A difícil arte de criar unicórnios brasileiros

“Se a gente quer mudar o país de patamar”, disse ontem Luciano Huck, no palco da conferência Brazil at Silicon Valley, “ninguém vai fazer isso pela gente.” Treinado nos auditórios da televisão ao vivo, ele fala com verve e carisma. “Com as reformas, nós teremos dinheiro”, continua. “Mas vai faltar capital humano.” O apresentador planeja suas pausas em busca de impacto. “Não dá para ficar pensando em fazer unicórnios e não perceber que o país é desigual, que um quarto da população vive muito mal.” Unicórnios: as startups que ultrapassam US$ 1 bilhão em valor de mercado. “A elite brasileira tem de ser parte da solução.”

É com a elite que ele fala. Na plateia, ouvindo em silêncio, está algo como 10% do PIB brasileiro: dois dos três sócios da 3G Capital, Jorge Paulo Lemann e Carlos Brito, Marinhos e Sirotskys, Moreira Salles, os Moraes da Votorantim, os Moll da Rede D’Or, não só, família por família, empresários e investidores, gente interessada em compreender como fazer, no Brasil, um Vale do Silício.

“O Brasil é o próximo”, afirma com convicção Hans Tung, um pesado investidor chinês que pôs o dinheiro inicial na gigante Xiaomi, entrou cedo na AirBNB, e levou a Skype para seu país. Ele foi entrevistado no palco por Hugo Barra, o mineiro vice-presidente do Facebook para realidade virtual. “Já há 50% de penetração de smartphones, o mercado está maduro”, continua Tung. “Para que surjam unicórnios brasileiros em quantidade, será preciso investimento, e isso vai ter. Mas faltam engenheiros.”

Gente formada naquilo que, no Vale, chamam STEM. Ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Tung é seguido no palco por outro investidor lendário do mundo digital — Doug Leone, que de gerente de vendas da Sun Microsystems tornou-se sócio da Sequoia Capital, um dos principais fundos da Califórnia. Foi ele quem liderou os esforços da Sequoia na China e na Índia, assim como foi quem decidiu botar dinheiro na brasileira NuBank.

“Vocês têm petróleo e têm comida”, afirma Leone, “o Brasil está no rumo para crescer. Agora, se vocês atrapalham a si mesmos, aí é outra história.” Leone é direto, dispensa sutilezas. “A China forma 60 milhões de engenheiros por ano, vocês formam 170 mil.” O capital humano que faltará, o custo imposto pela crise profunda da educação brasileira. “Hoje, nossos investimentos estão concentrados na China e na Índia. O próximo Vale do Silício já está nascendo, é Beijing. Mas não estamos vendo ninguém mais surgindo com força aí na frente, e essa é uma boa notícia para vocês.” Com experiência de tocar inúmeras startups e aconselhar empreendedores, tendo visto as agruras de começar empresas que inovam e, por isso, se arriscam e erram e se reerguem a toda hora, ele vai também noutro ponto. “Legislação é um problema chave. Startups precisam mudar o rumo com agilidade e têm pouco dinheiro. A liberdade de contratar e demitir rápido, quando necessário, é fundamental para que empresas inovadoras consigam sobreviver e crescer. As leis têm de ser mínimas e simples para startups.”

Com experiência na política e também como investidor, Adrian Fenty, ex-prefeito de Washington, a capital americana, mergulha no nó frágil da equação. “Se você para e pensa, política e startups começam de forma muito similar. Num escritório de campanha eleitoral, o que você encontrará são muitas pessoas jovens, em cubículos, com a cara enfiada num laptop. Entre em qualquer empresa no Vale do Silício e é igual.” Ele observa o público, que absorve a metáfora. “A diferença é que, depois de uns anos, as empresas do Vale continuam assim, enquanto o político sobe para o quinto andar de um prédio imponente e se assenta numa sala grande. É quando ele perde a capacidade de disrupção, de mudança.”

É a preocupação de Eduardo Mufarej, outro pesado investidor brasileiro que hoje se dedica exclusivamente ao RenovaBR, um programa para formação de novos políticos independentemente de sua inclinação ideológica. “Preste atenção”, diz numa entrevista, “há quadros novos no Congresso. Já está surgindo uma mentalidade diferente na política brasileira.” Diplomata de formação, deputado federal pelo Rio, Marcelo Calero é um dos parlamentares que saiu do Renova. “É claro que temos um problema no governo, há uma tentativa constante de antagonizar, é um governo que em nada colabora para amenizar o clima.” Para que dinheiro de investidores entre no país, e as chances de o Brasil seguir à China na indústria que alimentará o século 21 surjam, as reformas que começam pela da Previdência são necessárias. O conflito político constante atrapalha. “Mas, veja”, diz Calero, “talvez Bolsonaro entenda que essa agenda liberal é o que viabilizará o governo dele.”

Por dois dias, numa conferência enxuta e bem organizada, o Brasil que existe e o Brasil possível foram exaustivamente debatidos. O fato de existirem, já, inúmeros jovens empreendedores imaginando soluções para os problemas do país pelo caminho digital foi sequencialmente observado por investidores e empresários. Uma dificuldade é a falta de engenheiros, e a solução são os brasileiros pobres que não têm acesso à educação de que precisam. A outra dificuldade é a burocracia que amarra e impõe dificuldades a novas empresas, que nascem tendo de seguir regras similares às das grandes. Mas isto não quer dizer que algo já não esteja ocorrendo.

“Vou começar do zero”, diz o último convidado ao palco. É um paulistano de 33 anos que nunca tira o sorriso do rosto. Chama-se Michel Krieger mas, desde que se mudou para os EUA em 2004, adotou o apelido Mike. É também um dos dois milionários fundadores do Instagram. “Eu já trabalhava numa startup e essa experiência é importante para aprender a criar a sua.” É novamente Hugo Barra quem o entrevista, e Hugo lhe fez um desafio: um Instagram seria possível no Brasil? Passo a passo eles seguem no experimento, procurando o que Mike teve no Vale e que poderia ser repetido no país. “Um ambiente de startups onde jovens trabalham já existe no Brasil”, indica Hugo. “Levantamos nosso primeiro investimento com um anjo”, diz Mike — e também estes investidores iniciais existem. “Meu sócio trabalhava no Google, que é outra experiência importante, a de conhecer um unicórnio por dentro, uma startup que deu certo.” NuBank, Buscapé, o Brasil já tem startups que se impuseram. “Tivemos muita dificuldade de contratar engenheiros, eles estão sempre empregados e ganhando bem por aqui.” Apesar de não serem muitos, programadores em busca de oportunidades existem. “Hoje, se eu fosse montar uma startup, não faria no Vale, a competição está ridícula. Você não encontra mais gente para contratar. Tem de fazer fora.”

Talvez no Brasil.

Rodrigo Xavier, ex-CEO do Pactual e hoje aluno na Universidade de Stanford, é o organizador da conferência. “A gente está discutindo tanto o passado, no Brasil”, ele diz. “Este ambiente aqui, o do Vale, contagia. Precisamos olhar para o futuro. Para mim, a palavra mais importante do evento é mindset. Se houver um clamor grande, o Brasil muda. Precisamos transformar este evento num movimento.”

“Se a gente quer mudar o país de patamar”, disse no início Luciano Huck, “ninguém vai fazer isso pela gente. A elite brasileira tem de ser parte da solução.” Encerrada a primeira edição de Brazil at Silicon Valley, a segunda já está marcada.

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