenas mortes por causas naturais, 219 mangakás morreram com uma média de 62,6 anos. A expectativa de vida do Japão para homens é de 83 anos.

Tezuka morreu em 1989, aos 60 anos, deixando trabalhos inacabados, como uma história em parceria com Mauricio de Sousa. E foi tão definidor dessa cultura que alguns mangás chegaram a ser objeto de censura por serem progressistas demais em suas narrativas anti-guerra, de transgressão de gênero, com mulheres em posição de poder.

Já Toriyama revolucionou a narrativa dos mangás shonen, direcionados a meninos adolescentes, trazendo uma ilustração mais suave dos protagonistas e a evolução não só da capacidade de luta, mas dos personagens, emprestando-lhes arcos de redenção e comédia.

O que antes nunca tinha sido feito num mangá de luta foi um sucesso. Inspirado em filmes de kung fu e no astro Bruce Lee, Dragon Ball foi publicado semanalmente de 1984 a 1995 na revista Shonen Jump, e a série vendeu mais de 300 milhões de cópias, consagrando-se como um dos mangás mais populares de todos os tempos. Dragon Ball levou a cinco adaptações em animes, além de filmes e jogos. O sucesso no Japão foi o suficiente para popularizar a obra no mundo todo, com o anime nas TVs de 81 países, chegando ao Brasil em 1996. Toriyama foi o mangaká que proporcionou a ocidentalização dos animes, com muitas crianças assistindo a Dragon Ball na TV aberta. Por aqui, a coisa ficou tão popular que rendeu até uma memória equivocada envolvendo o 11 de Setembro (e que volta aos trending topics anualmente). Muitos acreditam que a Globo interrompeu um momento crítico na exibição de Dragon Ball Z para transmitir ao vivo os ataques terroristas — o que não aconteceu.

Akira Toriyama deixou obras prontas, como o anime Sand Land, que estreia 20 de março na Disney+. Outras seguem com divulgação incerta no Brasil, caso de Dragon Ball Daima, previsto para outubro de 2024 no Japão, na comemoração de 40 anos da franquia.

Diversos gêneros de mangás são direcionados a públicos específicos e os autores os publicam nas revistas que correspondem ao gênero de sua obra. A mais famosa delas é a Shonen Jump, responsável pela publicação dos mangás mais populares da atualidade, como Jujutsu Kaisen, de Gege Akutami; Boku no Hiro, de Kohei Horikoshi; e One Piece, do gigante Eiichiro Oda. Também veicularam grandes obras atemporais, como Saint Seiya, de Masami Kurumada e a própria Dragon Ball. Acompanhar os capítulos semanalmente é um hábito dos japoneses, mas para os colecionadores também é possível comprar os volumes fechados, com os capítulos de uma mesma obra compilados, após algumas semanas do seu lançamento nas revistas. Atualmente, 21 títulos são publicados apenas na Shonen Jump. 

One Piece é um dos mangás mais longos em andamento, com mais de mil capítulos desde a sua criação, em 1997. Não à toa, a franquia gerou mais receita que Senhor dos Anéis, totalizando mais de US$20 bilhões em 2019. Agora é também uma adaptação live-action, que agradou e conquistou mais fãs. Oda, o mangaká, iniciou sua carreira aos 17 anos de idade, ao ganhar o segundo lugar do prêmio Osamu Tezuka. Ele começou seu trabalho como assistente na Shonen Jump, onde publica desde então sua história sobre piratas, profundamente política, em que discute materialismo e liberdade. Oda não só é fã de Akira Toriyama como se inspirou em Goku para criar Luffy, seu personagem principal.

Outra revista derivada da Shonen Jump, a V Jump, foca em mangás novos e publica Boruto, de Mikio Ikemoto e Masashi Kishimoto; Dragon Ball Super, Yu-Gi-Oh! OCG e outros quatro títulos. Boruto é uma continuação da história de Naruto, mangá que circulou entre 1999 e 2014. Kishimoto cresceu desenhando os personagens de animes que assistia, como Dr. Slump e Dragon Ball, ambos de Toriyama. Nascido em 1974, ele foi profundamente influenciado por histórias da guerra, de Hiroshima e os impactos dos conflitos estão presentes nas suas narrativas. Seu principal trabalho, o fenômeno Naruto, vendeu aproximadamente 250 milhões de cópias mundialmente. O boom de Naruto também fez várias pessoas ficarem curiosas e experimentarem os lamens. Aqui no Brasil, o mangá foi exibido em 2007 na Cartoon Network e no SBT, mas o anime segue fazendo sucesso com crianças assistindo pelo streaming. Quando Naruto terminou, em 2014, Eiichiro Oda reconheceu Kishimoto como seu concorrente, o que Kishimoto recebeu com gratidão.

Os mangás não são só entretenimento, são formas de arte, fontes de inspiração e reflexão da condição humana. Se você quer começar a ler e não sabe por onde, dois mangás excelentes são Death Note, com apenas sete volumes e uma discussão sobre a subjetividade da Justiça, e Fullmetal Alchemist, com 27 volumes e reflexões sobre o valor da vida humana.

Apertem os cintos, a princesa sumiu

No século 17 não havia TV a cabo, nem serviços de streaming, mas os súditos britânicos tinham sua diversão garantida graças à monarquia, essa instituição que une dois elementos disfuncionais presentes em qualquer boa história: família e poder. Tramas e conspirações palacianas levaram ao sucesso as peças de Shakespeare, iniciando o teatro moderno.

Quatro séculos mais tarde, a realeza não tem mais essa bola toda, mas continua atiçando a curiosidade de todos, agora com a vantagem (ou desvantagem) de ter seus passos e tropeços seguidos em tempo real pela internet. Traições, abdicações, mortes, dedos de salsicha… tudo é escrutinado pelos fãs dos royals, ou por seus haters, que acham a monarquia algo tão anacrônico quanto polainas e lornhões.

#KATEGATE não parece nome de peça de Shakespeare, A Princesa Desvanecida tem mais a cara do bardo. Mas a trama tem todos os seus elementos. Uma princesa, a próxima na linha sucessória do trono, some logo após a noite de Natal. A família real divulga uma nota dizendo que ela foi internada para uma cirurgia abdominal que já estava planejada (apesar de uma viagem à Itália do casal ter sido cancelada abruptamente). Alguns dias depois, uma jornalista espanhola (!) anuncia um furo: a tal operação de Kate Middleton deu ruim. Os porta-vozes de Buckingham decidem negar a notícia, algo muito raro em uma organização cujo lema de relações públicas é “nunca reclamar, nunca explicar”. Boatos começaram a correr de que Kate estava em coma. Para tomar o controle da (aham) narrativa, uma foto da princesa e seus filhos, supostamente tirada pelo príncipe William, é divulgada no Dia das Mães (12 de março, na Inglaterra), com o intuito de provar que ela estava viva e majestosa.

Aí foi que o palácio desabou.

O Close Errado Real não durou nem uma hora sem que o mundo percebesse que era uma foto muito mal photoshopada. O Guardian contou vinte sinais de alteração na imagem, que provavelmente uniu várias fotos em uma só. As agências de notícia alertaram seus clientes para que não veiculassem a foto. A internet se encheu de detetives que encontraram uma foto idêntica de Kate de anos atrás que teria sido utilizada na manipulação. A France Press rebaixou o Palácio de Buckingham a fonte não-confiável, no nível dos governos da Coreia do Norte e Irã.

A resposta real foi totalmente esfarrapada: um post no X (ex-Twitter) com Kate afirmando que ela mesmo alterou a imagem. Ninguém acreditou. Outra foto foi divulgada com ela e William dentro de um carro, na penumbra, indo a um evento onde a princesa não apareceu. Falsa, gritou o júri das redes.

Esses são os fatos até o momento. Até o fechamento desta newsletter, nenhum comunicado, explicação ou imagem idônea da princesa foi divulgada. Apenas a previsão de que, como Jesus, ela deve ressurgir após a Semana Santa. Mas, na era das redes, pauta vazia é a oficina de fake news do diabo. Este Meio se orgulha de ser um instrumento de combate à desinformação, mas nos damos o direito de fazer aqui uma curadoria das cinco melhores, mais originais e estapafúrdias teorias conspiratórias sobre o caso. Tudo para que nossos assinantes não precisem chafurdar no X (neé Twitter) para saber das últimas fofocas reais.

Teoria 1: Kate foi de Tancredo
A cirurgia foi mal sucedida, Kate está em coma (ou morreu) e a foto foi uma tentativa canhestra de ocultar o fato, estratégia bem conhecida pelos brasileiros com mais de 40 anos . É o “furo” da jornalista espanhola Concha Calleja confirmado por milhares de especialistas em cirurgias abdominais que surgiram imediatamente nas redes sociais.

Teoria 2: Kate é a nova Diana
Traída pelo marido com uma ex-amiga, a princesa não quer dar as caras porque William está tendo um caso com Rose Hanbury, a Marquesa de Cholmondeley. O affair já rolaria há algum tempo, mas a notícia de que Rose está grávida de William fez Kate dar uma de Garota Exemplar e sumir até o príncipe pedir perdão ou o rei morrer, o que vier primeiro. O casamento de Rose também foi posto em xeque, pois surpreendeu os amigos de David Rocksavage (!!), o Marquês de Cholmondeley. Lord Rocksavage era considerado por eles um “ solteirão convicto” e o casamento às pressas despertou uma certa desconfiança, reforçada pelo nascimento de gêmeos apenas quatro meses depois do enlace. Morra de inveja, Glória Perez!

Teoria 3: Kate traíra
A princesa teria engravidado do ex namorado de sua irmã, Thomas Kingston, que se suicidou (ou foi suicidado tan-dan-daaan) em fevereiro. A cirurgia na verdade foi um aborto forçado pela “ firma” que levou Kate a entrar em uma espiral depressiva. Obviamente, a realeza não acredita em métodos anticoncepcionais.

Teoria 4: Charles precisa de sangue novo
O Rei Charles está com câncer. Charles foi submetido a um tratamento no mesmo hospital onde Kate está internada e saiu de lá sorridente e acenando para as câmeras. Obviamente, tudo não passou de um plano maligno para transplantar um rim de Kate em Charles, só que ela morreu na operação.

Teoria 5:  Longa vida à rainha!
Kate está sendo treinada intensivamente para ser a nova rainha da Inglaterra porque Charles está pra lá de Macbeth. Durante o treinamento, a coroa entalou em sua cabeça e está sendo muito difícil tirá-la sem danificar o objeto, que tem valor inestimável. Pano rápido. Palmas.

Curtiu? Tem muito mais de onde vieram essas e a cada dia que passa sem uma resposta concreta ao imbróglio real, elas crescem em volume e originalidade. Tudo isso só serviu para elevar a Família Surreal Britânica a um novo patamar de bizarrice. Vai acabar com a monarquia? Provavelmente, não. Mas, com certeza, a temporada 7 de The Crown vai ser imperdível.

A investigação do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes foi mandada para o STF porque tem um investigado com foro privilegiado. E esse detalhe importa demais, como prova a lista dos links mais clicados da semana:

1. Jota: Entenda como funciona o foro privilegiado.

2. BBC: Em vez de acalmar, o rolo da foto de Kate Middleton atiçou o público.

3. BBC: Cinco agências de notícias tiram a tal foto da princesa do ar.

4. Meio: Ponto de Partida — O que querem os evangélicos?

5. Independent: Jimmy Kimmel responde Trump ao vivo no Oscar.

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A rede social perfeita para democracias

24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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