Edição de sábado: Marina e a arte do incômodo

Marina Silva incomoda. E incomoda muita gente. Não apenas os deputados da bancada ruralista, nem só os senadores do Amazonas e de Rondônia, que pressionam há anos pela pavimentação da BR-319. Incomoda também a ala desenvolvimentista do governo, ansiosa por destravar projetos ambientalmente polêmicos, como a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas. Incomoda até mesmo quem a colocou mais uma vez à frente do Ministério do Meio Ambiente, sobretudo quando se recusa a silenciar diante do isolamento político, como aconteceu terça-feira, durante a tumultuada e constrangedora sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado. Com o tempo, Marina parece ter entendido que sua força em Brasília está justamente no desconforto que provoca. Tornou-se um obstáculo para quem pretende “passar a boiada” em nome do progresso ou das próximas eleições. E, ao contrário do que fez há quase 20 anos, quando deixou o governo por bem menos, agora ela fica. Sabe que, em certos momentos, exercitar a arte do incômodo também é fazer política.
Foi isso que Marina fez ao longo da última semana. Depois das agressões misóginas que sofreu no Senado, manteve a altivez que demonstrou aos parlamentares e foi para o mundo reafirmar que é uma mulher de luta. Deu entrevistas para todos os grandes jornais, participou ao vivo de programas de notícias nas emissoras de TV e nos principais sites do país, entre eles cá este Meio (veja a íntegra). Marina foi a público não só para exigir o respeito que lhe foi negado no parlamento, mas para mostrar que, mesmo isolada no governo e no Congresso, vai usar sua estatura política como uma das maiores líderes ambientais do mundo para constranger seus pares em momentos como este, em que conquistas que pareciam sólidas estão profundamente ameaçadas.
“Marina está usando o capital político que acumulou ao longo da vida para ser uma pedra no sapato do governo Lula”, diz a diretora de uma ONG internacional que atua no Brasil há décadas e que prefere manter o anonimato neste momento de tensões tão à flor da pele. “Em toda derrota que ela sofre no Congresso, faz questão de expor as contradições e as fragilidades desse governo”, diz a ambientalista, que tem trânsito aberto com a ministra.
Derrotas em série
E não foram poucas as derrotas de Marina desde que voltou a comandar o Ministério do Meio Ambiente, a convite de Lula, em 2023. Logo nos primeiros meses no Executivo, Marina teve de engolir uma desidratação das atribuições do ministério sob sua guarda para que o governo conseguisse aprovar a nova estrutura da Esplanada no Congresso. Por pressão da bancada ruralista, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) foi para a Gestão e a Agência Nacional de Águas para a Integração e Desenvolvimento Regional.
Logo em seguida, o Planalto não fez muito esforço para impedir que o Congresso aprovasse uma medida provisória publicada nos últimos meses da gestão Bolsonaro, que flexibilizava as regras de proteção ambiental da Mata Atlântica. Além de aprovar o texto original, os parlamentares adicionaram emendas que permitiam até o desmatamento de áreas intocadas da floresta para obras de infraestrutura, sem a necessidade de licenciamento ambiental. No final de 2023, uma nova derrota: o Congresso aprovou, sem muitas dificuldades, o que ficou conhecido como o “PL dos Agrotóxicos”, que flexibilizava o uso e o comércio de pesticidas. O projeto deu ao Ministério da Agricultura a autoridade para liberar o uso desses produtos e tornou os órgãos de fiscalização ligados ao Meio Ambiente e à Saúde apenas consultivos.
Marina ainda lutou, com apoios pontuais entre seus colegas de Esplanada, para que a nova Lei do Marco Temporal das Terras Indígenas não fosse aprovada pelo Congresso. Perdeu a batalha e viu ministros do governo Lula comemorando uma vitória dos segmentos mais conservadores. O tema ainda está em disputa no Supremo Tribunal Federal.
“Muito do que aconteceu esta semana não é novo. A agenda ambiental é tratada a socos e pontapés desde sempre no parlamento”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, principal rede de organizações da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática. “Marina é muito maior do que o cargo que ocupa e, quando decide continuar em um governo com tantas contradições, com apoios tão frágeis tanto no Executivo quanto no Congresso, está evidenciando e expondo como a agenda ambiental tem sido tratada aqui no país.” Astrini afirma que o mais preocupante não é haver um Congresso majoritariamente contra a agenda ambiental, mas sim observar que o Executivo e o próprio presidente Lula não são mais enfáticos nas batalhas perdidas por Marina.
Maré contrária
Em todos os embates do Ministério do Meio Ambiente, o governo mostrou apoios tímidos e erráticos, como no episódio da aprovação do PL da Devastação, que muda profundamente as regras do licenciamento ambiental. Nunca houve um empenho coletivo dos ministros para respaldar Marina, e muitas vezes colegas de Esplanada celebraram suas derrotas, como fez o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, um dia após a votação no Senado. Ele afirmou entender Marina, mas se disse favorável ao texto que agora segue para a Câmara. “Acho que é um projeto que, quando transformado em lei, vai dar ao Brasil grande capacidade para licenciar obras de infraestrutura e garantir crescimento sustentável”, disse ele em entrevista coletiva.
É bem verdade que Lula, no âmbito pessoal e institucional, tem demonstrado apoio consistente e explícito a Marina. Depois dos ataques sofridos por ela no Senado, o presidente ligou diretamente para elogiá-la por sua atitude de deixar a sessão em meio às ofensas. Lula também afirma que a política ambiental defendida por Marina é um pedido seu e que conta com seu total respaldo. Nos bastidores, no entanto, as coisas são diferentes.
Marina sabia de antemão que sofreria mais uma derrota no Senado, mas não esperava que o texto que agora vai para a Câmara fosse tão diferente daquele que sua equipe vinha negociando com os dois relatores do projeto: o governista Confúcio Moura (MDB-RO) e a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MT), uma bolsonarista ferrenha. Apesar dos protestos por rompimento de acordo, Marina não conseguiu angariar nem 20% dos votos da Casa. Oficialmente, o PT até defendeu a rejeição do projeto, mas o Planalto liberou os partidos da base de sustentação para votar como bem entendessem. Uma reportagem do portal Sumaúma descreve com precisão o esforço da pasta do Meio Ambiente em reverter a tramitação do PL e a forma como Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais, e os petistas do Senado, na prática, colaboraram com o tratoraço que, basicamente, desmonta todo o arcabouço de licenciamento ambiental do país. Há até um documento da liderança do governo no Senado que, “apesar de apontar problemas no projeto de lei, estabelecia posição ‘favorável com as alterações e ajustes ao texto’. As alterações e ajustes jamais foram feitos”, diz a investigação do Sumaúma.
O resultado mostrou como Marina está sozinha no Congresso: foram 54 votos a favor e apenas 13 contra. “No final das contas, a impressão que se passa é de que a Marina virou um estandarte que Lula quer carregar na abertura da COP30. Ela nunca teve apoio da base aliada em nenhuma de suas brigas no Congresso”, diz um assessor parlamentar de um partido da base aliada que prefere falar sob anonimato.
A resiliência e o pragmatismo de Marina também lhe trouxeram vitórias, é bem verdade. Em sua atual gestão no Meio Ambiente, os índices de desmatamento caíram de forma sensível em todo o país, em especial na Amazônia e no Cerrado, os biomas mais ameaçados. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre agosto de 2023 e julho de 2024 houve uma redução de 30% na área desmatada na Amazônia e de 25% no Cerrado. Com base nesses resultados, Marina gosta de dizer que não se sente isolada no governo, pelo contrário. “Estamos conseguindo os resultados que foram planejados em uma atuação interministerial. São 19 ministérios trabalhando juntos para combater o desmatamento”, avalia. Como sempre, diz que as vitórias são fruto da aposta e da confiança de Lula em seu trabalho à frente da pasta.
Uma Marina diferente
Mas Marina bem sabe que a mão que afaga é também aquela que machuca. E parece estar tranquila diante das contradições, das puxadas de tapete e das encruzilhadas que este governo enfrenta na questão ambiental. Essa, é claro, é uma Marina bastante diferente daquela que ocupou a cadeira de ministra em sua primeira passagem pela Esplanada, entre 2003 e 2008. Era uma época de fartura, com o boom dos preços das commodities e fortes investimentos em infraestrutura comandados pela então ministra Dilma Rousseff, a “mãe do PAC”, na definição de Lula. Não foram raras as vezes em que Marina se sentiu desprestigiada ao ver a sanha desenvolvimentista do governo engolir a política ambiental.
Aos poucos, o próprio Lula passou a verbalizar o que Marina sempre considerou como uma imensa injustiça: as acusações de que as normas ambientais atrasam o progresso, como fez agora o senador Omar Aziz (PSD-AM), no início da discussão que terminou em baixaria no Senado, na terça-feira. Foram exatamente disputas sobre o licenciamento de obras na Amazônia que fizeram Marina deixar o governo 15 anos atrás, em um rompimento traumático com Lula após uma parceria política de quase 40 anos. “Em alguns aspectos, a Marina mudou muito. A vida a fez se tornar uma mulher mais pragmática, mas ao mesmo tempo mais sólida. É impressionante como ela não se abalou com o que aconteceu na terça”, diz a diretora de uma das maiores ONGs internacionais ligadas ao meio ambiente que atua no Brasil. “O que a gente percebe é que Marina segue na luta pela agenda ambiental, pelo que acredita e que entendeu que ajuda mais o país permanecendo em um governo que emite sinais trocados o tempo todo do que fora dele.”
Marina sabe disso. Sabe de sua posição no cenário internacional e que, a poucos meses de uma COP em que Lula quer se vender ao mundo como um líder na questão ambiental, seu posicionamento tem o poder de, ao menos, constranger um governo que parece mais preocupado com os desafios econômicos e políticos do que com suas promessas de defesa do meio ambiente. Na entrevista que deu ao Central Meio um dia após os ataques no Senado, Marina contou uma história que exemplifica sua estratégia: “Eu me lembro que a gente estava desenvolvendo um sistema de detecção de desmatamento em tempo real, aberto, que todo mundo podia ver o que estava acontecendo”, conta ela. “Aí o Ciro Gomes, que era ministro da Integração Nacional, veio reclamar que aquilo ia ser um constrangimento para o país. Eu disse: ‘Mas é isso mesmo que eu quero. Eu quero que a gente seja eticamente constrangido, porque, como está, não pode continuar’.”
Encruzilhada
Lula conhece bem o quanto Marina pode causar constrangimento, tanto para sua imagem como para a imagem do governo. Quando os dois estiveram na COP27, no Egito, antes mesmo de tomar posse, Marina arrastava multidões por onde passava, atraía mais atenção do que muitos chefes de Estado. “Lembro de ver os organizadores criando esquemas de segurança quando a Marina decidia circular pela COP. Era tanta gente atrás dela, que fechava os corredores”, conta Marcio Astrini, do Observatório do Clima.
Por isso, Lula sabe que estará diante de uma encruzilhada quando o projeto de lei aprovado pelo Senado sair da Câmara para a sanção presidencial, o que parte dos parlamentares espera que aconteça nas próximas semanas. Caberá ao presidente da República vetar ou sancionar itens polêmicos, que terão impactos profundos na política ambiental brasileira.
“Nós não sabemos exatamente qual a linha vermelha para a Marina, até onde ela aceita continuar no governo, mas o momento da sanção presidencial nesse projeto pode ser um ponto chave para ela”, diz Astrini. A decisão de Lula vai também impactar o futuro do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o grande promotor das mudanças que destroem a atual regulamentação do licenciamento ambiental brasileiro. Se Lula aprovar os pontos mais polêmicos, Alcolumbre concretiza seu projeto de ver a exploração de petróleo na Margem Equatorial começar antes das eleições do ano que vem, quando ele vai se candidatar ao governo do Amapá.
Entre os ambientalistas, há muita apreensão sobre o que vai acontecer e quais serão os movimentos de Lula e Marina, que, até agora, não tiveram embates diretos. “Marina está saindo mais forte desse episódio”, diz Letícia Camargo, assessora técnica para políticas socioambientais no Congresso e integrante da rede PainelMar. “Há avanços, mas está difícil percebê-los neste terceiro mandato do Lula. O que estamos vendo, na verdade, é um parlamento voraz, disposto a reverter todos os ganhos ambientais das últimas décadas”, diz ela.
Marina diz que não pretende sair do governo. Reafirma se sentir apoiada por Lula e que, apesar das derrotas, percebe que a agenda ambiental avança, ainda que sob ameaça. Até agora, tem demonstrado que ataques misóginos no Congresso, acusações de que atrasa o desenvolvimento do país e a falta de apoio do próprio governo ainda não foram suficientes para tirá-la do debate. Ao contrário. Nesta semana, ela provou estar mais determinada a incomodar do que nunca. Só não está claro por quanto tempo.
*Colaborou Yasmim Restum
Muitas saídas, nenhuma entrada na bolsa brasileira
No último domingo, a Zamp, empresa responsável pelas operações do Burger King e Starbucks no Brasil, anunciou, via fato relevante, que seu acionista controlador, o Mubadala Capital, avaliava tirar a companhia da bolsa de valores do Brasil. O movimento é conhecido como OPA – Oferta Pública de Aquisição, feito também quando o controlador quer aumentar sua participação acionária ou adquirir o controle. Para concluir a saída da bolsa é obrigatória a contratação de uma empresa independente para avaliar o valor justo da companhia, protegendo os acionistas minoritários, que têm um prazo para decidir se aceitam vender suas ações ao preço proposto ou não.
No caso da Zamp, o fechamento de capital no Brasil pode estar relacionado com uma listagem da empresa nos Estados Unidos. Mas se a saída da controladora dos famosos fast foods da bolsa ainda está na fase de planejamento, outras estão concretizadas. Nesta sexta-feira foi oficializada a saída do Carrefour Brasil da B3. Desde sua estreia no mercado acionário, em 2017, a divisão brasileira da varejista manteve ações negociadas na bolsa até que, sob decisão da matriz francesa, teve os papéis incorporados e deixou de ser uma empresa pública – termo que se usa para companhias, privadas ou estatais, com ações negociadas no mercado.
O retrospecto recente mostra uma tendência das empresas brasileiras listadas de saírem do mercado de capitais. Só no ano passado, foram nove ofertas para deixar a bolsa, conforme dados da B3. É o maior número em ao menos cinco anos. Entre os casos mais emblemáticos está o da Cielo, que saiu da bolsa de valores em agosto, após 15 anos. De acordo com levantamento do Valor Econômico, na última década, mais de 90 empresas saíram da B3. Enquanto isso, 94 realizaram um IPO, processo de vender ações ao público. Desde 2021, quando a operadora de logística Wilson Sons decidiu abrir seu capital, nenhuma nova empresa entrou na bolsa no país. Nesse período, o número de companhias listadas caiu de 456 para 421, até abril de 2025.
Razão não falta
No entanto, nem toda empresa que deixa o mercado de capitais está em crise. Embora possam envolver companhias com problemas financeiros, as ofertas de ações para o cancelamento de registro ocorrem também com empresas saudáveis, que apresentam potencial positivo de entrega de resultados. Diversas corporações listadas estão sofrendo devido ao cenário macroeconômico restritivo, e não em decorrência de fundamentos e qualidade operacional.
Nesse cenário, vale lembrar o contexto da pandemia, período em que a taxa básica de juros, a Selic, foi reduzida para diminuir o custo de capital e incentivar o consumo das famílias, em tentativa de mitigar a crise econômica. Em agosto de 2020, os juros no Brasil marcavam apenas 2%, mínima histórica. Quanto menor a Selic, mais atrativo ficam os investimentos mais arriscados, na renda variável. Com isso, cerca de 75 empresas decidiram entrar na bolsa neste período. Poucos anos depois, 85% delas valem menos do que quando entraram.
Isso pode ser explicado por um conjunto de questões. Evitando mencionar particularidades e contextos de cada companhia, um dos fatores comuns é o fato de os juros terem saído dos 2%, para os atuais 14,75%, oscilando sempre em patamares elevados. Ora, se a renda fixa paga, com segurança, dois dígitos por ano, investidores podem evitar alocar o dinheiro na renda variável, o que também ajuda a explicar o desempenho ruim da bolsa. Outra razão que atrapalha os investimentos de risco são incertezas externas, como as guerras e a inflação global, e internas, com a polarização política comprometendo o planejamento financeiro de longo prazo, e as dificuldades de manter uma trajetória fiscal em linha com o esperado por agentes financeiros.
Para Carlos Castrucci, sócio da M|o|S Capital, no entanto, o movimento de deslistagem de empresas da bolsa brasileira é mais conjuntural do que estrutural. “Quando você vai pensar na conjuntura atual, o que tem levado as empresas realmente a fechar o capital nesses últimos anos vai muito em linha com o nível de preço que estamos vendo nas empresas negociadas na bolsa de valores. Os múltiplos [números no balanço] nas empresas listadas estão abaixo das negociações de empresas similares no mercado fechado. Nós vimos efetivamente uma ‘ressaca’ da pandemia onde o custo de capital subiu muito e então os valuations acabaram caindo muito”, explica.
Liberdade para mudar
Castrucci ainda aponta que retirar a empresa da bolsa pode ser uma oportunidade para o controlador ganhar liberdade para reestruturar a companhia longe da pressão por resultados trimestrais. Com a deslistagem, a empresa também não precisa necessariamente cumprir padrões de governança elevados nem divulgar qualquer movimento relevante.
Em alguns casos, a decisão de abrir capital é tomada por uma empresa interessada em ampliar suas possibilidades de financiamento. Ao vender suas ações a investidores, parte do dinheiro vai para o caixa da companhia e vira investimento, que, por sua vez, fomenta o crescimento da companhia. O lucro é distribuído aos acionistas, remunerados pelo seu investimento inicial via dividendos e sobretudo valorização dos papéis.
Esse movimento afeta mesmo quem não tem dinheiro aplicado na bolsa? Castrucci afirma que sim.
“Qual é a função primordial do mercado de capitais? É unir, de um lado, os investidores, provedores de dinheiro, com as empresas e pessoas, principalmente as empresas que estão buscando dinheiro para investir na expansão dos seus negócios. Então, por exemplo, no momento em que existem menos companhias listadas, há uma redução desse mercado que permite a troca, o encontro do investidor com a empresa”. Ele avalia que um custo de capital elevado dificulta a expansão de negócios. Corporações que não tem como se financiarem com investidores, podem acabar tendo que assumir dívidas, que têm juros e diminui o crescimento potencial.
O especialista pondera que abrir capital implica a possibilidade de não se atingir as expectativas, embora sempre se esteja gerando emprego, renda e um consumo positivo para a economia de forma geral. “O melhor cenário sempre é aquele onde conseguimos ter juros mais baixos para reduzir o custo de capital e estimular o investimento produtivo. Porque, caso contrário, o investidor vai preferir ficar em ativos livres de risco, um dinheiro que acaba gerando menos retorno para a sociedade”.
Apesar da seca de IPOs e do aumento no número de OPAs, o Ibovespa vai bem. Nas últimas semanas, renova máxima histórica, e opera próximo dos 140 mil pontos nos últimos pregões, com as altas sendo motivadas pelos sinais de que a inflação brasileira parecer arrefecer, enquanto a guerra tarifária do presidente americano Donald Trump continua no radar e gerando volatilidade. Castrucci lembra que, no curto prazo, por mais estranho que pareça, a diminuição de empresas na bolsa aumenta a atratividade das que ainda estão listadas. “Você está reduzindo a oferta de empresas, ou seja, o mercado está ficando menor. Quando a demanda por investimento em ações voltar, como a oferta está menor do que antes, você pode ter um efeito de reprecificação mais forte nas empresas que continuam na bolsa”.
A bolsa sobe, mas se esvazia. E esse movimento, embora traga ganhos de curto prazo, acende um alerta sobre o futuro do setor financeiro e da economia do Brasil. Com um PIB ainda forte, crescimento de 1,4% no primeiro trimestre, mercado de trabalho aquecido, porém, uma inflação fora da meta e juros em patamares elevados, fica claro o contraste entre diferentes indicadores. O país arrisca transformar o sistema financeiro e a bolsa, sua principal vitrine econômica, em um palco ainda mais restrito. O investidor pessoa física, que chegou em peso nos últimos anos, pode encontrar menos opções e mais obstáculos no caminho.
Purgatório da beleza e do caos
Fausto Fawcett é uma das vozes mais ácidas e singulares do Rio de Janeiro. Estourou com Kátia Flávia, A Godiva de Irajá nos anos 1980 e lançou três discos. Fausto Fawcett e Os Robôs Efêmeros, de 1987, Império dos Sentidos, de 1989 e Básico Instinto, de 1993. Todos com a alquimia do groove de Carlos Laufer, que criava as bases para a sua prosa poética falada. Agora está trabalhando uma nova leva de canções, tendo como parceiro Paulo Beto, mago dos synths da underground Anvil FX.
Essas músicas, junto com hits como Rio 40 Graus, Básico Instinto e Santa Clara Poltergeist, estarão no show Animakina, que acontecerá em julho no Cineclube Cortina, em São Paulo, num programa duplo com a exibição do documentário Fausto Fawcett na Cabeça, dirigido por Victor Lopez. Na banda, Paulo Beto nas programações, sintetizadores e guitarra, Mari Crestani no sax e no baixo e Jodele Larcher nas projeções. “São várias releituras feitas pelo Paulo e pala Mari do repertório que eu tenho e acrescentando aos poucos mais coisas inéditas. Estamos trabalhando para isso.”
No tempo em que ficou distante dos estúdios de gravações, Fawcett escreveu cinco peças e seis livros, entre eles a ficção-científica Favelost, que ganhou uma versão em disco no ano passado, com participações de André Abujamra e Marcos Suzano. Isso sem falar nas apresentações regulares que faz em São Paulo dizendo seus textos no espetáculo poético-musical-audiovisual Trovadores do Miocárdio, dirigido por Eduardo Beu. Conversamos um pouco sobre música e muito sobre o mundo de hoje. Leia abaixo 0s principais trechos da entrevista.
Nos seus primeiros discos, muito do seu universo poético vinha do bas fond carioca. O que te interessa hoje?
Apesar de ter sido muito marcante, o salto para outros assuntos já foi dado. Nem falo tanto de bas fond, que foi esmaecido por motivos variados, principalmente desde que as plataformas digitais abduziram as ofertas de sexo e de voyeurismo, de tudo, de pornografia. Esse mundo saiu das ruas, das boates. Esse é um dos motivos, talvez, o principal. E porque também eu tive de parar com aquela volúpia de boemia, tive de parar de beber, e as ruas de Copacabana mudaram.
Mas você continua morando em Copacabana, certo?
Sim, continuo, mas o repertório extrapola isso. Rio 40 Graus é uma música que toca num assunto que, de forma mais contundente, acontece no Rio de Janeiro, que é essa promiscuidade entre bandidagem e o Estado, com o agravante do território. Santa Clara Poltergeist é uma fantasia funk punk, ligada à manipulação de frequências. Guindaste Evangélico fala de como as pessoas vão continuar sendo sempre religiosas, mas já não sabem o que fazer com esse sentimento porque está tudo comercializado. Agora, o que realmente permeia tudo isso é um humor. “Do fundo do poço vem o barulho da festa.” Como aquela palavrinha de eletricista que neguinho de metier de eletricista adora: resistência. Mas usada com ambiguidade. Porque senão fica tudo muito edificante ou muito rabugento, reclamão. Aí eu nem tenho idade para isso, já passei a rebentação.
Acha que de certa maneira o Brasil está mais careta hoje do que na época das suas primeiras composições? Mais politicamente correto e menos afeito à interpretação de texto?
Eu não acho, é um fato mesmo. Existe hoje um puritanismo. Seja de direita, mais crasso, mais óbvio, seja de esquerda. Os dois são caricaturas de fantasias de sociólogos que nem se aplicam mais de uma certa perspectiva de resolução, de solução social, levando em conta as cenourinhas que guiaram os imaginários dessas duas turmas no que se refere a posicionamento político. As coisas são muito mais promíscuas, misturadas e borradas em termos de poder. E demonstram o equilíbrio frágil e precário do que se chama de república, de democracia. Nesse puritanismo que está voltando, ele é antigo e identificável na direita, com tradição, família e propriedade, reforçado atualmente por uma certa perspectiva evangélica. Mas quando esse neopuritano abre a boca, você vê na verdade histeria e não alguma poeira de dignidade em relação à tradição. Aí vem esses coaches, com todas essas coisas de autoajuda. E agora eles acreditam em si mesmos, que é a mesma porcaria. Somos mitômanos de raiz. Esse é o problema.
E do lado da esquerda?
Como os operários desde a década de 1960 se mostraram satisfeitos dentro do seu papel, no seu comportamento de fazerem parte do que se chamava de establishment, o sistema, aí o pessoal da escolinha do professor Frankfurt, Marcuse, etc., resolveu que a gente tem que arrumar um substituto para a revolução. E botaram no centro os marginalizados, desde pobres colonizados até mulheres, negros, enfim, as pessoas com questões em relação aos seus gêneros. Isso tem uma certa pertinência, mas aí vêm os exageros identitários. Aqueles grupos vão fazer uma democracia para os grupos, que deixam de trocar. E tem excessos ideológicos que geram um puritanismo no sentido de quem pode falar o quê. Claro que existe uma etiqueta social e você não pode esculhambar ninguém porque a pessoa é isso ou aquilo. Mas por dentro as pessoas são preconceituosas e esse identitarismo gera ressentimento. Aí, pronto, fica uma guerra de currais comportamentais e de políticas públicas para lidar com isso. Sem esquecer que a direita é identitária também.
Como isso impacta a criação artística?
É uma complicação fodida no que diz respeito a expressões artísticas ou o que for. É horrível, porque você volta, sei lá, à Revolução Russa. Você tem que obedecer a cartilha para falar de certas coisas. Todos os movimentos, de esquerda ou de direita, eles eliminam o ser humano. Eles lidam com o ideal de humano. Porque o ser humano, meu chapa, é indomável.
A cultura do cancelamento te interessa como tema?
Na verdade, eu fico observando tudo. A cultura do cancelamento é a cultura de quem vive em cidade pequena. É uma mentalidade de seita, né? Porque seita era uma coisa ligada a um grupinho, um culto. Vai para Charles Manson, Jim Jones. Uma turma que concorda e, de certa forma, fecha com um imaginário e se comporta a partir daquele imaginário. Foi o que o cristianismo fez. São Paulo era o Washington Olivetto da época e juntou um bilhão de pessoas no cristianismo. É assim com Hitler e a turma dele, com Lênin e turma dele, com Mao, com o Justin Bieber do socialismo, o Che Guevara. Aí o Marshall McLuhan acerta no alvo: na antiguidade tudo era oral, depois vem o tempo da imprensa massificada, aí você pega essa coisa antiga e transforma com o audiovisual. Com a internet, você chega e liga numa tomada 420. Então aquilo que era seita, que era fechado, ganha uma pólvora gigante. Hoje isso cresce exponencialmente. Mas até a nomenclatura é de seita. Pensa na pergunta “quantos seguidores você tem?”. No YouTube, o dedo para cima e para baixo é como nos tempos de Roma. E cria a mais pesada das seitas, a dos fofopatas. Os psicopatas da fofura. Porque o inferno também é coraçãozinho e salve a natureza.
Os assinantes do Meio têm interesses diversos, gostam de curiosidades, mas não descuidam das grandes pautas, e isso se reflete na lista de notas mais clicadas da semana. Confira:
1. Casa e Jardim: Arquiteta nigeriana cria abrigo para refugiados com base em arquitetura tradicional africana.
2. Meio: Ponto de Partida — Pedro Doria critica com veemência os crimes de guerra do governo Netanyahu em Gaza e mostra que não há contradição entre fazer essa crítica e ser sionista.
3. Folha: O telescópio espacial James Webb capta primeiras galáxias do amanhecer cósmico.
4. New York Times: A lista dos melhores filmes de 2025, até agora.
5. Panelinha: Comprar curry em pó pronto é uma comodidade, mas fazer curry caseiro leva as receitas a outro patamar.