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Edição de sábado: Traição a Magnitsky

Foto: Tim Aro / TT News Agency via AFP

“O ministro Alexandre de Moraes não é um violador grave de direitos humanos, não é acusado de sê-lo, tampouco é um grande cleptocrata que ganhou bilhões em corrupção.” A frase é de Sir William Browder, 61 anos, americano naturalizado inglês, financista e, a um tempo entre finais de anos 1990 e princípios deste século, o maior investidor estrangeiro na Rússia. Browder é, também, o pai da Lei Magnitsky, aquela utilizada pelo governo de Donald Trump contra o relator do processo de tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal. “Essas são as únicas categorias pelas quais alguém deve ser sancionado pela lei.”

Em entrevista ao Meio, disponível na íntegra, em inglês, no nosso streaming, Browder se mostrou simultaneamente indignado e aliviado. “Eu temia que eles quisessem acabar com a Lei Magnitsky”, diz sobre o atual governo americano. “Este é claramente um abuso da lei mas, ironicamente, agora eles também estão comprometidos com ela.”

No princípio do governo de Vladimir Putin, o Kremlin começou a partir contra os negócios em que o fundo de Browder havia investido. Era um leque de companhias focadas em energia como Gazprom, Surgutneftegaz, Unified Energy Systems e Sidanco. Foram pressionadas de toda forma, vieram processos estapafúrdios até, no fim, serem encampadas. Para questionar nas cortes o que era o início dos muitos abusos do governo Putin, ele constituiu um jovem advogado tributarista chamado Sergei Magnitsky. Quando descobriu uma fraude fiscal de US$ 230 milhões cometida pelo governo, Magnitsky foi preso, torturado por 358 dias e, ao fim, morto. Tinha 37 anos.

Perante o choque, Browder fez de sua missão de vida constituir um aparato legal que permitisse punir os responsáveis por crimes de alto grau de violência e corrupção como este. A Lei Magnitsky não é apenas americana — há legislações equivalentes a ela no Canadá, no Reino Unido, na União Europeia e na Austrália. A praxe é de que quando um dos governos decide após muita análise punir alguém com ela, que o ato ocorra em concerto com os outros. Esta rede faz com que os grandes corruptos e violadores de direitos humanos tenham muita dificuldade de transitar com seu dinheiro pelo mundo.

Para o criador da Lei Magnitsky, o uso da lei contra Moraes é tão absurdo que, se o governo brasileiro entrar na Justiça americana, ganha já desde a primeira instância. “Os tribunais são independentes; e a lei, escrita de forma muito clara”, ele diz. “As instituições americanas são muito fortes, mas vamos sofrer um tanto porque este presidente ainda tem mais três anos e meio de mandato.”

Sir William, como surgiu a Lei Magnitsky? O que aconteceu?

Fui o maior investidor estrangeiro na Rússia por cerca de uma década, do fim dos anos 1990 ao início dos anos 2000. Comecei a descobrir corrupção nas empresas em que investia e denunciei esses esquemas. Como retaliação, fui expulso do país. Meus escritórios foram invadidos e a polícia confiscou diversos documentos. Pedi a um jovem advogado, Sergei Magnitsky, que investigasse por que estavam apreendendo esses papéis. Ele descobriu que os documentos vinham sendo usados numa fraude fiscal complexa em que autoridades corruptas e membros de organizações criminosas se uniram para desviar e roubar US$ 230 milhões em impostos que minha empresa havia pagado ao governo russo. Sergei expôs o crime, testemunhou contra os envolvidos e, em seguida, foi preso, torturado por 358 dias para tentar fazê-lo retirar seu depoimento e, depois, assassinado sob custódia da polícia russa aos 37 anos. Isso foi em 16 de novembro de 2009. Desde então, abandonei a vida empresarial para dedicar todo o meu tempo, energia e recursos a buscar justiça contra os responsáveis. Acabei chegando a uma ideia: a Rússia é um país sem justiça, totalmente dominado pelo crime, mas talvez esses criminosos se sentissem pior se seus bens no Ocidente fossem congelados, e eles não pudessem viajar para lá. Levei essa ideia a Washington, depois ao Reino Unido, ao Canadá, à União Europeia e a outros lugares, perguntando: “Podemos congelar os ativos e negar vistos a esses violadores de direitos humanos e cleptocratas russos?”. Essa proposta se tornou a Lei Magnitsky. A lei foi aprovada nos Estados Unidos em 2012, no Canadá em 2017, no Reino Unido em 2018, na UE em 2020 e na Austrália em 2021. Hoje, ela existe em 36 países e é a ferramenta mais poderosa para responsabilizar abusadores de direitos humanos, torturadores, assassinos e grandes cleptocratas que antes eram intocáveis.

Normalmente, quando alguém entra na lista da Lei Magnitsky nos EUA, essa decisão é espelhada no Canadá, no Reino Unido, na UE e na Austrália, certo?

Certo. Não é 100 %, mas, em geral, se uma pessoa é considerada violadora de direitos humanos num país, isso é reconhecido em outros. É muito difícil colocar alguém na lista Magnitsky. É preciso ter feito algo realmente horrível. Por exemplo, os responsáveis pelos campos de concentração dos uigures em Xinjiang, na China — cinco ou seis generais envolvidos em genocídio —, estão na lista. Autoridades nicaraguenses que mandaram atirar em manifestantes pacíficos também. É preciso ser alguém bem perverso para entrar ali.

Pois o governo americano atual optou por usar a lei politicamente e incluiu um ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Não temos uma democracia perfeita no Brasil, mas há Estado de Direito: um ex-presidente está sendo julgado por tentar um golpe por um colegiado, e esse ministro, que conduz o julgamento, agora aparece na lista. O que isso significa?

Até onde sei, o juiz Alexandre de Moraes não é um grande violador de direitos humanos nem um cleptocrata que ganhou bilhões com corrupção — as duas categorias que justificam sanções pela Lei Magnitsky. Apontar alguém por razões políticas é um abuso da lei. Além disso, se um governo usa essa lei para ajustar contas políticas em outro país, essa decisão degrada o objetivo nobre da legislação. Não é um bom dia para a Lei Magnitsky.

A lei existe para incentivar comportamentos corretos e fortalecer democracias. Quando ela é usada assim…

A Lei Magnitsky foi pensada para países sem Estado de Direito — lugares onde assassinos e torturadores são intocáveis e vítimas não têm recurso. São esses indivíduos que devem ser sancionados. Veja o exemplo da África do Sul sob Jacob Zuma, um governo totalmente corrupto. E muitos sujeitos ajudaram Zuma a operar sua corrupção. Os irmãos Gupta, da Índia, supostamente roubaram dezenas de bilhões do Estado, e o país não conseguia puni-los. Os EUA e outros usaram a Lei Magnitsky contra eles. Esse é o uso correto da lei.

Quais são as consequências de usar esse poder contra democracias consolidadas que combatem corrupção e autoritarismo? Se os EUA impõem sua própria visão a outras democracias, o que acontece?

A questão vai além da Lei Magnitsky. O atual governo está abusando de outras leis: tarifas via IEEPA (International Emergency Economic Powers Act), o chamado “Alien Invasion Act” e mais. Isso faz muita gente estremecer. Democracias costumam cooperar. A Lei Magnitsky existe em vários blocos democráticos justamente para isso. Mas hoje há um grande país que se retirou de acordos como o Acordo de Paris e de instâncias da ONU. Os EUA, antes âncora do Estado de Direito e da democracia, se afastaram.

Há quem acuse grandes democracias de hipocrisia. Usar a Lei Magnitsky desse modo parece confirmar isso, não?

O mundo é vasto, com muitas opiniões. Democracia, Estado de Direito, bem e mal não desapareceram. Muitos tentam fazer o certo; alguns não. Também se pode criticar o Brasil por se alinhar a Vladimir Putin na guerra da Ucrânia. É complicado.
Trump sancionou o juiz porque seu amigo Bolsonaro está na berlinda, assim como ele esteve. Ele vai longe por isso. O mundo — e a Lei Magnitsky — seguirão. Eu temia que Trump desmontasse a lei, mas, ironicamente, ao abusar dela, ele também se compromete com ela. Este é um abuso específico. Se Moraes recorrer à Justiça dos EUA para contestar a sanção, provavelmente vencerá.

Esse caminho jurídico é viável?

Com certeza. Os tribunais nos EUA são independentes do Executivo, e a lei é clara: ele não se enquadra nas categorias. Se fosse ele, entraria com revisão judicial imediatamente.

Democracias no mundo se sentem atacadas pelo atual governo dos Estados Unidos. Trump é um erro passageiro corrigível no próximo mandato ou estamos diante de uma crise prolongada?

Não acredito que o movimento Maga (Make America Great Again) represente a maioria dos americanos. É uma minoria barulhenta. Muitos se sentem sem opção. Mas um grande grupo quer um governo normal — sem “britadeiras” de notícias todo dia. Confio na força das instituições americanas. Vi na Rússia o que é um governo tomado por criminosos. As instituições dos EUA são fortes. Teremos de aguentar mais — este presidente ainda tem três anos e meio —, mas eleições intermediárias, juízes, imprensa e estados decidirão as coisas. Um grupo só não toma um país sem representar a maioria.

No Brasil, muitos políticos se sentem reféns do bolsonarismo, como republicanos do Maga. Acham que precisam escolher entre ter votos ou ter uma espinha dorsal. O que lhes diria?

Não sei bem o que dizer a essas pessoas. Ao governo atual eu diria: se vocês não entregam para a maioria e continuam atendendo só a um grupo pequeno, líderes populistas surgirão. Foi o que ocorreu nos EUA — o governo Biden não entregou para a maioria, e um populista raivoso, com promessas falsas, capturou a atenção do público. Isso acontece em qualquer lugar onde o governo falha com a maioria. As pessoas têm razão de estar frustradas, mas precisam decidir se acreditam em promessas vazias ou em quem realmente entrega resultados.

A arte no orgasmo

Com o objetivo de aumentar as vendas de produtos eróticos, uma rede de sex shops da Inglaterra criou, em 1999, o Dia do Orgasmo, celebrado em diversos países em 31 de julho. Na época, as britânicas demonstraram, em uma pesquisa de opinião, sua insatisfação com suas vidas sexuais. A criação de um dia para o ápice do prazer gerou polêmica no mundo todo, promovendo debates e tentativas de quebrar o tabu sobre o assunto. A arte, cumprindo seu papel, vem trazendo o tema em diferentes obras e de muitas maneiras. Para celebrar, selecionamos alguns filmes, séries e músicas que usam o orgasmo como ingrediente, seja de maneira discreta ou mesmo de forma totalmente explícita. Aprecie com prazer.

Filmes:

Babygirl (Amazon Prime)

Uma cena de sexo tórrida que termina num orgasmo intenso logo na abertura dá o tom do filme. Mas Rony (Nicole Kidman), a respeitada CEO de uma grande empresa, quer mais e vai procurar prazer em uma masturbação no chão da sala, enquanto assiste a um filme pornô. O enredo toma forma quando ela se envolve com um estagiário, que a enreda num jogo perigoso de prazer e submissão, colocando em risco o casamento dela. Romy decide se entregar a um novo tipo de prazer e vive momentos tórridos com Samuel (Harris Dickinson), alcançando novas maneiras de deleite sexual, mesmo que às vezes isso traga conflitos internos.

Thelma e Louise (MGM+)

Um clássico do cinema dirigido por Ridley Scott em 1991, Thelma e Louise conta a história de duas amigas do Arkansas que se empoderam e decidem viver a própria vida. Thelma é uma dona de casa vivida por Geena Davis, que escapa do marido abusivo, e Louise, interpretada por Susan Sarandon, uma garçonete que foge depois de matar um homem que tentou violentá-la. No meio do caminho, elas encontram J.D., personagem de Brad Pitt, um jovem sedutor que se envolve com Thelma. É quando os dois participam de uma cena quente, com preliminares que constroem a química entre os dois, que culmina no ponto principal deste texto: o orgasmo.

Pobres Criaturas (Disney+)

Estrelado por Emma Stone, Willem Dafoe e Mark Ruffalo, o longa de Yorgos Lanthimos nos apresenta a Bella Baxter (Stone) trazida de volta à vida após seu cérebro ser substituído pelo do filho que ainda não nasceu, em um experimento conduzido pelo Dr. Godwin Baxter (Dafoe) numa imaginária Londres vitoriana. Ao explorar o mundo a sua volta, Bella descobre a masturbação e, por consequência, o prazer do orgasmo. Por não entender as convenções sociais de sua época, procura viver intensamente seus prazeres, sem se importar com os homens que se aproximam querendo tutelá-la e ditar-lhes regras.

Anora (Amazon Prime)

E quando prazer, dinheiro e impulsividade se misturam? O premiado drama de Sean Baker, que levou os principais prêmios do Festival de Cannes e do Oscar, é recheado de cenas quentes protagonizadas pela stripper Anora, personagem de Mikey Madison, com Ivan (Mark Eydelshteyn), filho de um oligarca russo. O jovem inexperiente se encanta com o tratamento e o prazer sexual que a profissional lhe oferece e, num ato impulsivo, resolve se casar com ela com o pretexto de obter cidadania americana. O resultado é uma relação ganha-ganha, com Ivan tendo o melhor sexo da vida e Anora tendo experiências sociais a que jamais teve acesso. Tudo vai muito bem até os pais de Ivan descobrirem tudo e correrem para anular o casamento.

Cisne Negro (Mercado Play)

No longa dirigido por Darren Aronofsky, Natalie Portman vive Nina, a bailarina de uma companhia que passa por sérios problemas pessoais. Pressionada por um exigente diretor artístico, ela passa a perceber uma concorrência desleal de suas colegas, enquanto enfrenta o desafio de interpretar o Cisne Negro em uma adaptação de O Lago dos Cisnes. Ao se envolver com uma das bailarinas, Nina descobre o orgasmo e encontra a chave que precisa para encarnar no papel do balé.

Séries:

Sex Education (Netflix)

Mas para ter prazer é preciso ter autoconhecimento, de preferência logo na adolescência. Otis Milburn (Asa Butterfield) é um adolescente, filho de uma terapeuta sexual solteira, que tem uma vida sexualmente bem ativa. Percebendo a falta de conhecimento sexual de seus colegas e tendo uma boa bagagem sobre o assunto, apesar de ser virgem, ele decide montar uma clínica de saúde sexual dentro da própria escola com a ajuda de Maeve (Emma Mackey), sua colega de classe rebelde, para ajudar outros estudantes com problemas sexuais.

Sexify (Netflix)

Sexo é coisa séria e prazer também. Pensando nisso, Natalia (Aleksandra Skraba), uma jovem desenvolvedora de software, resolve criar um aplicativo focado em orgasmo feminino para ajudar outras garotas a explorarem o próprio prazer. Por ser virgem, pede ajuda a sua amiga Monica (Sandra Drzymalska) para desvendar o prazer feminino, aliando parte teórica e prática no projeto. Junto com Paulina (Maria Sobocinska), elas montam um “masturbatório” na universidade em que estudam para desenvolver do aplicativo e ganhar uma competição de tecnologia interuniversitária.

Girls (HBO Max)

Com personagens na casa dos 20 anos, a série criada e estrelada por Lena Dunham retrata quatro jovens amigas enfrentando diversos desafios profissionais e pessoais em Nova York. Diferentemente de outras produções, que tratam a questão sexual de forma glamourizada, em Girls, sexo e prazer feminino são tratados de maneira mais crua e próxima das relações reais.

Morrendo por Sexo (Disney+)

Baseada no podcast homônimo de Nikki Boyer, inspirado na história real de Molly Kochan, a série acompanha uma mulher diagnosticada com câncer metastático em estágio 4. É quando Molly (Michelle Williams) decide encerrar seu casamento de 15 anos e embarcar em uma jornada de autodescoberta sexual. Acompanhada por sua melhor amiga Nikki Boyer (Jenny Slate), ela se joga na experiência de explorar seus desejos sem restrições, buscando dar um novo significado ao tempo que ainda tem.

Músicas:

Não Dá Mais Pra Segurar (Explode Coração)

Com a interpretação inconfundível de Maria Bethânia, a música de Gonzaguinha explora com sutileza o caminho do desejo. O título sugestivo dá ideia inicial de algo que está contido e precisa ser exposto, sentido, liberado, aproveitado, afinal, gozado. “Feito louca alucinada e criança / Sentindo meu amor se derramando” é o ápice do prazer esperado pela personagem na canção. (Spotify)

Love To Love You Baby

Donna Summer oferece linhas de baixo provocantes, guitarra envolvente e sua bela voz, que brinca ao longo da música, ora com falsetes, ora com grunhidos que se misturam a gemidos de uma mulher em pleno estado de prazer. A música é ideal para quem quer deixar o ambiente no clima certo para uma noite quente. (Spotify)

Homem

O prazer feminino, apesar de ser um tabu ainda para muitas mulheres, pode ser alvo de inveja para os homens. Pelo menos é para Caetano Veloso, que deixou claro em sua canção que “Só tenho inveja da longevidade / E dos orgasmos múltiplos” das mulheres. Claro, da menstruação, ninguém quer, né Caetano? (YouTube)

Orgasm e Darling Nikki

Além de seu talento multi-instrumental e fusão de diferentes estilos, Prince também era famoso por sua ousadia e sensualidade nos palcos e nos discos. Para fechar seu álbum Come, ele funde sons de guitarra distorcidos, barulhos de ondas do mar se quebrando com os gemidos de uma mulher chegando ao clímax do prazer na faixa Orgasm. Aliás, foi ele quem fez com que os discos contendo conteúdo explícito tivessem que receber um selo com o alerta de “Parental Advisory”, com o lançamento de Darling Nikki no álbum Purple Rain. A música fala de Nikki, uma viciada em sexo que ele encontrou se masturbando com uma revista no saguão de um hotel.

Justify My Love

A rainha do pop também é um dos maiores nomes da sensualidade na música e na arte. Uma das diversas canções e videoclipes que ela lançou remetendo ao desejo em seu mais alto grau é Justify My Love, que esbanja desejo e sedução em seu clipe. O ritmo, a harmonia e a maneira como Madonna sussurra a letra da música é ainda mais potencializada com a interação da cantora e seus dançarinos no clipe. (YouTube)

Pra Fuder

Elza Soares mostrou que ainda tinha lenha para queimar em um de seus últimos álbuns, A Mulher do Fim do Mundo, ao trazer com intensidade o tema do sexo. O samba moderno e sofisticado acompanha a força da Voz do Milênio, com o batuque rápido e suave da percussão, enquanto o violão acompanha a dinâmica da interpretação de Elza com a letra que detalha a dinâmica do desejo. “Olho pro meu corpo sinto a lava escorrer” é um dos versos que marca bem a tônica da música. (Spotify)

O big bang de Jadsa

Jadsa é um talento inquieto. Crescida em Salvador, faz parte de uma leva de artistas que trouxe novo fôlego para a música contemporânea brasileira. Depois de gravar um EP ainda na Bahia, foi para São Paulo para tentar gravar o seu primeiro disco. Vivendo da cidade, em 2021 conseguiu lançar Olho de Vidro, um álbum em que traz um jeito único de tocar guitarra e abre todo um diálogo com a música da cidade que a acolheu. Quatro anos e uma pandemia depois, Jadsa acaba de lançar Big Buraco, um trabalho mais pop, em que ela parece ampliar seus horizontes musicais. Não à toa, o álbum integrou a lista dos melhores lançados neste ano pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte).

Mas Jadsa não faz apenas discos que levam o seu nome. Entre Olho de Vidro e Big Buraco, lançou três trabalhos com o projeto Taxidermia, dupla com João Milet Meirelles, do BaianaSystem, seu parceiro desde o primeiro EP em Salvador, e também se arriscou em um projeto de improvisação com mulheres, sem contar algumas incursões teatrais. Conversamos sobre essa inquietação. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Você migrou jovem para São Paulo para gravar o seu primeiro disco. Queria saber um pouco de como foi a sua formação em Salvador, numa época em que vários artistas legais estavam produzindo sons novos na Bahia?

Comecei a tocar muito cedo em Salvador, ainda adolescente, fazendo cover de Pitty, do Inkoma, uns covers de hardcore também, Dead Fish, uma galera assim. Aí eu sinto que um marco é o teatro. Entrei no início de 2014, com 17 para 18 anos. Foi onde eu entendi como era fazer música. E ter uma demanda para fazer música também. Criar essa demanda também era importante. A partir do teatro eu consegui fazer meu primeiro EP, que se chama Godê, junto com o João Milet Meirelles e o Ronei Jorge. E já vinha construindo essa ideia do Olho de Vidro. Quando lancei o Godê, eu queria que fosse um disco de nove músicas, só que eu não tinha tempo, não tinha dinheiro, não tinha condições de fazer isso. E aí eu falei: “Velho, eu quero gravar um disco cheio agora.” E precisava encontrar uma maneira de gravar financeiramente. E aí eu pensei em vir para São Paulo. Vim em 2018.

Olho de Vidro tem um cheiro paulistano, para além das participações de músicos como Luiza Lian e Kiko Dinucci. Quando ouvi pela primeira vez, senti que era um som vindo de Salvador mas que bebia muito na vanguarda paulistana, principalmente em Itamar Assumpção, nessa prosódia diferente e na mistura de rock, reggae e samba. O disco vem daí?

Olho de Vidro apareceu para mim como a imagem de Itamar Assumpção. A primeira vez que eu ouvi falar dele foi através de minha mãe. Um dia cheguei em casa e minha mãe, do corredor, falou assim: “Você já escutou Itamar Assunção?” Eu falei: “Nunca”. Aí ela: “Eu acho que você vai gostar. Você deveria pesquisar, Cássia Eller canta as músicas dele, Zélia Duncan canta. Eu acho que você está muito nessa”. Eu tinha 18 anos. Joguei no YouTube e a primeira música que apareceu foi Parece que Bebe. E me chocou, essa onda de ele brincar com as vogais. Ele parece que está bêbado e quem dá a bronca são as vozes da cabeça dele, essas vozes femininas que sempre acompanharam o Itamar. Eu falei: “Véi, que doideira, isso aqui é muito massa, porque tem uma métrica diferente, não tem regra. Não tem muita coisa assim”. Aí eu comecei a mergulhar um pouco nesse universo da vanguarda paulistana dos anos 80, fui entendendo e apareceu para mim essa canção chamada Olho de Vidro, em que eu comecei a brincar com as vogais, porque tem esse lance de olho de vidro ter vários os, né?

E como foi construir o disco?

Eu queria trazer um pouco dessa coisa sem regra, dessa percussão louca, de um samba em cinco. A partir de Olho de Vidro eu comecei a viajar e achar que poderia ser um arco interessante para começar um disco. Mas lá em Salvador não tinha muita possibilidade para fazer o que eu queria. Vim para São Paulo e, depois de algumas tentativas, me inscrevi pela quinta vez no edital da Natura Musical e consegui garantir o lançamento e a circulação. Ao mesmo tempo, tinha fechado com a Red Bull Studios e consegui dez dias de estúdio para gravar, com a banda base e os convidados, que além desses que você falou tinham Sérgio Machado, Marina Melo, Raîssa Spada, Bianca Predieri. Pessoas que se envolveram tanto no processo que acabaram arranjando o disco. A produção é do João [Milet Meirelles], mas os arranjos são de todo mundo. Então Olho de Vidro tem essa conexão com a vanguarda paulistana porque eu fiz aqui, vim beber na fonte.

Do Olho de Vidro para Big Buraco tem um salto grande em termos de som, abre novas possibilidades e sinto que você encontra uma voz mais sua. Como foi o processo criativo do novo disco?

Com Olho de Vidro eu queria criar uma identidade de cara, meter o pé na porta. No primeiro disco a gente pode fazer isso, né? É meio a sua assinatura ali, um jeito de dizer o que você quer, para que veio. Foi uma voadora que eu dei para abrir caminhos, para derrubar mesmo essas paredes. Agora eu estou um pouco mais segura para poder mostrar outras camadas para a galera e até para mim mesma.

Isso se materializou no novo disco?

É muito legal ver o resultado do Big Buraco. Porque eu me joguei nesse universo desconhecido. Eu convidei o Antonio Neves para fazer a coprodução e fui gravar no Rio de Janeiro, em Santa Teresa, em um lugar que eu não estou acostumada. Queria que fosse um disco rápido. Não sabia o que ia acontecer, a gente só soube dentro do estúdio. E foi um processo muito legal esse direcionamento artístico e musical, que desencadeou nessa coisa de ser um pouco mais pop, de ser um pouco mais acessível, de trazer outras referências. Sinto que Olho de Vidro está mais no passado e Big Buraco mais no presente.

Um lugar que você sempre experimentou no presente foi no Taxidermia, seu projeto com o João Milet Meirelles em que vocês brincam com eletrônica, com dub, com a palavra, com o canto com efeitos. De certa forma você aproveita um pouco disso em Big Buraco. E tem canções no disco que foram lançadas antes em versões do Taxidermia. O que significa esse projeto para você?

É um aprendizado gigantesco fazer parte do Taxidermia. Eu sinto que a gente se alimenta, de demandas, de criatividade, de desejos. Então, acho que é importante para ambos. É um lance de a gente estudar fazendo. E é muito engraçado porque essas versões do Big Buraco são as originais das músicas. E quando a gente faz com Taxidermia, a gente já desdobra, leva para um outro lugar. É muito massa poder destrinchar a música e transformá-la antes de ela aparecer realmente.

E você e João têm essa conexão com o teatro. Lembro de você fazendo uma versão linda de Lágrimas Negras numa performance do Felipe Hirsch. O teatro ainda te move, mesmo você tendo se consolidado na música?

O teatro ainda me move, mas depois desses tempos aqui em São Paulo, eu comecei a entender o meu papel nessa visão do teatro. Como ele me move, como aparece dentro da minha arte, da minha música, dos meus shows. Sempre fico pensando mais em direcionamento de cena, na luz, no posicionamento de corpo. Por exemplo, no Big Buraco eu botei quatro atos, que são os bigs dentro do disco. O teatro me mudou para sempre, me moldou, porque é um meio de fazer as coisas, um jeito de pensar específico. E eu vou sempre mergulhar um pouco mais no que eu estou fazendo.

Um outro projeto muito interessante que você fez foi para o Selo Sesc. Um EP de improvisação com pessoas que você nunca tinha tocado antes: a Sakia, a Lua Bernardo e a Xeina Barros. Neste ano você circulou com esse show. Como esse tipo de projeto, cheio de riscos, mexe com seu lado criativo?

Esse projeto apareceu do nada, foi uma proposta do Sesc fazer esse encontro instrumental. O desafio era gravar uma EP, três, quatro faixas, dentro do estúdio em quatro dias. E a gente nunca tinha se encontrado, nunca tinha tocado juntas, muito menos esses instrumentos. Entrei no projeto como produtora musical e, quando fui entender o escopo, saquei que era uma coisa mais jazz, um rolê de se conhecer tocando. E saiu muito legal, conseguimos fazer com que esses encontros se tornassem mais íntimos a cada dia. E a gente conseguiu colocar um pouquinho de cada uma ali. Fazer o ao vivo disso que foi doido. Porque ficamos um ano sem nos ver e aí, de repente, tínhamos de fazer um show de uma hora. Foi uma troca muito maior, porque a gente teve que trazer músicas nossas e recriar nessa formação. Foi muito massa.

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