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É possível desestimular o extremismo?

Foto: Miguel Schincariol/AFP

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A direita moderada depende hoje dos votos da extrema direita para ser eleitoralmente viável, mas há meios de enfraquecer o radicalismo para que ele não comprometa a democracia

O comício de Jair Bolsonaro no último domingo em São Paulo chamou menos a atenção pelo baixo número dos que a ele compareceram do que pelo fato de que sete governadores subiram no seu palanque – entre os quais, três pré-candidatos à presidência da República: Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Ratinho Junior (PSD-PR). É verdade que o fizeram como os sobrinhos do tio moribundo, que promete entregar sua herança àquele que mais o bajular. No caso concreto, prevendo sua condenação por tentativa de golpe de Estado e subversão das instituições democráticas, Bolsonaro faz um leilão para ver, antes de ungir o sucessor, qual deles se compromete mais com o projeto de garantir a impunidade pelos crimes que cometeu. O cientista político compreende a racionalidade de todos os aspirantes à sua sucessão. O cidadão não tem como deixar de lamentar, porém, o endosso que todos fazem a teses de que não houve tentativa de golpe. Parece que, no fim das contas, a direita não terá um único candidato confiável para a democracia.

Por mais que se diga que Tarcísio de Freitas é um oportunista, uma espécie de Macunaíma político, sem qualquer moral, nem por isso se torna mais digno de confiança. Ninguém que participou do primeiro escalão do governo Bolsonaro ou o apoiou pode ter compromisso forte com a democracia liberal. Os graus podem variar, mas nenhum tem adesão profunda, ou convicção forte. O governo Bolsonaro sempre foi orientado pelo espírito de revanche, pela saudade da ditadura, pelo instinto de perseguição, e principalmente, por um profundo espírito antirrepublicano e antijurídico. Quem estava lá, ou partilhava desse espírito, ou nas melhores hipóteses era indiferente a eles. E aqui basta ver o desprezo como a extrema direita no mundo inteiro – temos hoje o segundo governo Trump diante dos olhos – considera o Estado de direito.

A democracia eleitoral é um mercado, um sistema de concorrência por votos. Se o grosso do eleitorado de direita está ‘estimulado’ pelo extremismo, ou o moderado ‘compõe’ com o ‘produto’ do extremismo ou aumenta o risco de não se eleger.

Por outro lado, não adianta querer que a direita moderada não se aproxime da extrema por razões puramente morais. A democracia eleitoral é um mercado, um sistema de concorrência por votos. Se o grosso do eleitorado de direita está “estimulado” pelo extremismo, ou o moderado “compõe” com o “produto” do extremismo ou aumenta o risco de não se eleger. Por isso os pré-candidatos à presidência correm para o palanque de Bolsonaro. O que os grupos políticos comprometidos com a democracia devem fazer é criar fórmulas para desestimular seu extremismo e incentivar a moderação. Esse estímulo pode ser criado de quatro formas:

1) Punindo exemplarmente as cabeças do golpismo, tirando Bolsonaro e outros de circulação com sentenças severas. Nesse sentido, é preciso se opor a qualquer tentativa de incentivar a impunidade dos envolvidos. Para tanto, pode ser inclusive útil não impor penas excessivas para aqueles que não tiveram maiores responsabilidade no planejamento e execução da tentativa de golpe.

2) Regulamentando a inteligência artificial e as redes sociais, exigindo fim do anonimato das contas mediante cadastro e criando varas ou juizados especializados em responsabilidade civil e criminal digital. As big techs entraram numa concorrência predatória de guerra de lances, que precisa ser disciplinada pelo poder político democrático representado pelo Estado. Necessidade que só cresce desde que elas passaram a fazer parte do mecanismo do imperialismo reacionário de Trump, destinado a favorecer a expansão do extremismo a título de liberdade de expressão (a que os seus críticos não têm, claro, nenhum direito).

3) Reduzindo o grau de fragmentação ideológica e social, retomando bandeiras que sinalizem o resgate de uma ideia de unidade nacional, sem prejuízo dos direitos das minorias ou da busca por redução de desigualdades. Nesse tempo de desglobalização, é preciso associar a agenda progressista a uma aspiração coletiva e nacional, capaz de agregar e não fragmentar o eleitorado em torno de bandeiras de costumes. O imperialismo trumpista traz aqui uma oportunidade que não deve ser desperdiçada: arrebatar a bandeira do nacionalismo das mãos da extrema direita bolsonarista, cuja postura é de completo entreguismo. Na falta de outras forças, a família Bolsonaro e seus acólitos pedem abertamente intervenção estrangeira no Brasil.

4) Estudando as mudanças ocorridas na estrutura social e econômica brasileira nos últimos quinze anos para, a partir de um diagnóstico preciso, promover um novo plano de políticas públicas, que exigirá por sua vez, uma reconfiguração tecnológica do Estado brasileiro. O atual Estado foi criado a partir da década de 1930 para se adaptar a uma sociedade de classes criada pela revolução industrial, tendo sido adaptado 60 anos depois para o contexto da globalização. O estado atual simplesmente não consegue responder às demandas sociais no tempo exigido pela Revolução Digital. Do que precisamos, assim, é de uma revolução administrativa.

O extremismo é reflexo das mudanças, e seu êxito decorre da incapacidade dos democratas acomodados com o status quo de reagir a elas. Não basta, portanto, apenas resistir, ou ter resiliência, para empregar uma palavra da moda.

Explica-se este último ponto. O extremismo é reflexo das mudanças, e seu êxito decorre da incapacidade dos democratas acomodados com o status quo de reagir a elas. Não basta, portanto, apenas resistir, ou ter resiliência, para empregar uma palavra da moda. Só se é possível combater um mal de forma eficaz removendo suas causas. Não basta simplesmente reiterar mecanicamente as fórmulas já observadas há décadas desde o fim do regime militar. Os democratas, independentemente de suas ideologias, precisam ter consciência da necessidade de renovar os processos para evitar a deterioração do regime por esclerose institucional. Cabe ao governo atual ousar para além de sua aspiração puramente “restauracionista”, porque a democracia precisa ser renovada para sobreviver. Do contrário, arrisca-se repetir a perda da fé no regime semelhante à ocorrida nos últimos governos da Primeira República, tão bem descrita por Afonso Arinos:

“Não havia tranquilidade de consciência nas novas gerações governantes, que cumpriam as tradicionais tarefas republicanas, herdadas de 1891, como se fossem sacerdotes a quem faltasse a fé. Os ritos litúrgicos eram repetidos e obedecidos, mas sentia-se que a confiança, a crença neles, vinham desaparecendo.”

É o que cumpre evitar.


*Cientista político, editor da revista Insight Inteligência e professor do IESP-UERJ

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